Henrique Ferreira

Henrique Ferreira

Novidades-velhas de um país abandonado pelos deuses

O Euro 2016, que é necessário descodificar para a posteridade como campeonato europeu de selecções nacionais de futebol já lá vai e o país regressou à normalidade do convívio entre mortais, alguns dos quais visionários e malabaristas e outros, infelizmente, vigaristas e jogadores na roleta da corrupção e da compra de influências.

Depois da vitória da selecção portuguesa de futebol no Euro 2016, o idealismo moralista recomendaria que os portugueses se entregassem à prossecução dos valores que conduziram os representantes de Portugal à vitória. Mas não. Tudo regressou à normalidade de Portugal, passível de caracterização como anormalidade democrática, distorção burocrática e distracção ética.

A anormalidade democrática é o acordo PS/PSD para a nomeação de boys para a administração pública, num perfeito tratado de Tordesilhas da coisa pública. A anormalidade democrática é a nomeação de alguns gestores que ajudaram a destruir por completo Portugal para desgerirem a Caixa Geral de Depósitos.

A distorção burocrática é que esses gestores tenham sido nomeados pela competência demonstrada em outras áreas técnico-sociais da acção político-administrativa e na arte do jogo de influências que desviam os objectivos sociais do Estado para a luta entre grupos económicos de influência e assalto ao erário público.

A gestão da Caixa Geral de Depósitos, a Santa Casa de Misericórdia de quase todos os políticos despedidos pelo eleitorado por indecente e má figura na gestão pública tem tudo para não dar certo, cumprindo o modo de ser e de estar do Actual Primeiro Ministro, António Costa, mago na arte de baralhar e de dividir para reinar. «A Caixa, com certeza» será a almofada de umas tantas aldrabices do Governo e de uns apoios aos partidos políticos que, desde a aprovação da sua lei de financiamento têm colocado o Estado sob vigilância distributiva no processo arquitectural das falências institucionais e da distribuição de pelouros proporcionalmente aos votos.

Há, em tudo isto, uma intenção deliberada de malfeitoria? Claro que pode haver mas, existindo, é sempre assumida como desvio às normas éticas da acção política e nunca como infracção ao dever de isenção e imparcialidade. Esta seria criminalizada. A democracia portuguesa serve-se, hoje, profundamente partidarizada, manipulada nos seus valores fundamentais, e ao serviço de interesses-outros que não os do bem público. Além disso, disfarça-se como ditadura persecutória dos que pensam diferente e que, dentro ou fora dos partidos, actuam ou escrevem diferentemente. E se não podem, formalmente, despedir as pessoas, disfarçam o despedimento baseado numa gravidez, numa não adequação ao cargo ou ao posto de trabalho, motivada por razões políticas.

Vivemos numa ditadura cruel, baseada na liberdade de acção do eleito ou do nomeado pelo eleito. Basta embirrarem connosco para nos «fazerem a folha» como se nem sequer fôssemos seres humanos.

Para lá deste grave desvio aos princípios éticos da acção no Estado e aos direitos fundamentais das pessoas, próprio de estados sem Direito, é de referir também a irresponsabilidade com que se gerem os problemas face a terceiros. A este propósito, António Costa foi de uma leviandade inadmissível na forma como geriu a questão do défice perante Bruxelas. É óbvio que os Senhores da EU não queriam aplicar sanções e pediram apenas alguns sinais de que as autoridades portugueses estavam disponíveis para apertar o cinto. António Costa e os seus preferiram a fanfarronice, o assobiar para o lado, como se Bruxelas lhes devesse. Talvez caiam num PEC qualquer como Sócrates e o país e os portugueses noutro inferno.

Durão Barroso não conseguiu dissimular a gula com que, em apenas 35 anos, passou do maoísmo para a extrema-direita americana. Demonstrou que por trás de um lutador de esquerda pode estar um qualquer corrupto, sem escrúpulos. António Costa, em analogia, demonstra que o exercício do poder, enquanto capacidade de domínio, pode ser tão irresponsável como o criminoso de delito comum na abordagem às suas vítimas.


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