Jorge Nunes

Jorge Nunes

Abril de 1974 e Interioridade

Comemoramos Abril de 1974, data histórica que restituiu aos portugueses, a liberdade e a esperança de um futuro melhor, com mais desenvolvimento e justiça social. Foram empolgantes os primeiros momentos da revolução dos cravos, na procura de liberdade, de igualdade, de justiça social, tempos em que a generosidade e a inteligência se cruzaram para escrever novas páginas da História de Portugal.

Fazer a transição de regime, assegurar orientações democráticas para a nova arquitetura do Estado, exigiu clarificações, algumas feitas em clima de elevada tensão social e política. Abriu-se um novo ciclo político, o poder foi devolvido aos cidadãos que, em liberdade, através do voto conferiram aos seus representantes, a responsabilidade da consolidação das liberdades cívicas e políticas, da construção do Estado democrático e suas instituições, tendo como referencial geopolítico as democracias europeias.

Abril de 1974 parece ter sido ontem, apesar de ter ocorrido há quase meio século. Temos presente a intensidade da fase inicial deste percurso, com a população nas ruas, mobilizada pelas forças partidárias e sindicais, na procura de conquistas e direitos designadamente sociais, a forte participação nos atos eleitorais, considerados como a festa da democracia, até chegar ao tempo presente em que, alguns excessos e afastamento de princípios de boa governação das instituições, de desvalorização da cidadania e do escrutínio por parte cidadãos, nos confronta com a perda de confiança nas instituições e nos partidos, situação que não é exclusivo de Portugal, em alguns dos países europeus emergem partidos e movimentos populistas, resultando populistas que poem em causa valores e o projeto europeu. Em Portugal, apesar das dificuldades, há estabilidade no sistema partidário, os partidos tem sido capazes de conferir estabilidade e segurança ao regime democrático.

Neste dia, não podemos deixar de evidenciar uma das principais conquistas de abril, o Poder Local Democrático, que de forma gradual tem vindo a consolidar a sua autonomia política, administrativa e financeira, deixando para trás o seu anterior estatuto de mera extensão do Estado Central. O Poder Local tem sido um dos pilares da modernização e desenvolvimento do país. A estabilidade do governo das autarquias, a proximidade aos problemas dos cidadãos, a facilidade de escrutínio sobre as prioridades e decisões tomadas, contribuíram para que os eleitos nas autarquias tenham assumido as soluções de governo e a resolução dos problemas para lá do curto prazo, assegurando maior continuidade de políticas.

O Poder Local promoveu a cidadania, construiu infraestruturas ambientais, concluiu a eletrificação rural e urbana, requalificou urbanisticamente as aldeias, vilas e cidades, lançou as bases do planeamento local no sentido de assegurar melhor crescimento urbano, maior sustentabilidade na utilização dos recursos, construiu equipamentos educativos, culturais, sociais, desportivos e de lazer, reforçou as infraestruturas de abastecimento público, desenvolveu o transporte público, a limpeza urbana, apoiou a economia e o emprego. A confiança dos cidadãos nas autarquias e a aceitação por parte do Governo Central do princípio da subsidiariedade, tem vindo a permitir ao poder local substituiu-se ao poder central em áreas essenciais à qualidade de vida e bem-estar dos portugueses.

 

 O Poder Local é uma marca forte da revolução de abril, se é verdade que não tem corrido tudo bem, é certo que as autarquias tem sido uma âncora da democracia, recebem uma pequena parte dos impostos cobrados aos cidadãos e empresas, são responsáveis por uma parte muito significativa do investimento público e apesar disso, só são responsáveis por 2,5% da pesada divida pública que condiciona o presente e o futuro dos portugueses, ao contrário, a administração central e as empresas públicas são responsáveis por 97,5% da divida pública. Visto de forma agregada, pode dizer-se que o excesso de despesa pública e os grandes erros de gestão de dinheiros públicos não estão nas autarquias.   

Em geral, no conjunto da administração pública e nos vários setores de atividade económica e social, registamos importantes êxitos e decisões que contribuíram para o país moderno que somos. Quem nos visita fala bem de nós, da atratividade do país, do património natural e cultural, das infraestruturas que temos, dos serviços de qualidade, da segurança no país, da forma de bem receber da nação mais antiga da Europa, com a fronteira continental mais estável, praticamente inalterada desde o século XIII.

