Alexandre Parafita

Alexandre Parafita

Em português nos (des)entendemos

Com a chegada dos emigrantes em férias, é animador assistir à revitalização dos territórios rurais, com as aldeias desertas que se repovoam e rejuvenescem ainda que por escassos dias, os roteiros das romarias, as horas de matar saudades do torrão natal e de familiares e amigos. Enfim, ano após ano, um quadro inalterável, revelador de um invicto sentimento pátrio.

Há, porém, uma outra realidade, perceptível neste quadro, que se afigura preocupante: a Língua Portuguesa está sendo afastada nos atos mais primários de comunicação no seio dos nossos emigrantes. Crianças, jovens e adultos eximem-se de falar entre si o português. Nas ruas, nas romarias, nas áreas comerciais, é corrente assistir a portugueses dialogando com outros portugueses em outras línguas que não o português!

Assobiar para o lado perante esta realidade é o que de pior se pode fazer. Ela traduz, claramente, um retrocesso nos efeitos das políticas do governo português nos países de acolhimento dos nossos emigrantes no que respeita à preservação e divulgação da Língua Portuguesa. Será que deixou de ser uma prioridade estratégica? Qual a eficácia das embaixadas, Conselhos das Comunidades Portuguesas, CPLP, Fundação Oriente, Instituto Camões? Que é feito daquelas iniciativas-piloto, em algumas comunidades lusófonas, que permitiam os encontros das crianças com autores portugueses, propiciando interesse, descoberta e motivação pelos sabores da nossa língua e da nossa cultura?

Enquanto isto, têm vindo a ser anunciados acordos com universidades de vários continentes para nelas ser introduzido o estudo da Língua Portuguesa, um propósito valioso de expansão lusófona que trouxe já a surpreendente notícia de que, até na própria China, já há 37 universidades onde se ensina o português.

Ensinar o português nas universidades não é bom, é óptimo. Mas… e as crianças? Vamos esperar que cresçam e, caso queiram, optem depois por aprender a falar português nas universidades?

Toda a língua materna, mais do que um veículo de comunicação, é um sistema organizado de pensamento. Por isso, que futuro pode ter o país, a sua cultura, a sua identidade, quando o seu povo deixar de pensar (e de amar) em português?

in JN, 23-8-2018

 


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