Jorge Nunes

Jorge Nunes

Interioridade: roturas políticas contra o despovoamento do Interior e as assimetrias regionais.

“Durante centenas de anos, a interioridade, designada em função das realidades conjunturais da qualidade de vida, correspondeu, pela estabilidade das estruturas sociais, a uma definição de vida habitual, umas vezes acentuando perspectivas de virtuosa pureza de vida, outras acentuando as carências, mas sempre a rotina de gerações”. (Prof. Adriano Moreira, no I curso de Direito e Interioridade)

Na década de cinquenta, o conceito de interior referia-se ao país rural atrasado, em contraste com o país moderno das cidades do litoral. Com a construção de novas estradas para o interior, há quem o defina como espaço geográfico subdesenvolvido, outros referem tratar-se de uma questão cultural, outros referem que com o avanço das tecnologias de informação e comunicação, o êxodo da população rural para as grandes cidades seria travado, e por isso, que o problema não existe. A realidade é que, a alternativa á cidade tem sido a de fazer melhor cidade, que atrai mais fluxos populacionais das áreas rurais para as cidades.

Os problemas da Interioridade vem de há décadas, são lembrados durante regularmente, com destaque para as campanhas eleitorais, logo esquecidos. Ganharam relevo na imprensa e no debate público após a tragédia dos incêndios. Destaco dois momentos de debate da interioridade por parte dos Transmontanos, a realização do III Congresso Transmontano, em setembro de 2002, a maior reunião de Transmontano Durienses no pós 25 de abril, que teve como resultado mais visível, o desencravamento das acessibilidades ao território (A4, o IP2 e o IC5), a 1.ª das reivindicações do Congresso, concretizada numa década e pouco, o que acrescentou muito às perspetivas de futuro da região.

A realização nos anos de 2008, 2009 e 2010, dos Cursos de Direito e Interioridade, promovidos pela Faculdade de Direito de Lisboa, sendo Diretor o Professor Doutor Vera Cruz Pinto, com apoio da Câmara Municipal de Bragança, no qual participaram centenas de cidadãos e destacados professores, como: Vera Cruz Pinto, Adriano Moreira, Costa Andrade, Marcelo Rebelo de Sousa, Romano Martinez, Menezes Cordeiro, Eduardo Paz Ferreira, Duarte Nogueira, trazendo o tema para o debate público, cursos de que resultou uma publicação editada pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.   

 

 

É certo que, a questão do litoral e do interior não se coloca hoje como há meio século atrás, o país mudou no seu todo para melhor, temos uma boa rede de estradas (ainda que falte resolver algumas ligações), boas redes de comunicação e informação, um bom sistema de saúde e de ensino, melhoraram muito as infraestruturas ambientais no país, a qualidade urbana das cidades, vilas e aldeias. Estão em falta entre outras medidas, os incentivos ao investimento dirigidos, às empresas e à fixação de pessoas. Há de facto problemas resolvidos, outros que não o foram, outros que se agravaram de forma muito preocupante, sendo necessário refletir sobre todos.

Nas décadas mais recentes, assistimos a uma espécie de despovoamento programado do interior, tendo como resultado a concentração no litoral, de 70% da população, de quatro quintos da economia, de 85% dos alunos do ensino superior, de 93% das dormidas turísticas, dos centros de poder político e administrativo e do conhecimento. Aí se concentram às sedes do bancos e das seguradoras, dos partidos políticos, o poder do Estado, as sedes patronais e sindicais, as sedes das principais empresas, tudo o que era possível.

Paralelamente, tem sido reduzidos ou extintos serviços públicos no Interior: transportes, escolas, serviços de saúde, tribunais, serviços do ministério da agricultura, das florestas, do ambiente e outros, exercício de racionalidade errada que omite o valor histórico, cultural e identitário dos territórios, a relação do homem com a terra e a preservação de bens naturais e patrimoniais, reduzindo a condição de vida de algumas populações ao limiar mínimo de sobrevivência. Não considera os efeitos negativos do despovoamento, situação que irá agravar-se perante as projeções demográficas para o país.

 

É preciso devolver a esperança ao Interior, reestabelecer a equidade e a justiça social, repensar o ordenamento do território, reequilibrar o sistema urbano, assumir que o Interior é parte ativa nas políticas de coesão, da competitividade e do crescimento global da economia do país. É possível olhar em frente, encarar o futuro e inverter a realidade, com políticas para o Interior concebidas, numa perspetiva de mudança de paradigma de desenvolvimento, apostando e inovação, na economia verde e do conhecimento.

