Adelino Martins

Adelino Martins

Aventuras dum marujo dos confins de Trás-os-Montes) Segunda parte.

Em finais de março de 1964, 800 jovens vintões fomo-nos apresentando, durante uma semana, n’Armada em Lisboa. Levados pra Vila Franca de Xira. Aqui, agrupados em 9 companhias e tudo o mais arrumado, começou então a recruta, que durou três meses.

Durante este tempo, éramos 2ºs ‘grumetes recrutas’, e vencíamos 60Esc. por mês. Depois passámos pra 2ºs grumetes, e tínhamos direito a 120. Fomos levados prás adequadas unidades a fim de receber a instrução técnica elementar (ITE), que durou também 3 meses. Decorridos 18 meses, éramos subidos a 1ºs grumetes, com direito a 400Esc. Votando atrás, acabado o ITE passava-se a usar um distintivo num braço ou ombro, que indicava a especialidade. Ao fim de 18 meses era um de cada lado. Os distintivos indicavam as antiguidade e especialidade. Fui sempre um rebelde, infelizmente, um rebelde estúpido, na recruta levava tudo prá brincadeira, No ITE, que decorreu no navio-depósito “Santo André” onde ficávamos alojados e tínhamos as respetivas aulas ‘os manobras’, eu achei que não me seria útil na vida civil e como não estava a contar ficar na Marinha, eu enjoava a bordo, não liguei nada àquilo, aproveitando para estudar outras coisas que eu considerava de mais interesse depois de terminar a minha obrigação militar.

Ora, como os malandros geralmente têm sorte, logo a seguir ao ITE, embarquei no navio “João de Lisboa”, que se dedicava à hidrografia, passando a receber um subsídio pela hidrografia e o subsídio d’embarque permanentes que, somado tudo, 1º aos 120 e depois aos 400, recebia, em média,1750Esc. Mas isto, pra mim, só durou 23 meses. Custa apear dum cavalo jeitoso pra montar num burro manhoso! Quando apeei do cavalo, levei comigo 29 contos que, em 1966/7, já podiam fazer um pé-de-meia!

Um dia zarpámos de Lisboa, sempre com terra à vista, e fomos fundear ao largo de Portimão. O comandante, que era daquela zona, meteu 15 dias de férias; ficando o navio em serviços mínimos e, pra quem não estivesse escalado, era e foi o nosso hotel. Saíamos depois do pequeno-almoço e íamos em grupos prás praias na embarcação que fazia a ligação a terra, todos de farpela branca; pelo que só se viam gaivotas brancas por aquelas praias fora. Havia dois taxes hípicos em que os cavalos não tinham pernas a medir. As raparigas faziam filas pra acasalar com os marujos prós percursos! Tais hipomóveis, que eram de 6 lugares, andavam sempre cheios de marujos acasalados, três pares em cada um! Foram quinze dias de férias no Algarve inolvidáveis!!! A marujada arranjava namoradas e todas, embora por vezes, foram almoçar a bordo do navio. Um, que se chamava Tobias, deixou-se seduzir por uma, muito mais velha do que ele, que se apercebera que levava 20 mil esc. …. Foram, não se sabe pra onde e só voltou à praia quando ficou liso, que só precisou de sábado e domingo (até ao meio-dia)! Levava mais de três anos no navio e, como era sapateiro na vida civil, estava dispensado dos serviços gerais, pra fazer concertos de sapataria; por isso, ainda ia recebendo mais uns trocados por fora. Assim, como era poupado, juntava dinheiro. Teve sorte por só ter levado aquele, senão lá ia tudo pró bolso da madura e sabida oportunista! Depois, como geralmente acontece com gente nova junta, a bordo a malta gozava com ele, mas como costumava ficar sempre manso, acabou-se logo com a brincadeira!…

Também arranjei ali uma namorada, que era de Ferragudo, e, durante 4 ou 5 dias andei quase sempre com ela, era muito bonita em tudo – com um corpinho de ‘cera’, aparentando18/20 anos. Perguntada, respondera-me que já tinha feito 18. Assim, como não fiquei com qualquer dúvida, acreditei logo; todavia, quando soube que tinha catorze e meio, falei com ela e fiz-lhe ver que devia esperar mais uns anos pra, então sim, pensar em namorar com alguém que ela gostasse. Porém, ato continuo, agarrou-se a mim a chorar copiosamente, entre dizendo “esse alguém és tu ou então não será mais ninguém!” Se me comoveu? Claro que sim! e de tal maneira que tive muitas dificuldades em não chorar; contudo, duas lágrimas não as consegui evitar! A partir daquele momento, eu passei a amar aquela criatura despretensiosamente, como era meu dever, como uma irmã de tenra idade! Já tínhamos trocado os endereços e ela passou a escrever-me cartas a que eu respondia sempre. Fui fazendo com que me fosse olvidando, dando-lhe os conselhos que daria a uma irmã da sua idade, que de facto era o que ela significava pra mim….

