Paulo Fidalgo

Paulo Fidalgo

Grandes penedos grandes sonhos

Para uns, o horizonte é o fim do mundo, para outros é uma linha onde começa a vontade de descobrir.

O horizonte da minha infância foi uma linha de serras que rodavam a aldeia por todos os lados, menos por um - por essa fenda no horizonte, interrupção na muralha montanhosa, passava a água da ribeira em direção ao Tua e fugiam também os sonhos rebeldes ao conformismo dos anos setenta do século passado.

Na maior parte das tardes da minha infância, foi nessa direção que olhei horas a fio, confundindo a cor do sol a pôr-se com as mensagens do mundo a chamar por mim e a querer-me andarilho de outros caminhos. 

Quanto mais se vive e quanto mais se viaja melhor se entende a marca da origem e a minha é claramente esta, um vale resguardado dos ventos e das surpresas, submerso no trabalho lento e contínuo da agricultura, mas também uma atração irrestível por subir a montanha e olhar o outro lado da realidade, vencer o obstáculo que a natureza interpôs entre a casa onde nasci e o Mundo onde queria viver.

Agora que os meus pés me pedem mais calma e tenho de considerar o futuro para além do meu próprio destino, volto ao vale de Freixiel com outro espírito, menos arrebatado por vencer as montanhas e mais satisfeito por elas lá estarem, na sua posição milenar, a demarcar o horizonte protector.

Continuo a subir essas serras de granito e xisto, cobertas com giestas e sobreiros, com o gosto de chegar ao cimo e ver mais longe, mas tenho de confessar que, acordar de manhã e constatar que lá estão os penedos conhecidos no seus lugares de sempre, é uma experiência de paz que faz cada vez mais sentido.

Não há dúvida que adotei Lisboa como Pátria de lavoura profissional, que chamo a Portugal a minha terra herdada pela História, mas é neste vale antiquíssimo, na margem esquerda do rio Tua, marcado por ocupações humanas milenares, que sinto o meu corpo pedir a terra que o há-de acolher.

É por este chamamento fundamental, que vem das sepulturas e das raízes do sangue, que vos digo: mais me quero entre penedos que entre calhaus com olhos.


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