Encarar o futuro significa fazer agora, de forma diferente, o que não tem sido feito ou tem sido feito de forma insuficiente, podendo significar encarar os problemas da interioridade não um elevado número de decisões políticas, sim com um número restrito que rompa com o ciclo vicioso que tem condenado o Interior ao despovoamento, à desertificação do território, ao empobrecimento relativo e à saída de serviços públicos.

 Propondo nesta reflexão um conjunto de sete orientações: Estatuto Jurídico de Interioridade;  Política de incentivos fiscais à interioridade; Agricultura e Florestas; Ensino Superior, Sistema de Inovação e de Interface Tecnológico; Descentralizar competências para os municípios, desconcentrar serviços da Administração Central para o Interior; Fundos da União Europeia como instrumento de combate às assimetrias regionais; Cooperação transfronteiriça e conectividade dos territórios.

 

 

 

                                   1 |  Estatuto Jurídico de Interioridade

 

É urgente romper com o ciclo vicioso que aceleradamente enfraquece a demografia no Interior de Portugal, ficando muitas aldeias e vilas próximas de uma situação de despovoamento irreversível, que inviabiliza explorações agrícolas familiares levando ao abandono dos campos, que obriga os jovens mais qualificados a emigrar, que desinveste com a ideia de que não se justifica investir em territórios onde ninguém quer viver, concentrando investimento no litoral, onde se ganham eleições e se elegem deputados. Romper com esse ciclo exige visão de futuro, que se olhe para o Interior não como as traseiras do litoral, sim como o território da fronteira mais antiga e estável da europa, o interface com o nosso principal parceiro económico.

Este ciclo errado de pensamento fraturou o país na vertical, 2/3 do território para o interior e 1/3 para o litoral, fratura que tem vindo a progredir em direção à costa atlântica. Progressão que tem sido atenuada e em parte controlada, devido a duas medidas políticas importantes, a regionalização do ensino superior, decisão do início da década de setenta e a aposta mais recente de reforço de uma rede urbana de cidades de média dimensão no interior, tendo em vista ancorar territórios contíguos, fixar novas competências.

Estas e outras políticas não chegaram para conter os efeitos devastadores da emigração para as cidades, do desinvestimento e encerramento de serviços públicos no Interior.

Hoje os cidadãos, no plano dos princípios, querem e exigem, que o país se desenvolva como um todo, que a situação de despovoamento e abandono do Interior seja resolvida, que novas ponderações na decisão política sejam tidas em conta, naturalmente os recursos naturais e patrimoniais, também tudo o que tem a ver com o exercício de soberania no território, impondo-se:

 Olhar para o Interior com outros olhos e políticas, assumir e decidir a interioridade como estatuto jurídico, obrigando a que cada decisão relevante com impacto político e administrativo no território, nomeadamente normas legais, se conformem com avaliação prévia sob o ponto de vista do seu impacto positivo para a coesão territorial e impedir que decisões setoriais anulem orientações que visem o combate às assimetrias regionais.

 

                                 2 | Política de incentivos fiscais à interioridade

 

Poderá tratar-se de uma das mais eficientes medidas para a fixação de atividades económicas, de emprego e de população jovem no interior, decisiva para a tentativa de inversão do forte declínio demográfico que devasta o Interior de Portugal. O governo do país tem na área da fiscalidade que assumir decisões a sério, que captem a atenção e interesse dos investidores, não adotar medidas a fazer de conta, como já aconteceu no passado recente.

O governo deverá colocar nas suas prioridades a captação de investimento externo para o Interior, incentivar o investimento interno, ambas as medidas apoiadas num pacote de incentivos fiscais á interioridade, envolvendo impostos nacionais e locais, suficientemente diferenciador que permitissem às empresas e quadros qualificados fazer uma opção de fixação no Interior.

 Incentivos do tipo: redução de 30% no IRC para as empresas com sede e atividade principal no Interior; de 60% para as novas empresas, podendo 30% da redução obtida estar associada à contratualização de objetivos associados à promoção da economia verde e do conhecimento e à criação de postos de trabalho altamente qualificado; não aplicação de derrama; redução de 30% no IRS dos trabalhadores residentes, medidas a manter por NUT III, até que o rendimento médio nessa NUT atingisse um determinado valor do PIB pc da média nacional.

