Alexandre Parafita

Alexandre Parafita

O mafarrico

Diz o povo sábio que o diabo espreita nas frinchas. E para que apareça… basta falar-lhe na cabeça. Daí que, para que o maldito fique longe, o povo evite nomeá-lo, esconjurando-o com outros nomes: belbezu, cão-tinhoso, canhoto, chifrudo, calças, demonho, diacho, diasco, dianho, diabelho, galhudo, rabudo, mafarrico, lusbel, lúcifer, anjo-papudo, coisa-ruim, aquilo, inemigo, pecado, facanito, malasartes, plascas, zarapelho, satanás, tição-negro, tardo, porco-sujo, onzeneiro, mefistófeles, tentador… por aí adiante.

Mas, sobre ele, sabe-se ainda: que não é tão velho como dizem (“Quando o diabo nasceu já cá ingatinhava eu”); é criterioso nas mulheres que põe ao seu serviço (“O que o diabo não fizer, fá-lo a mulher”, mas também “Mulher de cabeça leve ao diabo serve”, ou então “Mulher de pelo na venta só o diabo a aguenta”); tem alguns trejeitos de beleza (“Não é tão feio como o pintam”); é criterioso nos segredos (“Segredo de três, o diabo o fez”, ou então “Quem revela um segredo guardado tem conversas com o diabo”); desleixa-se no vestir (“Veste uma capa que com um lado tapa e com o outro destapa”); deixa marcas (“A quem o diabo alguma vez tomou, sempre algum jeito lhe deixou”); é zelador de vícios (“Quem não fuma, nem joga, nem bebe vinho, leva-o o diabo por outro caminho”); tem profissão (“É tendeiro e arma tendas sem dinheiro”); colabora com prestamistas e banqueiros (“Ao onzeneiro guarda o diabo o mealheiro”); vigia os namoros (“A quem namora pelo fato leva o diabo o contrato”); é cobardolas e foge das crianças (“Com a canalha nem o diabo quis nada”, ou então “Sempre o diabo usou de cautelas à beira de garotos e capelas”); é vigilante noturno (“Quem à noite anda desperto tem o diabo perto”); não gosta de nabos nem cabaças (“Caldo de nabo escalda o diabo, e se for de cabaça é da mesma raça”); tem moradas conhecidas (“Na arca do avarento mora o diabo dentro”, mas mora também “nos feitos de quem traz a cruz nos peitos”). E há quem o saiba ainda nas pias de água benta para vigiar as beatas, ou no fundo das canecas do vinho para vigiar os bêbados (por isso bebem com os olhos fechados…), não esquecendo as encruzilhadas e as eiras onde preside à assembleia das bruxas.

Muito sabe, pois, este povo sobre os hábitos do mafarrico. O que não sabia é que teve bilhete comprado para vir até cá defecar no tempo das castanhas. Isto, a crer numa sinistra profecia de Passos Coelho, que, pelos vistos, não se está cumprindo. Ainda assim, é bom estar atento: afinal há sempre uma capa, que num lado tapa e no outro destapa.

In JN, 26-11-2016


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