Jorge Nunes

Jorge Nunes

Regionalização e Estratégia Norte 2030

Portugal apesar das duas regiões autónomas permanece ainda na dimensão continental como um Estado fortemente centralizado. A política centralista não tem conduzido o país por um caminho de convergência com a média da União Europeia, não tem garantido desenvolvimento harmonioso, pelo contrário, no continente há fortes desequilíbrios, entre o Norte e o Sul, entre o Litoral e o Interior. Temos o Norte como região mais pobre de Portugal, com o PIB per capita de 64,7 pontos de média da União Europeia, a 37,2 pontos percentuais da Área Metropolitana de Lisboa.

De forma objetiva deve colocar-se a questão do porquê de a região norte, ao longo de anos, surgir como a região mais pobre do país apesar do muito que positivamente a diferencia no contexto nacional, com uma base produtiva fortemente exportadora, um sistema de ensino superior, de investigação de inovação e de interface muito representativo, distribuído pela região e capaz de dar resposta às necessidades de formação e de inovação para uma economia mais avançada, dispor de um património natural, cultural e identitário muito expressivo, assim como pela persistência de elevadas assimetrias na própria região. 

A outra realidade que fratura o país observa-se entre o litoral e o interior. Uma estreita faixa do litoral concentra de forma esmagadora a população, a economia, a administração pública, os serviços, os centros de conhecimento, o poder político e administrativo, por outro lado temos o Interior que representa 2/3 do território continental, em situação de intenso despovoamento e de envelhecimento populacional, com o mundo rural cada dia mais abandonado, num ciclo que persiste desde há décadas de que tem resultado, a perda no emprego, a redução da atividade económica, da produtividade, a fragilidade das instituições e das populações, realidade absolutamente constrangedora.  

Pode argumentar-se que o País nas últimas quatro décadas evoluiu muito para melhor, o que é indiscutível, tem boas redes de infraestruturas e de serviços, um bom sistema de saúde e de ensino, melhorou a qualidade urbana das cidades, vilas e aldeias, retrato positivo de um país que se modernizou. Apesar disso não se pode ocultar o forte desequilíbrio gerado pelo reforço do centralismo político e administrativo do Estado, em detrimento da descentralização para as regiões, deixando o Interior do País como que entregue a si próprio, progressivamente esvaziado de serviços públicos, agravando os problemas da interioridade, reduzindo expetativas de um futuro melhor.

Neste contexto, destaca-se como realidade positiva, o Poder Local que no âmbito das suas competências e autonomia e tem sido uma âncora no combate às assimetrias regionais e às desigualdades sociais. No âmbito das suas atribuições e competências tem contribuído para a modernização do país o que lhe permite um claro reconhecimento de confiança por parte dos cidadãos, conquistada pela proximidade e pelos êxitos na gestão, pela qualidade e dimensão da obra feita, de natureza infraestrutural e imaterial, realizações que conferem qualidade de vida e bem-estar aos cidadãos.

Entre as fronteiras do que é a execução de responsabilidade dos municípios e a do governo central, permanece uma ampla faixa de situações para as quais não há adequada resposta para a totalidade das necessidades e noutras a resposta é de eficácia questionável, pela limitação inerente às competências de atuação territorial do Poder Local, quer pela fragilidade da presença do Estado Central, situações que seriam melhor resolvidas por um nível de governo regional. É certo que pela via do associativismo municipal se tem vindo a encontrar soluções eficientes, de escala adequada para solucionar algumas das necessidades, de forma viável e sustentável, sendo exemplo: a recolha e tratamento de lixos; o abastecimento de água; a promoção territorial associada a rotas de património natural e cultural; a gestão de redes de transportes; a operacionalização de fundos comunitários no quadro de abordagens integradas.

As soluções de associativismo municipal têm-se desenvolvido em dimensão variável, podem incluir um número limitado de municípios dentro da NUT III, a totalidade de municípios ou até integrar municípios de NUT III distintas. Os responsáveis pelos órgãos de direção são de eleição indireta ou nomeados, nunca eleitos pelo voto direto dos cidadãos eleitores dos municípios associados.