 

 

 

                                                       3 | Agricultura e Florestas

 

Nas últimas décadas, incentivou-se o abandono dos campos, a economia e atividades rurais foram desvalorizadas em termos económicos e sociais, em particular a agricultura familiar, considerada como residual e economicamente inviável. As políticas públicas concentraram apoios ao investimento e à produção nas grandes explorações agrícolas, que representam 3% do total das explorações, enquanto as familiares representam 97% concentrando-se nas Beiras, Minho e Trás-os-Montes, os territórios parentes pobres da política agrícola, onde despovoamento e o envelhecimento da população são mais intensos.

Essa orientação política não tem dado suficiente valor à preservação e valorização dos ecossistemas naturais, ambientais e patrimoniais, que a atividade rural assegura, como função social de que todos beneficiamos: a qualidade da água, do ar, a qualidade da paisagem, as energias renováveis, e outros bens patrimoniais, legado de gerações, que representam parte importante da identidade e cultura do povo português, função social pela qual os agricultores não são compensados.  

Fomentar a fixação de pessoas jovens no mundo rural exige, para além da qualidade de vida, que as pessoas possam dispor de rendimentos compatíveis, que lhes permitam aceder a bens e serviços de proximidade, com qualidade e equidade, exige serem ouvidos e que a sua opinião seja tida em conta, nas decisões de ordenamento do território, de planeamento, do debate e medidas contra as alterações climáticas, em síntese, sobre aquilo que lhes diz respeito.  

É preciso apostar nas explorações familiares viáveis, agrícolas, de pastoricia, florestais, aproveitar os recursos naturais, com projetos bem estruturados e sustentáveis, apoiados no conhecimento, no saber fazer, na inovação, nas tecnologias, considerando as prioridades nacionais e o potencial de recursos a nível regional e local. Planear e investir para o médio e longo prazo, sempre na perspetiva do que pode ser legado às próximas gerações, fazendo reformas necessárias de reorganização da dimensão da propriedade, infraestruturas adequadas, seja de armazenamento de água, de transformação dos produtos, de estruturas associativas e cooperativas, ligadas à produção e ao comércio dos produtos.

Dar prioridade ao investimento sustentável na modernização e viabilização das explorações familiares, mobilizar apoios comunitários para esse objetivo, aplicados regionalmente de acordo com as prioridades, correspondentes ao cruzamento das potencialidades naturais e opções de política regional e sub-regional.

A política nacional de reflorestação deve ser feita com perspetiva de futuro, apostando na utilização diversificada de espécies como o carvalho, o sobreiro, o castanheiro, e outras, compatíveis com bons princípios de ordenamento do território eficazes, controladas ao nível dos planos diretores municipais;

Projetos específicos de reflorestação com espécies de crescimento lento devem ser apoiados por programas de compensação financeira aos produtores, por perda de rendimento, pelo número de anos necessários, assegurando o desenvolvimento da floresta numa perspetiva ambiental e económica sustentáveis, legado às próximas gerações como ativo que lhes permita prosseguir a atividade florestal de forma autónoma;

O emparcelamento nas zonas de minifúndio é essencial para assegurar a instalação de explorações agrícola e florestais viáveis. Dar prioridade ao uso do solo em detrimento do abandono, promovendo a mobilização produtiva das terras abandonadas;

A política agrícola e florestal deve ser apoiada por um programa de investimento público de médio a longo prazo, dirigido ao investimento nos projetos e infraestruturas, mobilizando um envelope prioritário de fundos da União Europeia, fazendo uma aposta como se fez para a resolução de outros desafios como, a construção da rede de autoestradas.

 

                                4 | Ensino Superior, Sistema de Inovação e de Interface Tecnológico

 

As instituições de Ensino Superior sedeadas em cidades do interior trouxeram a essas cidades novas dinâmicas sociais e económicas, melhores oportunidades de formação técnica e científica aos jovens dessas regiões, novas perspetivas à economia local e à fixação de jovens empreendedores. Trouxeram novos empregos diretos e indiretos, a entrada de fluxos financeiros adicionais na economia local, ajudando as cidades a adquirir novas dinâmicas em termos sociais e económicos.

Aumentou a oferta cultural, as instituições melhoraram as suas competências, a economia cresceu e fixou novos investimentos, melhorou a formação dos jovens dessas regiões. As cidades do Interior ganharam atratividade e competitividade, estão melhor preparadas para atrair investimento, fixar população difundir oportunidades para os territórios envolventes mais frágeis.

