Henrique Ferreira

Henrique Ferreira

42 anos de Abril, 40 anos de constituição e de democracia:

Quarenta e dois anos de Abril, 40 anos de constituição e de democracia: da democracia directa totalitária à democracia liberal-social

 

Intervenção na sessão evocativa do 25 de Abril (Assembleia Municipal de Bragança, 25 de Abril de 2016)

 

Ex-mo Senhor Presidente da Assembleia Municipal

Senhor Secretário da Assembleia

Senhor Presidente da Câmara

Senhora e Senhores Vereadores

Senhoras e senhores convidados

Senhoras e senhores anfitriões, Deputadas e deputados municipais e presidentas e presidentes de junta de freguesia e de uniões de Freguesia

Minhas senhoras e meus senhores

Senhoras e senhores jornalistas

 

Antes de mais, permitam-me evocar três pessoas naturais do Conselho de Bragança directamente ligadas aos actos constitutivos da democracia, entre 1974 e 1976. Refiro-me aos então capitães Fernando Freixo, hoje Coronel, Manuel Apolinário, hoje General, e ao Dr. Eleutério Alves.

Fernando Freixo foi o responsável pelas operações do MFA, em Bragança, no 25 de Abril. Manuel Apolinário foi-o em Lamego, no Porto e em Lisboa, aqui de Junho de 1974 a Novembro de 1976. Foi, juntamente com Salgueiro Maia e Jaime Neves o Militar da garantia do Regime Democrático.

Eleutério Alves participou nos trabalhos da Constituinte e pode testemunhar as suas dificuldades.

 

 

Evocamos hoje o «25 de Abril de 1974», o início de uma revolução política e social que criou as condições para a democratização da sociedade portuguesa e para a consolidação do Estado Social. O caminho para esta democratização foi perturbado e condicionado entre 30 de Setembro de 1974 e 25 de Novembro de 1975 por militares e civis alinhados com a Extrema-Esquerda.

Este ano evocamos o 25 de Abril com a particularidade de comemorarmos os 40 anos da Constituição e do Regime Democrático, aprovada aquela em 2 de Abril e iniciado este em 25 de Abril de 1976.

Convém lembrar que, se não tivesse havido 25 de Novembro de 1975, talvez a constituição não tivesse sido nem elaborada nem aprovada pese embora a coragem dos deputados à Assembleia Constituinte, eleitos à revelia da extrema-esquerda e do Partido Comunista de então, em 25 de Abril de 1975, o dia da democracia para a maior parte dos portugueses, dos quais 90% nunca tinham podido votar antes.

A Esquerda, na Constituinte, e a Extrema-Esquerda, na rua, conseguiram que fosse votada e aprovada uma constituição de orientação marxista, votada favoravelmente pelo PCP, pelo PS e pelo PSD. Só o CDS votou contra sob o argumento de a Constituição ser contrária à estrutura económica, social e cultural da nação portuguesa.

O futuro, próximo e médio, daria razão ao CDS e tanto o PS quanto o PSD trataram de se lhe aproximar. Mário Soares mandou meter o socialismo na gaveta logo em 1976 e Sá Carneiro e Mota Pinto trataram de criar as condições para abolir a orientação marxista da Constituição, o que só foi feito na revisão de 1982, pela supressão de expressões como «sociedade orientada para o socialismo» e «sociedade sem classes». Neste ano, termina a tutela militar do regime e nasce o Tribunal Constitucional. Formalmente, o regime democrático, na forma social-democrata, só começou com esta revisão. Na realidade, o que nós tivemos entre 1976 e 1986 foi social-democracia e tivemos liberalismo social, desde 1986, com a entrada ma Comunidade Económica Europeia, mesmo antes da revisão de 1989, orientada para o liberalismo.

Formalmente, a revisão de 1989 mudou a natureza do regime democrático. Na sequência desta revisão, a democracia portuguesa passou a democracia liberal social, com alguns sedimentos de socialismo, de social-democracia e quase 70% de liberalismo. Da Constituição de 1976 resta apenas 10% do texto. O resto foi sendo alterado nas diferentes sete revisões, sobretudo na de 1989.

