Em todo o planalto mirandês mantêm-se as festas do solstício de Inverno. São rituais com profundo significado mitológico, ritos de iniciação cuja origem se perde nos tempos. \"Chocalheiros\", \"velhos\", \"farandulos\", \"carochos\", \"moços\" e \"sécias\" saem à rua em verdadeira algazarra. Até ao dia de Reis (dia 6) ainda é possível apreciar as \"diabruras\" destas personagens que representam memórias em algumas das aldeias dos concelhos de Miranda do Douro e Mogadouro.

O dia de Natal e o Ano Novo são as datas principais para apreciar estas figuras de grande valor etnográfico. Mas não se fica por aí. Aliás, todo o Nordeste trasmontano é rico em rituais do solstício de Inverno.

\" Em alguns casos, os historiadores da Idade Média viam nestes rituais pagãos autênticas acções do demónio, como foi caso de S. Martinho de Dume no século VI. No entanto, os costumes de pedir para o Santo Menino e para a Imaculada Conceição foi uma tentativa da Igreja cristianizar estes autênticos rituais pagãos, evitando orgias com sabor a bacanais, que nestes dias se faziam com tudo o que os \"chocalheiros\", \"carochos\" e \"farandulos\" recolhiam ou roubavam durante as suas incursões pelas ruas das aldeias,\" explica o historiador António Mourinho, director do Museu da Terra de Miranda

No caso do \"farandulo de Tó\", em Mogadouro, a festa celebrava-se a 6 de Janeiro, mas com a partida dos jovens da aldeia para iniciarem os estudos e, em muitos dos casos, para cumprir o serviço militar, obrigou a antecipar o dia das festividades para que a tradição não se perdesse por falta de figurantes.

Hoje, ainda é possível ver com bastante realismo toda a interacção do conjunto formado entre a \"sécia\", \"moço\" e \"farandulo\", onde este tenta enfarruscar e tocar a \"sécia\" defendida pelo \"moço\" das investidas do enfarruscado. O \"farandulo\" não poupa, aliás, todas as mulheres, pois tem de deixar nas faces femininas uma marca feita com tinta de graxa ou com cortiça queimada. O \"farandulo\" é sempre representado por um rapaz solteiro que é escolhido meses antes pelo mordomo da festa.

Em Bemposta, a tradição é bem diferente dado que apenas um personagem com uma pesada máscara \" tauromórfica\" percorre as ruas da localidade em passo de corrida, mantendo a curiosidade em relação à sua identidade só à entrada da missa de Ano Novo se sabe quem é \"o mascarado\". A tradição este ano foi comprida por uma rapariga.

Se é verdade que, em todo o Nordeste trasmontano ainda é possível encontrar estes rituais, tal facto deve-se, porém, à teimosia em manter a memória colectiva dos povos. Por isso, as gerações mais novas, apesar da desertificação em algumas aldeias, estão apostadas em continuar a \"atazanar\" os que não contribuam com esmola grande \"em nome do Deus Menino\".



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