A maioria dos homicídios cometidos no distrito de Bragança são motivados por questões de honra, motivos passionais ou ódios e vinganças.

Esta é uma das principais conclusões de um estudo elaborado por Fátima Afonso, licenciada em Psicologia Organizacional pelo Instituto Superior de Línguas e Administração (ISLA) de Bragança, que no âmbito da monografia final do curso passou cerca de meio ano no Estabelecimento Prisional Regional de Bragança (EPRB) em contacto com diversos autores de crimes de homicídio praticados na região.

Ao longo da pesquisa, elaborada através do contacto directo e de questionários escritos, Fátima Afonso traçou o retrato de 13 homens que, um dia, de cabeça perdida, pegaram numa caçadeira, numa pistola ou numa faca para pôr termo à vida de um familiar, dum vizinho ou da mulher que os traiu. Oito deles mataram por sentimentos de ódio e vingança, ao passo que o medo e o ciúme são factores que pesaram no momento em que cinco dos reclusos primiram o gatilho ou cravaram a faca no corpo de alguém.

Hoje, dizem-se arrependidos, mas “são poucos os homicidas que sentem marcada culpabilidade pelo crime cometido”, revela a jovem psicóloga. Por isso, quase todos usam frases do estilo “a culpa foi dele que...” ou “nunca me passou pela cabeça” para projectar a culpa para outras mãos ou atribuí-la a forças divinas, como é o caso do demónio. Por outro lado “a vitimização ou a desculpabilização com o estado de consciência alterado são outros dos processos muito utilizados, já que a maioria usou frases parecidas como ‘fui provocado e tive de me defender’ ou ´nem me lembro do que aconteceu, pois não estava em mim’ para explicar as situações em que ocorreram os homicídios”, acrescenta a psicóloga.

Em média, os indivíduos contactados estão há um ano a cumpri pena, mas ainda não conseguem, ou simplesmente não gostam de utilizar a palavra crime ou assassinato para se referirem ao dia em que “cometeram uma loucura” . Por isso, “as palavras ‘acidente’ ou ‘aquilo’ são muito frequentes entre homicidas e traduzem, de algum modo, a culpabilidade e o incómodo de recordar o homicídio”, refere o estudo elaborado por Fátima Afonso.

Sempre a caçadeira

Os 13 indivíduos a que se refere a monografia têm idades compreendidas entre os 21 e os 65 anos. Residiam todos no distrito de Bragança e nos concelhos onde praticaram os crimes que os levou ao EPRB, com especial incidência em Mirandela e Macedo de Cavaleiros. Ao nível de habilitações literárias, apenas um possui o 11º ano de escolaridade. Dois são analfabetos e a escolaridade dos restantes não ultrapassa a 4ª classe. Das actividades profissionais desempenhadas pelos indivíduos auscultados destacam-se o trolha, o pedreiro, o tractorista, o empregado de mesa, o cantoneiro e o jornaleiro, por vezes desempregado.

Tendo em conta que no distrito de Bragança a caça faz parte dos passatempos de grande parte da população, a caçadeira foi a arma utilizada em sete dos casos, seguindo-se o uso da pistola, em três das situações, ao passo que os restantes reclusos utilizaram objectos cortantes ou mesmo bombas.

Segundo Fátima Afonso “as caçadeiras estavam devidamente legalizadas, mas a maioria não tinha perfil psicológico para ter uma arma, pois são pessoas com alterações de personalidade, com particular realce para a impulsividade aos quais se juntam problemas de alcoolismo”. Ou seja, sete dos autores de homicídios consumiam álcool com frequência. De acordo com o estudo, apenas um dos entrevistados consumia drogas.

“Dormimos mal”

Há um dado que parece ser comum aos 13 homicidas que se encontram a cumprir pena no EPRB. À excepção de dois, os reclusos denotaram carências afectivas e revelaram que se davam mal com a família. Acresce que “a existência de relações extra-conjugais e de dificuldades financeiras contribuiu para aumentar a situação de desiquilíbrio no seio da família”, explicou a psicóloga.

Apesar disso, “todos eles se revelaram pessoas pacíficas e bem aceites no meio em que viviam, mas, após o homicídio, acabam por ficar com a personalidade bastante perturbada e com um potencial de perigosidade também elevado”, revela a monografia. Os inquéritos elaborados dão também conta que apenas quatro sujeitos eram indivíduos auto-controlados, frios, mais propensos a pensar antes de agir do que ao acto impulsivo, sendo que nove “são indivíduos com claras dificuldades de controlo e bastante impulsivos”.

Quando as motivações do crime se prendem com ciúmes e questões passionais, uma fatia significativa “acalenta ressentimentos durante longo tempo para com a vítima que matam”. Os ressentimentos, aliás, são uma das razões que leva onze dos homicidas inquiridos a confessar que dorme mal, desde que praticou o crime.

Homens de confiança

Na cadeia são considerados “homens de confiança” pelo pessoal prisional, inclusive pelos guardas. Todavia, “não deixa de ser verdade que alguns homicidas são indivíduos extremamente agressivos, perigosos, e que o seu comportamento anti-social se vai manifestar durante toda a prisão”, defende Fátima Afonso, fazendo fé no contacto mantido com os reclusos durante os seis meses de recolhas. Contudo, a psicóloga diz que a depressão costuma tomar conta dos homicidas mais velhos, pelo que alguns deles “estavam com uma revolta interior muito acentuada e não conseguem deixar de pensar no dia em que mataram”.

A jovem classifica o trabalho feito no EPRB como “uma experiência inesquecível” e garante que o excesso de impulsividade, aliado ao consumo do álcool, estão na base da maioria dos casos analisados. “A limitação intelectual, o álcool, a par dum temperamento colérico e muito impulsivo podem ser meio caminho andado para se dar uma tragédia”, sustenta a psicóloga.



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