Ana Soares

Ana Soares

Provas de acomodação

Eis que o Ministério da Educação se prepara para, já esta semana, introduzir as provas de aferição em computador aos alunos do segundo ano.

Em vez de fazer reformas sérias nos programas escolares (que inexplicavelmente só sofreram alterações pouco significativas nos últimos anos, não acompanhando as incomensuráveis alterações na sociedade e na vida profissional); aplicar um novo modelo de colocação de professores que servisse toda a comunidade educativa; reformular o “sistema de avaliação faz-de-conta” em que os alunos passam parte da sua vida escolar com passagem administrativa quase obrigatória ou perceber as necessidades gritantes de modernização do parque escolar (não confundir com a Parque Escolar EPE), o Ministério da Educação (doravante ME) resolveu introduzir uma novidade que, além de não trazer nada de positivo ao sistema de ensino, retira até tempo para as crianças e professores se dedicarem ao que realmente interessa!

Diz o ME que o novo modelo de provas acompanha os novos tempos e permite aferir de modo mais efectivo os níveis de aprendizagens e a completa (ou não) leccionação dos currículos. Só quem não conhece a Escola ou crianças de 7/8 anos pode acreditar nisto. Ou quem está sentado numa secretária na Av. Infante Santo, há que acrescentar! Em nada estas provas servirão para aferir o nível de aprendizagens, mas sim a capacidade de resolução de teste informático em situação de stress! Nunca fui, nem sou, contra provas de aferição (mas em fim de ciclo) escritas, mas é ridículo que se espere que crianças que aprenderam a escrever há pouco mais de um ano o façam no computador. Aliás, questiono: será mais importante usar o tempo do terceiro período do segundo ano do primeiro ciclo a reforçar a divisão ou a multiplicação ou a ensinar como escrever assentos agudos, graves e tiles no computador?! Haja bom-senso que é algo que não abunda nas últimas décadas nas reformas educativas!

Estas provas, bacocas, servem para retirar tempo ao que é efectivamente importante em ambiente escolar e, mais grave ainda, nem sequer acompanha tecnologicamente aquilo que é a realidade de muitas escolas! Falamos de milhares de crianças do 2.º ano que não têm, no quotidiano, aulas de informática e às quais está a ser impingidas obrigatoriamente (reforço, impingidas!”) horas de treino de resolução de testes em computador, perdendo tempo para rever e reiterar conteúdos que, sendo dados nos primeiros anos de escolaridade, são a base de tudo o resto. Aliás, que sentido faz impormos às nossas crianças momentos de ansiedade perante computadores cujos sistemas, programas e ligações à internet estão bem distantes das referidas pelos teóricos destas provas?!

Deixem os professores fazer aquilo que sabem fazer melhor que ninguém que é ensinar, gerir o tempo, estar com as crianças e, enfim, programar os últimos tempos de aulas para reforçar conteúdos que julguem necessários e não lhes arranjem trabalhos inúteis que, ainda por cima, servem supostamente para os avaliar, quando (quase nada) do seu trabalho está em causa!

Com 7/8 anos, não restam dúvidas, não há benefícios do uso intensivo dos computadores! Não sou eu que o digo mas diversos especialistas, desde a psicomotricidade (motricidade fina) à pediatria. E um exame que exige preenchimento de esquemas, redacção de textos e escolha múltipla, tem necessariamente que ter como antecedente horas de treino intensivo por parte dos alunos. Não obriguem as crianças a deixar o treino da caneta, lápis e borracha pelo controlo do scroll, rato e processador de texto.

Vejo estas provas apenas como verdadeiras provas de acomodação a todos que fazemos parte – seja como professores, como pais, como encarregados de educação ou como seres sociais – da comunidade escolar. Deixarmos o Estado brincar com as nossas crianças sem nos erguermos contra, sem absolutamente nada fazermos, demonstra apenas que somos um “yes man” incapazes de pensar por si ou de se insurgir quando nos impõem o que não faz sentido! Não esperemos criar crianças com pensamentos “fora da caixa”, proactivas e dinâmicas quando o nosso exemplo (que educa bem mais do que as palavras) se limita a seguir o rebanho.

Chega de brincar com a educação! Chega de birras vindas do Ministério da Educação e impostas a todo o país! Lembremo-nos que a educação é o alicerce de qualquer País com futuro e façamos todos nós parte da solução; ergamos todos a voz por um verdadeira Ministério cuja prioridade seja a educação!


Partilhar:

+ Crónicas