Duas aldeias separadas pela raia que divide Portugal e Espanha oficializaram hoje a união, que superou ao longo da história as correntes da fronteira, com a criação de um conselho inspirado no comunitarismo.

O espírito de entreajuda e trabalho conjunto dos cerca de 70 habitantes continua a atrair curiosos à aldeia de Rio de Onor, a pouco mais de 20 quilómetros de Bragança, considerada um dos últimos redutos do comunitarismo em Portugal.

No aglomerado de casas de pedra com telhados de xisto, povoado de utensílios tradicionais como os carros de bois, vivem mais 13 habitantes, com outra nacionalidade: falam castelhano, têm um fuso horário diferente e respondem perante a monarquia espanhola.

A divisão administrativa que separa Rio de Onor de Riohonor é imperceptível para os habitantes, que a partir de agora vão trabalhar em conjunto no recém-criado conselho comunitário \"Rio Honor de Europa\".

O novo organismo formaliza apenas a relação já existente entre as duas aldeias, que sempre viveram sem fronteiras, mesmo quando os dois países eram separados por correntes.

\"Os outros (gente de fora) é que não deixavam passar, sem irem ao posto pedir aos guardas, nós não precisávamos\", conta Ana Maria Preto, filha de mãe espanhola, de Riohonor, e pai português, de Rio de Onor.

Ana Maria nasceu espanhola, mas acabou por naturalizar-se portuguesa e casar-se com um português.

Aos 83 anos, recorda que o casamento entre pessoas dos dois lados era habitual. \"Cada um tratava dos papéis no seu país\".

Presente na memória de Ana Maria e dos restantes habitantes permanece o dia em que Mário Soares visitou a aldeia, enquanto presidente da República, no final década de 1980.

\"Disse: vou pÎr um pé em Espanha, mas não posso passar porque não estou autorizado\", recordou Ana Maria.

As duas aldeias festejaram, quando, no início da década de 1990, a Europa sem fronteiras retirou as correntes que separavam os dois povos, mas que nunca foram um verdadeiro obstáculo.

\"Tínhamos liberdade do trabalho\", lembrou Mariano Preto, explicando que os portugueses tinham terras agrícolas em Espanha e os espanhóis no lado de cá, o que fazia com que as autoridades facilitassem a passagem.

\"A convivência foi sempre a mesma, a fronteira nunca nos separou\", garantiu Maria Luísa Preto.

A coincidência de apelidos é também reveladora da afinidade entre os dois lados da raia: \"é rara a pessoa da aldeia que não tenha família aqui\", diz Mariano Preto, apontando para o lado espanhol.

Com um pé em Portugal e outro em Espanha, os habitantes e autarcas dos dois lados oficializaram a criação do novo conselho, que funcionará nos mesmos termos dos conselhos comunitários.

A tradição já não é bem o que era, mas os assuntos e trabalho de interesse geral para a aldeia ainda são tratados em conjunto.

O rebanho comunitário é guardado alternadamente, todos tratam dos baldios e existe uma horta em que praticamente cada família tem um pouco de terreno, que é tratada no mesmo dia por todos.

Segundo Mariano Preto, o que já não se usa é a vara do conselho, um pau que servia para assentar (com riscos) os turnos ou as faltas cometidas, reunindo-se depois o conselho para aplicar o respectivo castigo.

Os estatutos do novo conselho comum retomam este sistema, prevendo penas ou multas, mais ou menos severas, pagas em vinho ou produtos da terra, que servem para mais um convívio.

O conselho será formado por habitantes dos dois lados e reúne- se, pelo menos, quatro vezes por anos.

A ideia é criar condições para resolver problemas comuns, aproveitando o apoio da União Europeia às zonas fronteiriças.

Um lar de idosos ou um posto de saúde são as principais ambições dos habitantes destas aldeias e, ao contrário do que é habitual, em matéria de saúde os espanhóis saem a perder.

Os habitantes de Rio de Onor português estão a pouco mais de 20 quilómetros de Bragança, enquanto que os espanhóis têm de percorrer mais de 100 quilómetros para chegarem a Zamora.

Segundo Maria Fernandez, é o centro urbano mais próximo com condições para consultas médicas de especialidade.

Comum a ambos é o problema das acessibilidades.

Os portugueses utilizam estradas espanholas para se deslocarem entre Bragança e Miranda do Douro, os espanhóis vão a Bragança para apanhar a via rápida que os leva a Zamora.

Mesmo assim, segundo Ana Maria Preto, \"em Espanha vai melhor, porque são as pensões (reformas) mais caras, pagam muito mais....\".



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