Luis Ferreira

Luis Ferreira

Uma ópera ao radicalismo

Ei-los que voltam! Sem oposição aparente, nem dos soldados do governo, nem da população, os afegãos atravessaram o país e entraram calmamente em Cabul sem terem pela frente alguma oposição credível. Demasiado fácil.

Depois de vinte anos afastados das decisões políticas e confinados a esconderijos nas montanhas ou disfarçados um pouco por todo o lado, eles regressaram sem necessidade de grandes confrontos. Porquê?

Os EUA cansaram-se de estar no Afeganistão e manter uma situação que não tinha solução plausível já que não conseguiam calar definitivamente os talibãs. Assim, resolveram anunciar que se retiravam deixando ao governo do Afeganistão e aos afegãos a escolha da sua defesa e do seu destino. Isto foi música para os ouvidos dos talibãs. Sem grande oposição, tudo seria mais fácil. E foi.

Cidade após cidade, foram ocupando o território antes governado por eles. Cabul estava perto. Em poucas semanas ficaram às portas de Cabul. Entrar, foi muito fácil. Nenhuma oposição. Os soldados preparados pelos EUA, desertaram. Não quiseram enfrentar os radicais afegãos e eles agradeceram. O Presidente fugiu do país. O caos sobreveio.

O medo das perseguições políticas, o terror da tomada das crianças e das raparigas que costumavam submeter às leis da Charia, as penas que poderiam aplicar aos que trabalharam com os EUA, aos colaboradores nos vários setores da administração e governo, tudo levou a que quisessem fugir o mais depressa possível. O aeroporto da capital torna-se o local de encontro e o símbolo da liberdade.

Sem grandes preocupações, os talibãs anunciaram à comunicação social que estavam com boas intenções e que não queriam perseguir ninguém. As crianças poderiam ir à escola, incluindo as raparigas e os colaboradores não seriam presos ou perseguidos. Mas as imagens e os relatos chegados às cadeias internacionais não eram bem assim. Grupos de talibãs iam de porta a porta à procura de pessoas que colaboraram com os americanos, com os ingleses ou com outros países. A intenção era bem clara. Quem não der informação é preso e castigado ou morto.

Começa uma das mais assustadoras evacuações da História da Humanidade. O único aeroporto transforma-se numa plataforma giratória onde acontece de tudo um pouco. Uma multidão estonteante luta pela sua sobrevivência. O terror é enorme e assustador. Uns são esmagados, outros estropiados, outros simplesmente mortos. Sufocados pela fome, pela sede e pelo medo, lutam por um lugar num avião que os leva rumo à liberdade. É o desespero de quem não tem outra alternativa. Os talibãs não falam verdade e culpam o ocidente de não ter um plano melhor organizado para evacuação.

Ficar e submeter-se ao radicalismo dos talibãs, é retroceder vinte anos e encarar uma política demasiado conservadora, radical, baseada numa religião amalgamada, rebuscada, anti-social onde a Charia é a lei geral a que leva todo e qualquer crime. Para quem viveu alguns anos num regime mais democrático e conheceu outras possibilidades de vida, não quer voltar a uma submissão onde o terror paira em cada momento.

De Bush a Biden passando por Obama e por Trump, nenhum conseguiu vencer os talibãs. A Rússia também tentou e desistiu. Todos foram derrotados nos seus propósitos. Vinte anos depois eles voltam para conquistar o seu país, o seu território e pôr em prática as suas leis. Regressaram para governar o país contra tudo e contra todos. O Mundo viu-os conquistar sem grande dificuldade esse mesmo território e avançar para a capital. Só faltou a música de fundo que se ouve nos grandes eventos. Uma ópera ao radicalismo ficou a faltar.

Agora, no meio do caos, o aeroporto de Cabul, está a arder. Os EUA tentam manter a calma ainda que aparente e apelam a que não se dirijam para lá, mas o desespero é enorme e se alguma vez a liberdade teve maior sentido e significado, foi neste momento.

O que será dos afegãos que ficam e que não se identificam com estes terroristas radicais tribalistas? Não vai ser fácil a sobrevivência. Cabe certamente à comunidade internacional tomar medidas para evitar o pior. O descalabro pode acontecer e se já conhecemos o que estes radicais conseguem fazer, podemos imaginar um país miserável, desgovernado que será o ninho de muitos mais radicais terroristas que amedrontarão o mundo. Não nos deixemos enganar. Eles não são meigos nas suas decisões, nem falam a verdade. O governo que vai sair da última reunião, vai ter de se justificar. Aguardemos as novidades. Se as houver.


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