O que de melhor podemos apresentar no Bilhete de Identidade do país é o trabalho de todas as gerações, legado que temos de continuar, mesmo que o caminho seja estreito e com obstáculos, é o nosso caminho de oportunidade, ao fazê-lo estamos a honrar o esforço de gerações que aqui nos trouxeram, a rasgar fronteiras de conhecimento e de oportunidade para as gerações vindouras. Alguns dos obstáculos que temos de vencer, tem muito a ver com os problemas do centralismo excessivo que nos conduziu à presente situação de despovoamento do Interior, de abandono dos campos e na última década e meia conduziu o país a um empobrecimento relativo, no quadro da União Europeia.

A falta de visão integrada de desenvolvimento para o país no seu todo levou a que, de forma progressiva, vários governos, a maioria agindo em ciclos de governação muito curtos, uns com uns pretextos, outros com outros, tivessem seguido uma orientação de extinção e de esvaziamento progressivo de serviços públicos, escolas, centros de saúde, serviços de finanças, estações de correio, serviços públicos de transporte rodoviário e ferroviário, de encerramento ou esvaziamento da generalidade dos serviços desconcentrados da região Norte.

Nas últimas décadas a presença do Estado no Interior foi diminuindo, tem-se assistido como que a uma espécie de despovoamento programado dos territórios do Interior, tendo como resultado a concentração em Lisboa, dos centros de poder político e administrativo e do conhecimento e no litoral, de 70% da população, de quatro quintos da economia, de 85% dos alunos do ensino superior e de 93% das dormidas turísticas. O resultado não é positivo, as desigualdades territoriais tem-se acentuado.

Comemorar abril é exaltar as conquistas da democracia, ao mesmo tempo, garantir o aprofundamento da democracia, da cidadania, do bem-estar para todos, sem hipotecar a capacidade de decisão das próximas gerações e a sustentabilidade de vida no planeta. Como cidadãos temos a liberdade de pensar o melhor para cada um de nós, temos como primeiro dever, pensar o interesse comum, aquele que nos dá segurança, confiança e sentido de comunidade, é o interesse comum que faz a nossa terra progredir, ganhar laços de solidariedade, sentido de entreajuda, adquirir bem-estar para a comunidade em geral.

Para isso devemos unir esforços de forma inteligente e solidária, entre pessoas e instituições, na comunidade local e no país, sem deixar de dizer de forma clara, que os Transmontanos ao longo de séculos tem, desde o início da nacionalidade, dado ao país o seu melhor em recursos materiais e em pessoas, sem reciprocidade em termos da solidariedade nacional devida, e por isso continuamos a afirmar ser credores de uma divida histórica junto do Estado português cuja resolução não é compatível com o estado de despovoamento e de abandono a que o Interior chegou. Situação que resulta das políticas nacionais que não tem favorecido as condições de vida digna no mundo rural, a instrução e qualificação das pessoas, a modernização e viabilização das explorações agrícolas e florestais de escala familiar, a qualificação e modernização em geral das atividades económicas no Interior. 

Os transmontanos conhecem bem o peso da interioridade, sabem por experiência própria o que significa a ação centralizadora de esvaziamento das periferias, sabem quais os efeitos da emigração dos campos para a cidades do litoral e para países mais desenvolvidos. É verdade que os portugueses, apesar do seu número reduzido, foram pioneiros na globalização, abrindo caminhos nunca antes percorridos, partir à aventura é da sua natureza, por isso a língua portuguesa é a 5.ª mais falada no mundo.

Em vários ciclos da história do país, a emigração foi incentivada para assegurar a expansão em novos mundos, para o desenvolvimento e defesa de territórios conquistados, também, em determinados momentos para fugir á fome, à falta de trabalho, tentando outros destinos, outros países procurando uma vida melhor. Refiro o período de 1957 a 1974 em que, de Portugal emigraram para França 901 mil portugueses, mais de metade de forma clandestina, todos á procura de um futuro melhor. Os Transmontanos sabem bem o que isso significa, quer os que ficaram quer os que partiram e apesar das fragilidades que esses momentos representam, não perderam a autoestima, o orgulho das suas raízes, da sua história e identidade, dos valores que herdamos, no caracter, no trabalho, na integridade e no respeito.   