As instituições de ensino superior não são apenas estabelecimentos de ensino, desempenham um papel importante na coesão e desenvolvimento regional. Estas instituições e os centros de investigação associados devem ter bem presente na sua missão, o exigente contributo para o desenvolvimento social e económico das regiões onde se encontram, tarefas exigentes que as tendências demográficos tornam ainda mais complexas.

A política de ensino superior deve ter um papel ativo no combate às assimetrias e ao despovoamento, apostar na qualidade e no crescimento das instituições de ensino superior do Interior nomeadamente no crescimento do número de alunos e no desenvolvimento de competências. O Estado não pode deixar o sistema funcionar por si próprio, sob pena de os desequilíbrios se agravarem.

 

Dar um novo impulso na regionalização do ensino superior apoiando:

I - O aumento do número de alunos nas instituições de ensino do Interior, objetivos globais de qualidade e de empregabilidade e de ligação á empresas;

II – Apoiar o desenvolvimento de centros de investigação, de inovação e de interface tecnológico, decisivos para a competitividade e a coesão territorial;

III - Criar condições de evolução do ensino Politécnico para a categoria de Universidades de Ciências Aplicadas colocando-as ao lado das suas congéneres europeias.

 

                      5 | Descentralizar competências para os municípios, desconcentrar serviços da Administração Central para o Interior.

 

Os cidadãos têm boas razões para confiar no Poder Local. Os municípios são responsáveis pela maior fatia do investimento público; a dívida pública dos municípios é de 1,7% (4 075 milhões de euros) da divida pública do país (240 958 milhões de euros); o peso da despesa dos municípios é de 11,85% da despesa pública nacional, menos de metade da média dos países da união europeia que é de 26,6%, sendo desejável uma aproximação à média europeia; com saldo financeiro positivo contribuem para o equilíbrio das contas públicas. 

O municipalismo tem sido ao longo da história do país, o cimento da coesão territorial, as suas instituições asseguram o 1.º nível de proximidade aos cidadãos, dando resposta aos seus problemas, ao fazê-lo, atuam na primeira linha do combate às assimetrias territoriais e às desigualdades sociais.

As autarquias podem executar de forma mais eficaz, com redução do custo, maior garantia de qualidade e satisfação dos cidadãos, várias políticas públicas de proximidade, atualmente sob responsabilidade da administração central. Devem poder fazê-lo com caracter universal, tendo por base o princípio da subsidiariedade e da autonomia local, por referência uma matriz clarificadora: das competências, do custo de execução, dos recursos associados, financeiros, patrimoniais, humanos e outros. Também a avaliação do impacto nas estruturas organizacionais das autarquias, na sustentabilidade financeira, e capacidade de investimento, deve ter em conta as diferentes realidades no território. A nova lei de finanças locais que irá acompanhar o processo de descentralização tem que ajudar à coesão territorial e à redução das assimetrias regionais. 

O processo ganharia coerência administrativa e financeira, seria clarificador, se fosse acompanhado da Lei-Quadro de instituição das regiões administrativas, dotadas de autonomia administrativa e financeira e de órgãos próprios eleitos pelas populações. Um exercício global de reorganização do Estado, concentrado no nível local e regional, daria consistência e futuro à reforma de modernização da administração pública, tornando-a mais eficiente nas políticas e na utilização dos recursos públicos, estruturar de forma mais compreensível os patamares de decisão, criar um ambiente mais favorável ao crescimento da economia, à criação de emprego, libertar mais recursos para políticas sociais.

Impõe-se: Descentralizar novas competências para os municípios, com meios financeiros compatíveis, proceder à instalação nas cidades capitais de distrito do Interior, serviços públicos de âmbito nacional, desconcentrando o excesso de emprego público existente na capital. Ambas as medidas podem contribuir para travar o centralismo excessivo de Lisboa.

 

                            6 | Fundos da União Europeia como instrumento de combate às assimetrias regionais.

 

Portugal depende em 85% dos fundos da União Europeia para executar investimento, é o país mais dependente no conjunto dos 28 estados membro, daí a importância do próximo Quadro Financeiro Plurianual como um dos instrumentos de apoio ao investimento na resolução dos problemas da interioridade. A quantidade de fundos a que as regiões NUT III do Interior devem poder aceder, as políticas a financiar, o modelo de governação dos fundos, devem ser decididas de modo a assegurar uma mudança no sentido de corrigir assimetrias, garantir maior coesão territorial.

