Em Parada de Infanções, dezenas de pessoas tingem um curral perdido na noite de 28 de Dezembro para contemplarem corajosos lutadores.

Em tronco nu e descalços, estes gladiadores, escravos da tradição nordestina, saltam para o centro do curral com o objectivo de assentar as costas do adversário na humedecida palha de Inverno. Na verdade, a galhofa é o que resta da luta greco-romana.

Uma luta livre em que cada atleta procura derrubar o adversário e imobilizá-lo de costas no chão. Teoricamente, só quando isso acontece é que se reconhece a vitória e se encontra o vencedor. Embora, a desistência também identifique o ganhador e o vencido, como sucedeu desta vez, em alguns dos confrontos.
Corpo a corpo, mano a mano, os jovens medem forças para alcançarem a glória de vencer, uma garrafa de whisky e uma rosca de pão. Acorrem sempre adversários de Grijó de Parada e, esporadicamente, um ou outro de aldeias vizinhas, também, eles, filhos deste rito, mas que já não materializam na sua terra. Desta forma, luta-se também pelo povo e em seu nome, daí que os eleitos sejam os mais fortes da terra.
No meio da barulheira da peleja, Manuel Pedras (ex-lutador invencível da Galhofa) vaticina combates pobres, comparados com o seu tempo mítico. “Antigamente era doutra maneira! Íamos a concursos para todo lado… Espanha, Covilhã…”, conta Manuel Pedras.
A primeira luta foi peremptória e consagrou um jovem de Grijó, não dando tempo para incitamentos ao derrotado. Ainda assim, ambos levaram garrafas de whisky e um hino oriundo de gaitas de foles e tambores. “Noutros tempos havia mais rivalidade, hoje luta-se para não se perder a tradição e sob o signo da amizade”, compara o peso – pesado de outrora.
A segunda luta prometia, os destemidos eram do mesmo porte – cerca de 80 Kg de cada lado. Contudo, o físico dos atletas mereceu uma nota de M. Pedras: “Há largos anos, os lutadores preparavam-se exclusivamente para o dia 28. Cerca de 2/3 meses antes dos embates, os lutadores fartavam-se de pão, ovos, chicha, vinho e batatas para engordarem para este dia especial. Agora, os jovens são tratados a sumos… a leite…”, lamenta,
Mas a luta correu bem, com muito espectáculo e os jovens, pioneiros nestas andanças, até se portaram bem. Mais um intervalo e mais uns copitos de tinto, sempre ao som do gaiteiro. Os muitos minutos de espera pareciam adivinhar o fim da Galhofa. Entretanto, um destemido patenteou a arena improvisada, como que ao desafio.

Comer para ganhar peso era a receita dos “gladiadores” de outros tempos para levar a melhor nas tradicionais galhofas

Fez-se, então, a última luta, entre Coelhoso e Grijó. A disputa prometia, com dois atletas com muito génio, muita força.
Apenas faltava a adrenalina do sorteio das galhofas de outrora. “Antigamente as lutas eram sorteadas, tanto no dia das mamotas (lutas que antecediam as deste dia com menor relevância) como nestas de hoje, aumentando a curiosidade de todos os intervenientes”, acrescentou M. Pedras. No final, com algum sangue à mistura, a manha do grijoense acabou abafada na palha, pedindo o abandono.
Quem não ficou contente com a luta foi a corda da assistência, pois o combate não teve honra nem dignidade perante a solenidade da Galhofa.
Mudam-se os tempos, alteram-se as tradições, mas cumpriu-se a festa, onde vencedores e vencidos comem do mesmo pão, para ainda terem forças para o bailarico que se seguirá.
Após a corrida da rosca (feita de 100 metros em pés descalços) e a galhofa, o Santo Estêvão encerra as festividades na certeza que as gentes estão proficuamente preparadas para entrar no novo ciclo anual.



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