Como sempre, não podemos resignar-nos, temos trabalho a fazer, desafios a vencer, reclamamos, em nome dos ideais de abril, o direito ao desenvolvimento, à equidade e á coesão entre regiões. Temos que lutar por um novo modelo de desenvolvimento, de combate ao despovoamento e abandono dos campos, apoiado no conhecimento, na inovação, nas tecnologias limpas, na competitividade, na produção de bens e serviços transacionáveis, no exercício pleno da cidadania, com políticas nacionais de incidência regional e que traduzam de forma expressiva a solidariedade nacional que tem faltado.

Conhecer a realidade presente, tanto no que tem de bom, como no menos positivo, é um exercício de conhecimento e de cidadania, necessário à tomada de decisões que nos orientem nos caminhos do futuro. Se analisarmos alguns dados para o conjunto dos municípios da CIM Terras de Trás-os-Montes, como a evolução da população, das empresas, do emprego de entre outros, nos últimos 15 anos, verificamos que as fragilidades são elevadas, grandes os desafios.

A população do conjunto dos municípios de Terras de Trás-os-Montes, em década e meia diminuiu 17 560 pessoas, valor superior à população atual do conjunto dos concelhos de Alfândega da Fé, Vimioso e Vila Flor;

O número de empresas no conjunto dos concelhos diminuiu em 2394 empresas, correspondendo a 8,1% do total;

O emprego ao serviço das empresas, considerando todos os setores de atividade, diminuiu 10 550 empregos, atingindo a generalidade dos setores de atividade económica, com exceção da indústria transformadora que cresceu, e do setor da saúde que mantém o emprego;

Ao nível da produtividade, Terras de Trás-os-Montes regista uma tendência de decréscimo face à média regional, ocupando a 19.ª posição no conjunto das 23 NUT III do País;

Em termos de PIB per capita, no período de 2000 a 2011, Terras de Trás-os-Montes convergiu 15,4 pontos percentuais com a Região Norte, o que lhe permitiu atingir, no ano de 2011, a segunda melhor posição atrás da Área Metropolitana do Porto, 2,3 pontos percentuais abaixo da média regional. Nos cinco anos seguintes o crescimento tem sido residual, resultado da crise económica e financeira, em termos comparativos baixou da 2.ª para a 4.ª posição, 6 pontos percentuais abaixo da média regional, tendo sido ultrapassada pelas NUT III do Cávado e do Ave. Esta situação é mais preocupante se considerarmos que regiões do Interior, em forte declínio demográfico, como é o caso de Terras de Trás-os-Montes, o crescimento do PIB per capita é feito maioritariamente por uma razão menos boa, a redução da população.

É certo que temos alguns ativos importantes para ajudar a enfrentar as graves dificuldades associadas ao despovoamento, como melhores acessibilidades, melhores infraestruturas, melhores vilas e cidades, instituições mais qualificadas, centros de competências de que antes não dispúnhamos, uma maior abertura das empresas para os mercados externos, resultado de atitude mais empreendedora e inovadora de alguns empresários, situação que não nos desobriga de um esforço adicional para intervir prioritariamente no que é essencial, fazer crescer a economia da região e o número de empregos, fixar jovens qualificados e melhor remunerados, para enfrentar os problemas atuais da demografia.

A NUT III Terras de Trás-os-Montes que representava no ano de 2016, no contexto da Região Norte, 20,54% do território; 3,05% da população; 2,9% da riqueza criada e 3,3% do emprego, tem que por de pé uma agenda estratégica de desenvolvimento robusta, que lhe permita ganhar peso relativo em termos regionais, ao nível da criação de riqueza e de emprego, a sua principal prioridade, em todos os setores de atividade, não descurando a agricultura e florestas, e com essa agenda retomar a rota de convergência com a Região Norte, colocando como objetivo superar a média regional da qual já esteve muito próximo. 

O Nordeste Transmontano tem, no contexto do País e da Região Norte, um conjunto de especificidades identitárias, culturais, patrimoniais e de recursos económicos que exigem uma visão de desenvolvimento estratégico construída em forte cooperação entre atores do território, envolvimento dos cidadãos e suficiente conhecimento ligado às oportunidades e fragilidades territoriais, tem por direito próprio que ganhar voz, conquistar a solidariedade do país para vencer, neste ciclo de enfraquecimento que tem que ser revertido para um futuro de esperança.

Viva o 25 de abril

Viva Portugal

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25 de abril de 2018 

António Jorge Nunes


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