Numa primeira ponderação feita no sentido do reforço da cooperação intermunicipal naquilo que é importante: o ganho de escala; de eficiência; de partilha de tecnologia; de recursos; da qualidade das soluções e serviços à população e da otimização do custo associado, parece ser possível, por iniciativa voluntária, encarar soluções de reorganização de algumas das estruturas associativas entre municípios. Podem rentabilizar-se estruturas técnicas, orçamentos, reduzir custos, eliminar sobreposição de tarefas, reduzir a exigência de representação institucional por parte dos eleitos, ganhar em eficiência, na qualidade do serviço à população e no custo associado, assim como melhorar o escrutínio sobre os resultados associativos.

Olhamos para o Poder Local democrático, no quadro das atuais atribuições e competências e das suas realizações, como uma das maiores conquistas de Abril. Numa avaliação global constata-se que os municípios tem beneficiado de elevada estabilidade política, o que lhe tem permitido planear a mais longo prazo e gerir os bens públicos de forma eficiente e eficaz. No ano de 2017 foram responsáveis por 11,87% da despesa pública, contra a média de 26,6% no conjunto dos países europeus de referência, sendo responsáveis por uma elevada fatia do investimento público, ainda assim, apresentam elevada autonomia financeira. Note-se que em Espanha a despesa pública é executada em 25% pelo Estado Central, 50% pelos Governos Regionais e 25% pelo Poder Local, o que deixa perceber que em Portugal existe margem de progresso na atuação das autarquias.   

Os municípios tem muito a seu crédito. Podemos focar-nos numa das áreas críticas, a da gestão orçamental em que, salvaguardadas exceções se pode salientar o elevado sentido de responsabilidade e notar o contraste entre o Poder Local e o Poder Central na resposta à crise económica e financeira mais recente no país nos anos de 2009 a 2016, período em que a divida bruta total dos municípios face à divida pública nacional reduziu de 4,1% para 1,7%, para 2496 milhões de euros, valor residual face à divida pública nacional e apresentaram resultados líquidos positivos, contribuindo para a redução do deficit das contas públicas. Não foi, nem é a divida dos municípios que cria dificuldades ao país, mas sim a divida contraída pelo Estado Central e pelo Setor Empresarial do Estado Central.

Em Portugal, o Poder Local está consolidado, os concelhos em termos médios tem escala territorial e populacional significativa face à média europeia, ou seja a dimensão não é um problema para que os municípios possam assumir novas competências. Não significa que em termos futuros, o mapa autárquico não possa evoluir, de preferência por decisões de agregação voluntária, face à diminuição de população em concelhos do Interior e também no litoral pela reduzida área de alguns dos concelhos e pelo contínuo urbano que os liga.

O municipalismo tem sido ao longo da história do país um fator de coesão e de combate às assimetrias e às desigualdades. Não podem os municípios agir fora do seu campo de legitimidade política, atuam no campo supramunicipal em soluções de cooperação, necessárias para concretizar políticas territoriais integradas, mas não podem preencher o espaço da política regional e da coordenação das políticas sub-regionais. A falta de atuação no espaço regional, onde o Estado Central nem sempre tem sido eficiente ou está cada dia mais ausente, parece-me ser uma das principais razões que contribuem para a falta de convergência do país e entre regiões, e para que a Região Norte se mantenha como a mais pobre de Portugal.

Falta concretizar um nível intermédio de poder, entre o poder central e o poder local, o poder regional, a dotar de legitimidade política, autonomia administrativa e financeira, tendo por base o sufrágio do voto popular, tal qual ocorre nas Regiões Autónomas da Madeira e Açores, que em geral tem dado provas positivas de estabilidade e de progresso social e económico. Só os órgãos próprios da Região Administrativa podem assumir a estratégia regional, executar as políticas regionais e correspondentes planos de ação, fixar as metas regionais de desenvolvimento, dar um novo impulso ao desenvolvimento das região e do país, assumir a responsabilidade pelos resultados que serão escrutinados pelos cidadãos em eleições diretas.

Reforçar o municipalismo, criar as Regiões Administrativas, modernizar e reforçar o Estado parece ser parte da receita para libertar o potencial de desenvolvimento regional e o momento presente uma oportunidade única para romper com o forte centralismo de Lisboa que asfixia e não deixa o país no seu todo desenvolver-se ao nível de que é necessário.

