A “falha catastrófica” da asa direita do ultraleve que se despenhou em março de 2019, em Bragança, causando a morte aos dois ocupantes, foi desencadeada pela pilotagem da aeronave “fora dos seus limites operacionais”, concluiu a investigação.

O relatório do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e Acidentes Ferroviários (GPIAAF), hoje divulgado, refere “que a falha catastrófica da estrutura primária da semi-asa direita por falência dos elementos constituintes da longarina da asa terá sido desencadeada pela provável operação da aeronave fora do seu envelope de voo”.

O SportCruiser, operado pelo Aero Clube de Bragança, descolou às 17:31 de 16 de março de 2019 do aeródromo municipal de Bragança para um voo de recreio, com dois ocupantes e sócios do aeroclube: sentado à direita, com 60 anos, seguia um instrutor desta categoria de aeronave e conhecido empresário de Bragança, e, sentado à esquerda, um piloto, de 26 anos, que se encontrava em formação na TAP.

A investigação concluiu que “existe elevada probabilidade de o ocupante sentado à esquerda ter influenciado a condução do voo; que a aeronave descolou com uma massa superior à massa máxima autorizada; e que o ultraleve foi operado excedendo os limites de carga aerodinâmica por terem sido ultrapassados os limites máximos de velocidade induzindo sobrecargas estruturais”.

O GPIAAF constatou ainda que “o projeto e fabrico da aeronave não cumpriam com as especificações técnicas e padrões aplicáveis” e que “o velocímetro não cumpria com o normativo de informação visual à tripulação sobre os limites da velocidade a não exceder”.

“Em algumas fases do voo os limites de velocidade e respetivas variações (aceleração) definidos pelo fabricante da aeronave foram ultrapassados, tal não é consistente com as práticas habituais do piloto instrutor, o que suporta a possibilidade de ações de pilotagem pelo piloto sentado à esquerda”, sustenta o GPIAAF.

Este organismo público conta que o voo “tinha como objetivo a apresentação da aeronave recentemente adquirida pelo Aero Clube de Bragança ao sócio sentado à esquerda, conforme prática em vigor na coletividade, acrescentando que “foi realizado após um outro voo a bordo de uma aeronave Cessna 172, pertença da mesma coletividade e com os mesmos tripulantes”.

“Junto à localidade de Vale de Lamas são realizadas duas manobras no plano vertical onde a aeronave atinge velocidades elevadas (valor de referência com velocidade de terreno de 149 nós [276 quilómetros por hora], valor registado pelo equipamento GPS a bordo da aeronave). Na sequência da execução das referidas manobras, a aeronave sofre uma falha estrutural da raiz da semi-asa direita”, refere o GPIAAF.

Com a aeronave fora de controlo, e em rotação (rolamento) pela direita provocada pela sustentação da semi-asa esquerda, a aeronave inicia uma trajetória em espiral descendente, imobilizando-se a 1.450 metros da soleira da pista 20 do aeródromo de Bragança.

Apesar da provável operação da aeronave além dos seus limites teóricos de projeto, os estudos e ensaios realizados no decurso da investigação de segurança “mostraram que os parâmetros de projeto e construção da aeronave, no que respeita aos componentes ensaiados, não cumpriam com os padrões e normas internacionais de referência na indústria”.

O GPIAAF revela que, em 2012, o fabricante emitiu um alerta sobre o risco de operação de algumas aeronaves deste modelo, entre as quais aquela que viria a sofrer o acidente, por não ser possível demonstrar que esta cumpria com o normativo de fabrico aplicável.

“O operador [Aero Clube de Bragança] desconhecia tal informação e a Autoridade Portuguesa com atribuição de supervisão [ANAC - Autoridade Nacional da Aviação Civil] considerou não haver motivo para intervenção no âmbito das suas competências”, apurou a investigação.

Assim, o GPIAAF defende que o “enquadramento legal e técnico [deste tipo de aviação] demonstra-se ineficaz, entre outras razões, por ausência de referências a padrões técnicos internacionais, resultando em situações como as constatadas na investigação”, o que levou este organismo público a emitir no passado várias recomendações, ainda por concretizar.

