Portugueses enganados e explorados

Fome, maus tratos e muita fadiga. São estas algumas das situações vividas por quem se aventura no trabalho sazonal em Espanha, fora dos circuitos legais de recrutamento.
Enganados muitas vezes por angariadores de mão de obra mal intencionados, diversos cidadãos de Bragança já chegaram a trabalhar mais de 12 horas por dia nas vindimas espanholas. Quando regressaram não trouxeram as pesetas prometidas em Portugal. Alguns deles ainda chegaram à terra natal com dívidas, o que os obrigou a regressar no ano seguinte para liquidar os débitos com o angariador da altura.

Imagine que lhe prometem cinco mil pesetas por dia para trabalhar na vindimas, em Espanha, mas quando lá chega recebe apenas 2.500 pesetas e ainda tem de suportar um trabalho diário de 12 horas, dormir numa camarata sem privacidade e comer “o pão que o Diabo amassou”. Pode parecer um pesadelo, mas foi precisamente isto que aconteceu a Z.A., de 28 anos, quando aceitou abandonar Bragança para trabalhar numas vindimas em Navarra (Espanha). O jovem prefere manter o anonimato, pois garante que se os angariadores souberem que denunciou o caso “podem vir buscar-me e darem cabo de mim”.
Quando embarcou numa carrinha de 9 lugares, juntamente com 15 portugueses, estava longe de imaginar que ia passar um mês e meio de martírio em terras espanholas, apesar do desconforto que sentiu durante uma viagem de cerca de 700 quilómetros. “Íamos uns em cima dos outros e daqui a Navarra não é nada perto”, recorda Z.A. O pior, porém, ainda estava para vir. Já em Espanha tinha de acordar às 6 da manhã para ir para o campo, regressando à camarata apenas às 20 horas. Intervalo para almoço à parte, a jornada de trabalho nunca se ficava por menos de 12 horas. A tudo isto há que juntar refeições pouco dignas desse nome, alegadas agressões da parte dos “capatazes” das explorações agrícolas e impedimentos de vária ordem, que não deixam ninguém regressar a Portugal antes da vindima estar terminada. “Havia almoços em que serviam um frango e dois quilos de esparguete para 15 pessoas”, garante A.G., 32 anos, outro dos ex-trabalhadores que quis denunciar estas situações ao DTOM. Acresce que todos aqueles que se sentiram enganados dificilmente conseguiram regressar a Portugal, antes do serviço estar concluído. “Não nos deixavam partir. Uma vez consegui abandonar uma quinta no País Basco mas tive de fugir durante a noite”, relembra A.G., acrescentando que os “capatazes” e os angariadores não hesitam “em agredir quem quiser ir embora ou quem for apanhado a fugir”.

Angariação

A história destes dois homens é igual à de outros portugueses que, aliciados pelas pesetas, partiram de armas e bagagens para campos espanhóis e franceses. Em Bragança, o trabalho de recrutamento é feito por angariadores que acabam por ser os únicos beneficiários da exploração de mão de obra da região. “Eles é que vêm cheios de dinheiro. Há um que este ano deve ter trazido deve ter trazido mais de 5 mil contos, em apenas um mês e meio”, denuncia a mesma fonte.
O esquema é sempre o mesmo. O angariador recruta o pessoal, prometendo-lhes um determinado salário. No país de acolhimento entrega aos trabalhadores metade do que prometeu em Portugal e embolsa a parte restante, que lhe é paga pelo proprietário da exploração agrícola. Como se isso não bastasse as quintas ficam sempre em locais isolados, pelo que os trabalhadores são obrigados a adquirir determinados bens ao preço que os patrões estipularem. “A comida pagam eles, mas já cheguei a pagar 500 pestes por um litro de vinho fraco e outro tanto por uma maço de tabaco”, revela Z.A..
É desta forma que muito portugueses chegam a Bragança cheios de dívidas e são obrigados pelos angariadores a regressar aos campos no ano seguinte. “Houve um no que, pelas minhas contas, devia trazer 200 mil pesetas, mas eles arranjaram maneira de eu ainda ficar-lhes a dever 40 contos”, acrescenta aquele popular. Na altura Z.A. recebia 2.500 pesetas por dia, numas vindimas em Navarra Quando ia receber foi informado o salário não chegava para cobrir as despesas efectuadas com roupa de trabalho, tabaco e vinho, obrigando-o a protestar junto dos patrões. “As contas deles eram diferentes das minhas, mas quando protestei responderam logo com a agressões e acabei por não receber nada”, lamenta o jovem.
O DTOM tentou contactar o responsável pela Delegação Regional de Bragança dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas, mas tal não foi possível em tempo útil. Segundo foi possível apurar, este organismo tem vindo a sensibilizar a comunidade para evitar o recrutamento fora dos circuitos legais, já que é possível trabalhar em campanhas agrícolas no estrangeiro, usufruindo das regalias contempladas na lei.



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