Em tempo de preparação de eleições legislativas, cada partido deveria assumir o que se propõe fazer ou não, no plano da descentralização e da desconcentração do Estado, se apoia a criação das regiões administrativas, se apoia uma reforma consistente de modernização da administração pública, tornando-a mais eficiente, menos consumidora de recursos públicos, reduzindo a despesa corrente, eliminando ou reconvertendo serviços redundantes, libertando recursos para o investimento público, visando a redução da carga fiscal e um ambiente mais favorável ao crescimento da economia e à criação de emprego, garantindo mais recursos para melhores políticas sociais.

A criação das Regiões Administrativas pode representar uma mudança na estratégia de resolução dos problemas da interioridade que estão na base do despovoamento e abandono do território, em particular se acompanhada de políticas nacionais específicas para as quais se exige compromisso político de longo prazo e de rotura com o ciclo de políticas que fraturou o país, conduzindo-o a uma situação insustentável.

 

 

Também em matéria de Interioridade os partidos deveriam adotar políticas claras, não ficarem por vagas declarações de intenções, assumirem que o Interior não é um fardo para o País, pelo contrário, o Interior tem a seu crédito o muito que ao longo da História de Portugal deu ao País, em recursos, em identidade e valores, continuando a ser um espaço de elevado potencial necessário ao crescimento da economia, à identidade e à coesão nacional.

A política nacional e regional de combate aos problemas da interioridade, deveriam incluir medidas como: o reconhecimento do Estatuto Jurídico da Interioridade, obrigando a que normas legais, decisões políticas e administrativas com impacto no território, fossem previamente avaliadas na perspetiva do combate às assimetrias regionais; uma política de incentivos fiscais à Interioridade, suficientemente diferenciadora, dirigida às empresas e aos cidadãos, em sede de IRC e IRS, a manter por NUT III, até que o rendimento médio atingisse um determinado valor do PIB pc da média nacional; uma agenda estratégica para a política de ordenamento e de investimento na agricultura e florestas visando o crescimento económico e a modernização e sustentabilidade das explorações familiares, assim como a renovação geracional; o reforço do Ensino Superior pelo aumento do número de alunos, pela qualidade e empregabilidade e pelo apoio aos centros de investigação, de inovação e de interface tecnológico; a criação ou transferência de alguns serviços públicos de âmbito nacional para o Interior; a aplicação diferenciada dos fundos da União Europeia como instrumento de combate às assimetrias, robustecendo as estratégias territoriais integradas, respondendo a prioridades e especificidades de cada território, reforçando a gestão regional e não a gestão centralizada; o reforço da cooperação transfronteiriça incidindo os apoios sobre os territórios das NUT III de fronteira, não a praticamente todo o país, tornando-a mais estratégica, dirigida a áreas temáticas específicas, assim como assegurar a conetividade fronteiriça em várias frentes, necessárias à cooperação avançada.

Ao nível da política regional, o desejável seria a existência de um poder regional legitimado pelo voto popular que lhe permitisse preencher o espaço da política regional e da coordenação das políticas sub-regionais, para assegurar à Região Norte a concretização de uma estratégia forte no âmbito da competitividade e da coesão, com crescimento económico acima da média nacional, utilizando o seu elevado potencial de recursos económicos e de conhecimento humano, assegurando eficiência e equidade no uso dos recursos, garantindo que a região deixaria de ser a mais pobre de Portugal.  

Na ausência de um governo regional, enquanto não se concretizar tal desígnio constitucional, a região não pode deixar de fortalecer a cooperação estratégica através das suas instituições mais relevantes, entender-se sobre o diagnóstico estratégico da região, tendo por base o melhor que tem sido alcançado em diversos domínios e que tem sido muito, acordar sobre as melhorias a introduzir, definindo prioridades e novas orientações que possam contribuir para a mudança, garantindo uma efetiva e positiva cooperação na construção de uma Agenda estratégica regional para a convergência, a competitividade e a coesão.