Seguiu-se a revisão de 1992 para adaptar a Constituição ao Tratado de Maastricht e alienar parte da soberania nacional. A revisão de 1997 permitiu melhorar algumas formas de democracia como a criação do referendo em algumas matérias, a petição popular e a possibilidade de independentes se organizarem em candidaturas às eleições autárquicas. Porém, só quatro anos depois a lei pôs em prática esta última possibilidade. A revisão de 2002 adaptou Portugal ao sistema monetário europeu e tratou de alienar o que restava da soberania. Reconheceu a impotência de Portugal como nação soberana transformando-o em protectorado da União Europeia e objecto de compra a retalho por terceiros. As revisões da Constituição terminaram em 2004 e 2005, com a introdução de orientações derivadas da concretização do Tratado de Lisboa (2000), com a introdução do referendo sobre questões europeias e a dispensa de referendo em matéria de tratados internacionais.

Como recentemente declarou Marcelo Rebelo de Sousa a Constituição nunca foi obstáculo para os políticos fazerem o seu trabalho bem feito mas os políticos sempre puderam fazer uma má constituição. E sempre que a violaram em matéria que não fosse o vencimento ou os direitos individuais, nunca os portugueses reclamaram. Aconteceu assim com o fim dos governos civis sem regionalização.

Mas, desde 1989, a realidade do liberalismo económico permitiu que os mais fortes pudessem, de novo, dominar os mais fracos. A queda do Muro de Berlim derramou ouro sobre esta nova realidade, abrindo espaço livre e sem contraditório a uma nova dominação do homem pelo homem, instituindo um período histórico em que dos três elementos da dialéctica hegeliana e dos materialismos dialéctico e histórico só ficou um – a tese, a qual nos conduziu às crises de 1993-95 e de 2008 até aos nossos dias. Até Francis Fukuyama se deixou iludir pelo triunfo final e definitivo de neoliberalismo. Como é possível?!

O resultado?: constituição desrespeitada, país mais retalhado em 22 CIM contra 18 antigos distritos (razão tinha o PCP) e autarquias municipais e locais menos fortes. Se tivessem perguntado ao autor da ideia se percebia que o resultado final iria ser este, ele teria respondido que não, que não e que não, mesmo que o galo cantasse três vezes. No entanto, só ele não percebeu que o galo iria cantar e que o Poder Central ficaria mais forte, mais manipulador e mais despotista.

Graças à força de parte dos actores do poder local – os autarcas municipais e de freguesia – a constituição nunca foi revista na parte que lhes respeita. As autarquias municipais e de freguesia são a ideia mais pura que ainda resta da Constituição de 1976. Evidenciam que o poder, quando exercido mais próximo dos cidadãos e quando escrutinado pelos cidadãos, gera mais paz, mais confiança e mais democracia. Mas só em Janeiro de 1979, no governo de Carlos Mota Pinto (IV Governo Constitucional, de mediação presidencial) chegou a carta de alforria municipal – Lei das Finanças Locais. As freguesias tiveram de esperar por 1997 e por António Guterres para terem direito de cidadania. Mesmo assim, em 1998, o FEF municipal do município de Bragança era apenas de 1,438.000 de contos, que, transformados em euros e exponenciados a 47% de inflação dá (7190*147%=10,569 milhões de euros) e o das freguesias era de 83.400 de contos (417.000*147% de inflacção = 613.000 euros). Para 2016, o OE prevê transferências, respectivamente, de 14,076 milhões e de 1,411milhões

A acção das autarquias municipais e de freguesia demonstra que o Poder Local é um poder virtuoso, eficiente e eficaz pois que, com apenas 8,3% dos dinheiros públicos, as autarquias locais desenvolvem 50% do investimento público e só contribuem para 3% do endividamento do Estado.

Quarenta e dois anos depois do 25 de Abril temos esta esperança de democratizar a democracia, a exemplo do Poder Local. A assistência social, a saúde, a educação e o poder local foram as maiores conquistas do tempo de Abril mas a democracia representativa centralizada deixa muito a desejar. Exige regressar aos ideais social-democráticos de Abril e de 1982. É por eles que estamos aqui e com eles construiremos certamente uma sociedade mais rica, mais democrática, mais inclusora, mais justa e mais positivamente discriminadora.

Viva Portugal! Viva Abril! Viva a democracia! Viva o Poder Local.

Pelo Movimento Sempre Presente,

Henrique da Costa Ferreira


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