Se é verdade que a sorte protege os audazes, não menos verdade parece ser a adaptação livre de outra máxima do exército: ‘chuva civil não molha motard’. O lema do Corpo de Comandos, adaptação do verso do poeta latino Virgílio, no poema épico Eneida, encaixa na perfeição aos participantes do 25.º Portugal de Lés-a-Lés que desafiaram os elementos e, sem medo à chuva, partiram à descoberta do Parque Natural de Montesinho.


Chuva acentuou beleza natural do Parque de Montesinho

A forte intempérie, prometida pela depressão atmosférica Óscar não demoveu os cerca de 2500 motociclistas a fazerem-se à estrada para o Passeio de Abertura da edição das Bodas de Prata do evento organizado pela Federação de Motociclismo de Portugal. E por bem empregue deram a ousadia já que a chuva, sob a forma de esparsos e leves aguaceiros, não incomodou quem na estrada passeava. Antes teve o condão de sublinhar os tons de verde e castanho de paisagens de encantar. Uma passeata a dois tempos, com início mais revirado até Montesinho, a aldeia que dá o nome ao parque e que foi visitada pela primeira vez pela longa e heterogénea caravana, e com paisagens imponentes e mais desafogadas no regresso a Bragança com passagem em Rio de Onor.

Foram 116 quilómetros, por entre soutos de enormes castanheiros e centenários carvalhais, visitando aldeias de gentes rijas e afáveis, que sabem receber como poucos. Foi o caso de Donai, onde poucos resistiram a fotografar as vetustas varandas de madeira, ou Vilarinho, onde era dada a descobrir a história dos ‘pica-burros’. Aqueles aldeãos que iam até Bragança vender carvão, picando aqueles animais para que se despachassem… Bem precisavam de despachar alguns participantes, que não resistiram a provar o mel da Apimonte e descobrir mais sobre a região, fortemente dinamizada pelo apicultor local Luís Correia.



Santuário bem preservado

Comecemos pelos soutos, cuja sucessão dos portentosos castanheiros está já assegurada com a plantação de jovens árvores Castanea sativa. Frondosos, proporcionariam boas sombras e uma frescura que se agradeceria nesta altura do ano. Isso em condições normais, porque assim, com tempo farrusco e algumas gotas de chuva, ofereciam um cenário místico, para apreciar com tranquilidade. E, dessa forma serena, poder encontrar veados ou corços, javalis ou águias-reais, cegonhas-negras ou até um lobo-ibérico! Afinal, nos 75 mil hectares do Parque Natural de Montesinho habitam 80% das raças de mamíferos conhecidas em Portugal e mais de 160 espécies de aves. O que é constantemente recordado com pinturas em paragens de autocarros e outras paredes, evocando motivos da fauna e flora locais ou, simplesmente, temas da vida transmontana.

Ora entre bosques, ora por entre lameiros, aproveitando a agradável estrada nacional 308, sempre com a fronteira espanhola por perto, lá foi a caravana até Meixedo, seguindo depois, lado a lado com o rio Sabor, até França e o seu casario típico. Depois, a subida a Montesinho, aldeia de granito e lousa, materiais mais resistentes ao calor e ao gelo, para fazer frente aos nove meses de inverno e três de inferno que cada ano traz.

As ruelas estreitas e inclinadas anteciparam a conversa de café onde, entre anedotas e curiosidades, ia-se descobrindo a dureza da vida destas gentes. Curtidas pelo isolamento e pelo frio de uma serra cujo pico mais alto, na Lombada Grande chega aos 1486 metros de altitude. É a 4.ª mais alta de Portugal, depois da Estrela, Gerês e Larouco, e se pensarmos que do lado espanhol (Sierra de la Parada) existe um pico que se eleva aos 1735 metros seria apenas ultrapassada pelo Alto da Torre.


Os caretos e uma língua que une povos

Descendo novamente ao vale do Sabor, rio que é companhia omnipresente nos dois primeiros dias da grande aventura mototurística, Aveleda e Varge, duas das 92 aldeias englobadas no Parque, mostraram mais animação, com os seus caretos, antes da entrada na segunda parte deste Passeio de Abertura. Com estradas panorâmicas no topo das serras, rumo a Rio de Onor. A famosa aldeia que pertence a dois países, com metade da população a viver em cada lado da fronteira e onde a língua é só uma. O rionorês é o dialeto local que todos, portugueses e espanhóis, entendem e que alguns dos aventureiros do Lés-a-Lés quiseram aprender. Nem sempre com os melhores resultados.

Após a marcante passagem na ponte que corta as águas do rio de Onor, onde teve início a grande aventura, em junho de 1999, iniciava-se o regresso a Bragança. Com passagem por Guadramil, onde o abandono a que tem sido votada esta aldeia reforça o misticismo, e Gimonde, cada vez mais conhecida pela famosa posta de vitela mirandesa. Que, atendendo à hora a que alguns participantes cumpriram o Passeio de Abertura, serviu na perfeição para o jantar. E se não fosse a posta, havia sempre a oportunidade de experimentar a rica gastronomia nordestina, do cordeiro bragançano ao cabrito de Montesinho, das alheiras de caça aos enchidos de porco bísaro. Ou das trutas, em escabeche ou assadas, saídas das águas frias dos límpidos ribeiros locais, ao fumeiro, desde as tradicionais alheiras ao menos conhecido butelo, acompanhado por casulos (cascas de feijão secas).

Houve quem logo ali jantasse, com apetite que esquecer o repasto de boas-vindas a todos os participantes, e houve quem seguisse o ‘road-book’ até à bem preservada Cidadela de Bragança. No casario envolvente a um dos mais bem preservados castelos portugueses, quase mil anos de história foram mostrados em detalhes de inesquecível riqueza. Como a Domus Municipalis, Monumento Nacional desde 1910 e um exemplar único da arquitetura civil de estilo Românico na Península Ibérica. Edifício que teve a dupla função de cisterna, de perfil abobadado e subterrânea que permitia o abastecimento de água da cidade, e sede das reuniões municipais de ‘homens-bons’.

Construída por volta do Séc. XII ou XIII, com planta em forma e pentágono irregular, é em alvenaria de pedra, razão da excelente conservação até à atualidade. Isto porque este tipo de edifícios era habitualmente feito de madeira, uma vez que nem o poder municipal nem o Estado tinham meios para financiar obras civis deste género.

Curiosidade rodeou também o pelourinho apoiado numa tosca estátua zoomórfica proto-histórica: um ‘berrão’. Semelhante a outras figuras conhecidas na região transmontana, como em Murça ou Torre de Dona Chama, há quem a veja como a ‘porca da vila’ da Idade do Ferro, sendo neste caso, muito mais antiga do que o próprio pelourinho. Terá sido esculpida, em granito, cerca de 200 ou 300 anos antes do nascimento de Cristo, e a designação deriva do termo popular usado para os porcos não castrados. No entanto há autores que defendam que este ‘berrão’ possa representar um urso…

A pensar na espécie animal que terá dado origem ao ‘berrão’, foram os participantes até à sede do Moto Clube Cruzeiro, brindar a um Passeio de Abertura de deliciosas paisagens, antecâmara de uma etapa que, a partir das 6 horas da madrugada, levará os cerca de 2500 motociclistas, organização incluída, até Viseu. No programa, 304 km com passagem por Macedo de cavaleiros, Alfandega da Fé, Torre de Moncorvo, Pocinho, Meda ou Celorico da Beira, antes da chegada a Viseu, a partir das 15.30 h



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