 

Para isso é essencial aprofundar a visão sobre o caminho a percorrer, não querer fazer tudo de novo, trabalhar sobre o que tem sido feito e resultados obtidos, mobilizar as melhores competências, não deixando ninguém para trás, enfrentar de mãos dadas os próximos desafios. A título de contributo refiro cinco temas de reflexão para uma agenda estratégica regional:

1 – Competitividade e internacionalização da economia – aumentar as exportações na gama dos bens e serviços de média a alta tecnologia, visto Portugal ser um país moderadamente inovador no contexto europeu;    

2 – Incluir como prioritários alguns temas como: a agenda demográfica e o despovoamento do Interior; as alterações climáticas e seu impacto no território rural e costeiro; a inovação digital, as cidades e territórios inteligentes; a energia e a transição energética; a sustentabilidade e a economia circular.

3 – Elaborar Plano Regional de Investimentos, que considere os investimentos previstos ou a incluir no Plano Nacional de Investimentos e os investimentos regionais complementares em infraestruturas essenciais á competitividade da economia, também as ligações fronteiriças e interconcelhias em falta, a rede ferroviária e aeroportuária e nas áreas prioritárias como a saúde, o ensino e formação profissional, os equipamentos sociais. 

4 – Incluir o tema do ordenamento e modernização da atividade agrícola e florestal e de um plano de investimentos específicos, que inclua entre outros investimentos, pequenas barragens e modernos regadios. As explorações familiares são a realidade predominante nesta região de minifúndio, asseguram o povoamento do território, a biodiversidade e qualidade ambiental, contribuem para a economia, para o combate às alterações climáticas, são uma das razões de ser da identidade e cultura do país. Portugal com o meio rural despovoado e abandonado não será o mesmo, será mais pobre e com futuro mais incerto.

5 – Reforçar a política de Cooperação externa – em particular com a Galiza e Castela a Leão, concretizada de forma estruturada, mais estratégica e dirigida a áreas temáticas específicas, com maior iniciativa regional.

É minha opinião de que a estratégia regional, planos de ação e seus resultados serão mais fortes se resultarem de propostas submetidas ao escrutínio popular. Para isso é necessária a criação de um novo nível de descentralização, a Região Administrativa, decidida de forma homogénea à escala de NUT II, com os seus órgãos políticos, competências, atribuições e meios financeiros proporcionais às responsabilidades, reforma inteligente e integrada entre os três níveis, o central, o regional e o local, eliminando redundâncias, apostando na modernização, na eficiência, na equidade e reforço do Estado para um melhor desenvolvimento.

A opção por uma solução gradualista de regionalização, como a eleição do Presidente das Comissões de Coordenação Regionais parece-me um erro, gerador de várias entropias. Por outro, às Comunidades Intermunicipais e Áreas Metropolitanas só pode ser reservado a opção de associativismo municipal de fins específicos ou múltiplos, com eleição dos órgãos pelos associados. As Comunidades intermunicipais e Áreas Metropolitanas não podem substituir as Regiões. Neste exercício seria oportuno ponderar os atuais limites das NUT III.

No plano de cidadania ativa, as Instituições e os cidadãos não podem deixar de se envolver neste debate e ter presentes preocupações de âmbito transversal à Região e seus territórios, refiro três que me parecem basilares: 1 – Visão estratégica – a Região não pode descurar a sua visão de futuro e a estratégia para o caminho a percorrer, compreender as razões de ser da mesma e como desenvolvê-la. Navegar à vista não é uma boa opção. Conciliar o passado com o presente e o futuro é um desafio inteligente que serve a presente e as próximas gerações; 2 – O Sistema de Formação e Ensino, do Básico ao Superior tem que assegurar elevada qualidade na formação e qualificação dos cidadãos. Os Centros de Investigação, Inovação tem que avançar na economia global, ao serviço da região. Melhores competências da força laboral devem proporcionar melhores remunerações, melhores condições sociais, o aumento da produtividade, da economia e do emprego; 3 – O bom governo das Instituições, públicas e privadas é parte essencial do progresso da Sociedade. Instituições bem geridas servem o bem comum, otimizam recursos de forma inteligente, sustentável e inclusiva. Instituições menos bem geridas quebram o esforço e o entusiasmo da comunidade, comprometem o futuro.  

Abril de 2019

António Jorge Nunes


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