Alexandre Parafita

Alexandre Parafita

Comandar um rato… com um sorriso!

Não era suposto trazer aqui de novo o inquietante “Admirável Mundo Novo” de Huxley com o cenário sombrio de profecias que traçou para esta sociedade incapaz de se proteger das tecnologias que ela própria criou. Muitas das suas profecias estão aí, bem o sabemos, ainda que metaforizadas algumas, outras como ameaça latente. Clonagem, manipulação genética, pessoas programadas em laboratório, surpreendidas por um rumo que nem sequer idealizaram, como se a tecnologia não fosse feita para o homem, mas o homem feito para a tecnologia, são alguns dos vaticínios desse “admirável mundo”. Um quadro preocupante, já percetível numa geração de “nativos digitais”, dominados por tecnologias que avassalam sem defesa, crianças e jovens moldados pelo uso de tablets e smartphones; mas também nos paradoxos de uma sociedade moderna, em que os anseios de privacidade por vezes obsessiva das famílias esbarram com os prazeres da visibilidade nas redes sociais, expondo viagens íntimas, fotos e nome dos filhos, e cada vez menos adotam atitudes críticas em relação às tecnologias que as escravizam. Como diz Huxley numa entrevista de 1958, a propósito dos ditadores do futuro: “Para se preservar o poder indefinidamente, só basta obter o consentimento dos governados”.

Mas não voltaria, como disse, a esse “admirável mundo” se não tivesse lido, há dias, uma admirável reportagem do JN, rubricada por Sandra Borges, com a história de uma jovem, ex-aluna da UTAD, que aplicou os saberes do seu curso (Eng.ª da Reabilitação) para ajudar a sua prima de 15 anos, portadora de doença neuromuscular degenerativa, agarrada a uma cama e incapaz de se exprimir, a poder comunicar com um computador e assim comunicar com o mundo. Andreia Matos, durante o seu curso, criou um software de reconhecimento de expressões faciais, projetado para a sua familiar, mas adaptável caso a caso conforme o grau de deficiência. A pequena Bárbara (“princesa Babá” como a tratam) pode agora com um ligeiro sorriso comandar um rato, interagir com a terapeuta, completar trabalhos escolares ou controlar a personagem de um jogo.

Será que Aldous Huxley, quando há 86 anos atrás inquietou a humanidade com o seu “Admirável Mundo Novo”, futurando uma sociedade escravizada pela tecnologia, teria sequer admitido nas frinchas das suas profecias um espaço libertador para uma “princesa Babá” que iria ver, deste jeito, um pouco mais aliviadas as agruras do seu mundo?

in JN, 28-1-2017


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