Entretanto o navio levantou ferro e, pra continuar o seu trabalho, rumou para sul e, subindo o Guadiana, foi atracar a um pontão em Alcoutim. Quando saíamos de licença, íamos todos pró lado espanhol. As espanholas ficaram todas maluquinhas com tanta fartura de marujada. É provável que, a maior parte delas, nunca tivesse visto um marujo tão perto e em carne e osso. Com os idiomas parecidos, lá nos íamos entendendo, aliás, eu estava na minha quinta porque o espanhol, pra mim, não tinha segredos. Aqui ficava a ganhar, pois podia escolher, porém não escolhia nada: eu gostava de todas e, humanamente e à minha maneira, dedicava-me àquelas menos jeitosas que iam ficando para trás, pra lhes dar algum conforto, dizendo-lhes que tinha namorada, mesmo não a tendo, mas que podíamos ficar bons amigos. Não seria isso que elas queriam, contudo seria melhor do que nada. Trocadas cartas, aquelas em que m’apercebia que só queriam mesmo o namoro, eu desenganava-as, dizendo-lhes que só lhes poderia dar amizade sincera e despretensiosa, o que era verdade. Uma disse-me mais ou menos isto: Adélino, los ojos son las ventanas del corazón. Não podia estar mais d’acordo com ela e disse-lhe que, se eu andasse à procura duma mulher pra casar comigo, seria ela efetivamente, mas que ainda não estava a pensar nisso, nem sequer tinha condições pra tal. Eu, por essas alturas, tinha (3+3+2 meses de Marinha. Naquele momento era convicção minha e, se fosse o caso, era capaz de me casar com ela. Ela era 3 ou 4 anos mais velha do que eu – e talvez fosse por isso mesmo…. Sempre gostei de brincar, todavia nunca seria capaz de m’aproveitar das fragilidades d’alguéns! Antes pelo contrário, pois apreciava mais a beldade interior…. Sempre me pus no lugar dos outros e, modéstia ou ostentação à parte, cada vez mais o faço!

Passado pouco tempo, o navio foi a Inglaterra, em missão hidrográfica, tendo atracado a um cais na HMNB Portsmouth. Quando nos preparávamos para sair de licença a 1ª vez, o sapateiro juntou-se a um colega que dizia falar bem inglês. Pelo que, dadas por ali umas voltas e sentados numa esplanada dum café, decidiram tomar uma cerveja cada um. Pró efeito, abordados pelo empregado, que lhes deve ter perguntado “and for you? ou what do you wish to have? ou coisa parecida. O sapateiro disse logo pró Abílio: “pra mim vai ser uma cerveja”. Então este disse e repetiu pró waiter: ‘pliouse tuas brias’ / “sorry but I don’t understand you at all” ‘já te disse! duas cervejas, uma pra mim e outra pró meu amigo Tobias. “Ah! two beers, I see! that’s all right! I must tell you speak Enllish very well”, disse-lhe o empregado em claro gozo. Bebidas e pagas as cervejas, regressaram a bordo. Aqui, no dia seguinte, o Abílio disse pró Sapateiro: – diz aqui a eles quem é que se desenrasca bem em inglês! “És tu, pois claro, mas se eu não me chamasse Tobias, to bebias era mijo de cavalo”! Fora eu que lhe ensaiara a resposta ao sapateiro, por já conhecer bem o Abílio; pelo que, repentino, o nosso Tobias repetiu ali tudo direitinho.

Dali, o navio zarpou rumo as Açores e à Madeira, mas já não me lembro em qual dos arquipélagos se passou: Estávamos atracados ao cais, tínhamos chegado no dia anterior pelo fim da tarde. No dia seguinte, logo pela manhã, o 1º sargento Mateus, foi de licença sozinho a fim de passar o dia com uns amigos que no dia seguinte regressariam ao Canadá; mas quando ia a caminho, a pé, ouviu: ‘Anda meu sargento, manhoso duma figa, que te vou foder o canastro com este pau’ e, ato continuo, batia com o pau no chão. A voz era forte e agressiva; olhou atrás e viu um matulão de cerca de 30 anos com um burrito, um pau comprido na mão e todo zangado!… O Mateus, cheio de medo, acelerou o passo e, mudando de caminho, regressou ao navio todo nervoso, pedindo ao imediato permissão pra sair à civil, para não ser reconhecido como sargento, contando-lhe o sucedido. O imediato autorizou-o logo, mas depois mandou chamar um praça natural da ilha, que lhe disse que ali aos burros lhes costumavam chamar ‘sargentos’. Depois o 1º Sargento Mateus, que era algarvio, ficou todo encavacado, dando aso a chacota entre oficiais, sargentos e praças – separados pelo código de disciplina militar!

Estando o “João de Lisboa”, agora já fundeado no quadro dos navios guerra, no Tejo, os praças estávamos na formatura para ir de licença na embarcação que nos levaria a terra. O oficial de serviço era o 1º tenente Sameiro, que era miudinho: quando nos fazia a revista e chegou atrás de mim disse-me “não tens outras calças?” ‘tenho, Sr. Tenente’, “então vai-as vestir”. Saí da formatura e fui. Demorei o tempo que levaria a despir e vestir as calças e que a formatura se desfizesse, que foi rápido. E, vestido conforme estava na formatura, fui-me apresentar a ele à câmara dos oficiais. À porta, ‘dá-me licença Sr. Tenente’? Mandou-me entrar, levantando-se logo e veio ter comigo; dou-me uma olhadela e disse-me “Estás a ver, estás muito melhor assim!

Porque não trouxeste logo essas?



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