Alterar a arquitetura dos fundos de coesão, a forma como são aplicados, assegurar a negociação prévia de dotações indicativas globais de fundos para o Interior, e uma política diferenciada de apoio ao crescimento económico, visando as empresas, a criação de emprego, a fixação de empresas e pessoas no Interior, são questões relevantes do debate.

 Dados do Eurostat, indicam que em Portugal o apoio público às empresas tem diminuído, é de 0,56% do PIB, muito abaixo da média (1,28%) de um conjunto de 63 países analisados, o que significa, face à escassez de recursos nacionais, que a competição pelos apoios para a economia serão muito disputados.  

As políticas de coesão e de competitividade devem dar particular atenção às regiões menos desenvolvidas, apoiar a inovação e a produtividade, encarar as especificidades regionais e locais como elas são, confiar nas autoridades regionais e locais, para enfrentar desafios, fazer opções, assumir a sua resolução e resultados, responder perante os cidadãos e autoridades financiadoras, pelas escolhas feitas e resultados de mudança face ao ponto de partida.

A territorialização das políticas públicas, deve ser uma prioridade, apoiada em Plano de Desenvolvimento Regional, contemplando políticas de caracter transversal e sub-regional, envolvendo as necessidades da região nas distintas realidades do território, a mobilização de pessoas e intuições, de capacidades locais de inovação, envolver o escrutínio público, aberto e informado. Decidir as prioridades de desenvolvimento, no âmbito de estratégias integradas de médio/longo prazo, focadas no contexto local e alinhadas com orientações de política europeia e nacional, identificar os resultados a atingir no quadro comparativo da região, sempre focados num duplo objetivo, o da convergencia com a União Europeia e da coesão e competitividade regional.

Deverá aceitar-se que o investimento nas regiões NUT III seja adequado às necessidades específicas, evitando a uniformização de políticas. Em determinado território o investimento é mais necessário na agricultura, florestas, armazenamento de água e regadios, setor cooperativo e organização da comercialização, noutros a prioridade será a mobilidade, a qualidade do ar, a regeneração e a reabilitação urbana, a proteção da orla costeira, a capacidade de acolhimento empresarial e captação de investimento externo.

Cada território deverá poder elaborar a sua carteira de projetos prioritários, investir no que é verdadeiramente relevante para o desenvolvimento, fazendo-o com pensamento estratégico, com foco nos resultados concretos para as pessoas e o seu bem-estar, preocupados com o quanto, a qualidade e oportunidade do que se investe, e assegurar que os projetos respeitam uma estratégia partilhada.

A utilização dos fundos de coesão através de vários programas não ajuda à execução de políticas territoriais integradas de desenvolvimento. Desejável seria que os cinco fundos da política de coesão integrassem um único fundo, operacionalizado através dos programas regionais das regiões de convergência (sem programas temáticos), assegurando maior eficácia da estratégia política europeia, redução da estrutura burocrática e de gestão, aos beneficiários lidar de forma mais simples e eficaz com os fundos, aproximando os recursos ao contexto regional e local.

Qualquer que venha a ser a metodologia e modelo de aplicação dos fundos da política de coesão, seria importante para as regiões NUT III menos desenvolvidas assegurar:

I - Que cada NUT III possa dispor à partida de um envelope financeiro indicativo, negociado ao nível da Região, compatível com a concretização dos objetivos relevantes e metas estabelecidas.      

II - Um sistema diferenciado nas taxas de apoio às empresas com atividade no Interior, existentes, a criar ou a captar, nos seguintes moldes:

O incentivo não reembolsável, reconhecido o mérito ao projeto, deverá ser obtido se alcançados os objetivos de projeto (não se superados como hoje é exigido), por outro fixar dois níveis de apoio, um dirigido á inovação e competitividade do território, outro mais simples, transversal à economia, a puxar pelo mico empreendedorismo, pelas pequenas empresas e pelo potencial de recursos da economia local.

1.º Nível - inovação e competitividade – majorar o incentivo às empresas em 25 a 30 pontos percentuais acima do sistema geral, concorrendo em regime aberto, alinhado com as prioridades estratégicas para a especialização inteligente,

2.º Nível – regime mais simplificado de apoio ao mico empreendedorismo e às pequenas empresas – majorar o incentivo em 25 a 30 pontos percentuais, relativamente ao sistema geral, em concursos fechados dirigidos a territórios específicos, a projetos alinhadas pelo menos com a Estratégia de cada uma das NUT III, contemplando um envelope financeiro especifico da ordem dos 20% da dotação que vier a ser atribuída ao sistema de incentivos.