Fotografia: António Pereira

 

A direcção do Direção do Aero Clube de Bragança enviou um comunicado "a fim de ajudar a interpretar o extenso relatório sobre o acidente de 16 de Março de 2019 e apresentar as medidas que tomamos, com “linguagem menos técnica” sobre alguns pontos que podem criar alguma confusão/duvida."

 

Comunicado Imprensa

Esclarecimento - Relatório GPIAFF - Acidente de 16 de Março de 2019

No dia 16 de Março de 2019, de uma forma inesperada, num trágico acontecimento, viu desaparecer dois seus associados, grandes amigos e pilotos, Horácio Sousa e o André Bessa. Foram tempos difíceis e, ainda, de lenta recuperação. É para nós doloroso reativar o assunto, mas queremos esclarecer em linguagem mais simples, alguns aspetos que julgamos poder ser erradamente interpretados do relatório do acidente divulgado.

Em síntese, aponta a ações de pilotagem conjugadas com a falência de material aeronáutico como possíveis causas.

Ficou provado, através do GPS da aeronave, que o avião acabou por ultrapassar a velocidade máxima permitida e ultrapassados os limites de carga aerodinâmica, acabando por “romper” a principal estrutura da asa da aeronave, embora não se consiga provar que estas ações foram feitas de forma intencional ou indeliberada.

Ficamos agora a saber que o projeto e construção da aeronave, no que respeita aos componentes ensaiados (asa), não cumpriam com os padrões e normas internacionais de referência na indústria. Ao Aero Clube de Bragança nunca foi transmitida qualquer informação sobre este aspeto, nem era do conhecimento geral da “comunidade aeronáutica”. Além disso a aeronave tinha revalidado o certificado de voo, através de uma inspeção visual intensiva e respetiva documentação, junto do ANAC (Autoridade Nacional de Aviação Civil) meses antes deste acidente e nada foi apontado a esse respeito.

Foi demonstrado que a operação da aeronave estava acima do seu limite de peso. Este é há muito tempo, um tema discutido entre várias entidades, a comunidade aeronáutica e a ANAC, com a finalidade da alteração da lei do limite de peso dos aviões ultraligeiros dos 450 kg para os 600 kg. É já uma realidade em muitos países, que vêm a acompanhar a evolução natural destas aeronaves, mas segundo a lei Portuguesa a categoria de aviões ultraligeiros só pode operar com um peso máximo de 450kg.

É impossível cumprir a lei Portuguesa, tanto nesta aeronave em causa como na esmagadora maioria das aeronaves ultraligeiras, pois isso limita a operação ao piloto e a 20 litros de gasolina. Cumprindo a lei acabaria por invalidar a formação e refrescamento de aptidão de pilotos, criaria uma operação perigosa pela falta de autonomia e condiciona aquilo que a aviação ultraligeira se destina – atividade de lazer.

O relatório apresenta também orientações sobre a forma como as mesmas devem analisadas e tratadas, com seriedade e pedagogia, para evitar que situações semelhantes possam ocorrer futuramente.

Nesse sentido, o Aero Clube de Bragança está a equipar as suas aeronaves com equipamentos de monitorização de dados de voo que servirão para controle dos padrões de voo realizados.

Esta aquisição foi apoiada pelos familiares das vítimas deste acidente.

Também estamos a unir esforços com a restante comunidade aeronáutica, pretendendo que a atividade aeronáutica de lazer consciencialize o mote "SAFETY/SEGURANÇA", não só junto dos aviadores mas também em sede das escolas de voo e aeroclubes, transversais a toda a aviação ligeira ou ultraligeira.

O Aero Clube de Bragança decidiu doar os salvados (destroços) do acidente para ações de sensibilização e formação de práticas de segurança aeronáutica, que irá percorrer o país pelos vários Aero Clubes.

O Aero Clube de Bragança orgulha-se de ter tido o Horácio e o André como associados e orgulha-se dos perpetuar no seu logotipo.

Estamos certos de que estão a olhar por nós...

A Direção do Aero Clube de Bragança



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