Chegou recentemente às bancas o número inaugural da Loa, uma revista dedicada às regiões de Trás-os-Montes e do Douro. Tomei conhecimento desta publicação através do Semanário Transmontano e, pelo que fora dito na sessão de apresentação, pareceu-me um projecto sério e ambicioso, razões suficientes para me fazerem procurar um exemplar. Não sem alguma dificuldade (o circuito de distribuição não estará porventura ainda afinado), encontrei um quiosque que tinha a revista à venda, que logo adquiri.
O aspecto geral da revista agrada, mas quando se atenta aos pormenores (serão mesmo menores?), a coisa começa a afigurar-se de forma diversa. Não me interpretem mal: em termos gerais a revista tem alguma qualidade (e ainda poderá, e certamente irá, melhorar muito), mas existe uma diferença enorme entre aquilo a que se propõem (expresso nas entrevistas dadas e no editorial do número um) e aquilo que realmente apresentam. E, conforme adiante se exporá, algumas das diferenças não são apenas qualitativas ou quantitativas, mas de linha editorial efectiva, o que muito mais dificilmente será corrigido nos números que se seguirão.
Se não vejamos: no editorial de Fernando Cepeda, justifica-se o título da revista com a definição que o Abade de Baçal dá da palavra “loas”: «comédias ou colóquios, espécie de revista do ano que consta da aparição irónica, sarcástica e mordente, e muitas vezes dos acontecimentos ridículos ou como tais apreciados». Esperava por isso uma abordagem informal dos assuntos, heterodoxa mesmo, com frequente recurso ao humor como forma de denúncia desta nossa «sociedade cada vez mais adormecida pela lógica do poder instalado» (palavras do director da Loa) — algo na linha do que o Eito Fora (jornal/revista de que sou colaborador) vem fazendo, solitariamente, desde 1998. Mas esta promessa de “companhia” desvaneceu-se logo após uma rápida leitura da revista, a que se seguiu uma leitura cuidada, de confirmação do diagnóstico. De facto, apenas na rubrica “Loas sem ficção” se verifica um tal tom de discurso; no restante da revista o espírito é diverso, com aspectos positivos e negativos.
Comecemos pelos aspectos mais negativos, de forma a acabarmos em beleza.
Em primeiro lugar, falta bastante substância à revista, embora as fotografias e as ilustrações disfarcem um pouco esse facto. Os exemplos mais flagrantes são a entrevista ao bispo de Bragança-Miranda e a “Grande Reportagem”.
A entrevista, que sendo tema de capa tinha responsabilidades acrescidas, é uma sucessão (pequena) de insignificâncias: fala-se pouco e, do que se fala, pouco se diz e nada se aproveita para ilustração de quem lê. Aprende-se mais com uma entrevista da TV Guia. Também, diga-se em abono da verdade, tirando as fotografias e o texto de introdução, a coisa fica-se por três quartos de página. Manifestamente pouco para questões de fundo — ainda menos face ao protagonismo de ser tema em destaque.
Do mesmo mal padece a “Grande Reportagem” (sobre a navegabilidade do Douro), que de grande só tem o nome. Mais uma vez, descontando as fotografias (que enchem o olho, mas não chegam), o material escrito resume-se a pouco menos de página e meia.
Mais espaço é o dedicado à rubrica “‘Loas’ sociais”, versão transmontana da Caras. Inclassificável, quanto a mim — embora compreenda os objectivos que subjazem à sua criação. Para piorar tudo, as fotos dos “notáveis” são servidas quase a seco, apenas uma legenda mínima. (Que é da crítica social que caracteriza as loas?)
Por fim (e para não me alongar), a questão do grafismo, anunciada como uma das principais mais-valias da revista. Para quem conseguir ver para lá das imagens a cores e do papel brilhante, o que ressalta é um grafismo sem imaginação, ao estilo de certas revistas “institucionais” como a da Ordem dos Engenheiros, a Ingenium (sem arte...). Para além de questões mais miudinhas, que não vale a pena abordar aqui, temos ainda uma paginação pouco cuidada, que denota falhas na organização dos temas publicados. Apenas dois exemplos ilustrativos, entre outros possíveis: a inclusão de uma “sugestão de música” (estrangeira) nas páginas dedicadas às actualidades regionais, e a divisão de um artigo sobre a PSP e a GNR por duas meias páginas. Parece-me que aos editores falta perceber que há uma grande diferença entre “qualidade gráfica” (que há) e “grafismo de qualidade”...
Mas, como disse antes, nem tudo é mau na Loa.
Em primeiro lugar, a revista faz boa figura na sala de espera de um consultório médico ou escritório de advocacia — (é certamente preferível à Nova Gente ou à Bola) —, pelo menos até que a leiamos e comprovemos a sua falta de profundidade. Tem também público assegurado entre os autarcas.
Quanto ao conteúdo propriamente dito, com algumas ressalvas, os textos de opinião, economia e política têm qualidade, e as rubricas “Rotas e Destinos” e “Ambiente” (a que se soma a já referida “Grande Reportagem”) têm bastantes potencialidades, não totalmente exploradas neste número inaugural. Diria mesmo que estas três secções deveriam tornar-se a coluna vertebral da revista, cujo corpo redactorial não parece fadado para as “loas” (excepto, talvez, as literais — que querem dizer “elogios, louvores”).
Se isso for feito, se se assumir como uma revista cujo objectivo é criar uma imagem (e uma auto-imagem) positiva de Trás-os-Montes e do Douro (acabar com o estereótipo transmontano da “velhinha à porta de casa, com burro ao fundo e bosta por todo o lado”), então a Loa tem garantida a qualidade e a coerência editorial — que é o que lhe falta, porque, a julgar pelas 27 páginas de publicidade num total de 68, a sobrevivência económica está assegurada.

Fernando Gouveia - [email protected]



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