 

                             7 | Cooperação transfronteiriça e conectividade dos territórios

 

A fronteira luso-espanhola, com 1234 Km de extensão, é a mais antiga e extensa da União Europeia, unindo, ou separando, conforme a perspetiva, duas faixas territoriais constituídas por 17 regiões NUT III que representam 23,5% do território ibérico e 10% da população dos dois estados. As 10 NUT III fronteiriças de Portugal, com a área de 50200 Km2, representam cerca de 55% do território do continente e 20% da população.

Trata-se de um amplo corredor, não homogéneo, em termos populacionais e económicos, constituído por grandes espaços rurais de muito baixa densidade populacional, em declínio demográfico acelerado e em situação de empobrecimento crescente e territórios urbanos com cidades dotadas de dinâmicas sociais e económicas positivas. Trata-se de um largo corredor central ibérico, de elevada qualidade ambiental, elevada biodiversidade que acolhe uma variada gama de ecossistemas naturais, sendo mais de metade do perímetro fronteiriço raia húmida. Quer a parte de raia húmida quer a seca, devem ser vistos como o território de interface entre os dois estados, o corredor que os liga e não a parte esquecida que os fragiliza.

A política de cooperação fronteiriça tem que ser adotada de forma efetiva pelos dois estados ao nível mais elevado, atuando em áreas temáticas específicas, as cimeiras ibéricas tem que dar impulso prioritário à construção das ligações fronteiriças em falta, abertura à evolução de políticas de cooperação como: a partilha de redes de serviços públicos; a gestão partilhada de ecossistemas naturais; a gestão conjunta de bacias hidrográficas; a valorização conjunta de redes de património natural e cultural, em especial na perspetiva de atração de fluxos turísticos para os territórios fronteiriços; o incremento de transportes públicos nas áreas fronteiriças que não dispõem desse serviço; na área da proteção civil e segurança; nas redes do conhecimento científico e tecnológico. 

 

                                   Compromisso Político

 

Os problemas da interioridade vem de longe, já desde D. Manuel I, com a reforma das cartas dos forais, continuado pelos sucessores, para assegurar contingentes para a expansão marítima, a posse e gestão dos impérios, da Índia, Brasil e África, pelas migrações para o Brasil na primeira metade do século XIX, pela crise na agricultura na segunda república, que acelerou após a segunda Grande Guerra, nos anos 60 e 70 pela migração para o litoral, pela emigração para a Europa, na maioria a salto, pela mobilização de jovens para as guerras em África, período em que se iniciou um ciclo intenso de despovoamento que hoje atinge proporções há poucos anos não imagináveis.

Portugal com um PIB pc de 77,6% no contexto da média dos países da EU é um país de grandes desigualdades internas. Em termos de PIB pc, só a Região de Lisboa está acima da média da EU, sendo desde o ano de 2010 a única acima da média nacional, cerca de 40 pontos percentuais acima da Região Norte (64.5% da média da EU). Na Região Norte, só a Área Metropolitana do Porto tem um PIB pc acima da média da região, estando 40 pontos percentuais acima da região NUT III mais pobre desta região.

De 2000 a 2015, em Portugal a convergência com a média da EU foi negativa (-0,7%), e a convergência inter-regional foi baixa, nesse período, cerca de metade das regiões NUT III do interior teve crescimento negativo, a outra metade cresceu ligeiramente. Esta ligeira convergência ocorreu em parte por alguma diminuição do PIB pc na AMP, manutenção do PIB pc na AML, com crescimento de população, e pelo crescimento real da economia em algumas das regiões do interior, sendo que em algumas das NUT III a diminuição da população corresponde, por razões negativas, ao principal fator de crescimento do PIB pc.

Confrontados com fortes assimetrias regionais, com um processo de intenso despovoamento do interior, com perspetivas demográficas pouco animadoras, e com dificuldades de convergência com a média dos países da União Europeia, algo de diferente tem que ser feito para mudar e isso requer compromisso político, com medidas capazes de contrariar a fratura criada entre o litoral e o interior e que progressivamente nos aproxima de um centralismo mais forte, cada vez mais Lisboa e o resto do país.  

    Bragança, Janeiro de 2018 | António Jorge Nunes


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