Os professores de Bragança, que solicitaram destacamento por condições específicas aquando do concurso para colocação de docentes, começaram ontem a ser submetidos a junta médica, nas instalações da antiga Escola Secundária Rainha Santa Isabel, no Porto, agora ocupadas pela Direcção Regional de Educação do Norte (DREN). Os docentes entraram mudos e saíram calados, fugindo às questões dos jornalistas e mantendo um silêncio que se tornou eloquente.

\"Não podemos falar. Nem pensar, senão perdemos o autocarro\", atirou uma docente, que integrava um grupo de sete ou oito professores de Bragança que abandonavam o \"Rainha\", subitamente apressados, depois de permanecerem cerca de meia hora à conversa no átrio de entrada, vedado o acesso dos profissionais de Comunicação Social destacados para o local.

Estava previsto que fossem observados ontem pelos médicos trinta docentes da área educativa de Bragança, mas um dos professores em questão, que pediu o anonimato, adiantou aos jornalistas que estiveram nas instalações da DREN \"mais de cinquenta\".
Números que estranhamos, porque estivemos várias horas à entrada e contam-se pelos dedos das mãos as pessoas que entraram ou saíram; e confessaram ser professores de Bragança.

Um pouco antes saíra outra docente nas mesmas circunstâncias, mas acedeu a contar a sua história sob anonimato. \"Não tenho nada a dizer. Precisei, usufruí\", começou por referir. Mas, depois, lá adiantou que pediu o destacamento com base num atestado em que o médico alegava \"um quadro depressivo com fadiga crónica\".

\"Há bastante tempo que me sentia mal e sempre deixei passar, mas este ano o médico disse-me para usufruir do atestado\", reconheceu. \"Sempre contei com a junta médica, sabia que seria mais dia menos dia\", assegurou, explicando que \"aquilo é rápido, não estive lá dentro nem dez minutos\" e considerando que, \"se acham que o atestado é de favor, então confrontem o médico\".

Os professores ontem sujeitos a junta médica pertencem a três agrupamentos de escolas da área educativa de Bragança. Este grupo corresponde ao primeiro relatório da Inspecção-Geral de Educação. Mas o mesmo estará a suceder em mais nove áreas pedagógicas do país.

O Ministério da Educação não divulgou o número de professores envolvidos no \"caso\" dos atestados médicos duvidosos, mas calcula-se que sejam centenas os docentes que, recorrendo a um atestado médico, procuraram uma colocação à porta de casa, ultrapassando, no concurso, outros docentes melhor graduados.

Ainda em relação a Bragança, refira-se que muitos dos professores foram destacados invocando doença ou deficiência (76,3 por cento). Destes, 56,9 por cento tiveram destacamento invocando doença do foro psiquiátrico, em regra síndrome depressivo. Três referiram ser portadores de doenças incapacitantes, as quais não estão bem identificadas no relatório médico.

Este primeiro relatório da IGE concluiu que a formalização da maioria das candidaturas analisadas apresentava desconformidades que devem ser averiguadas. Recorde-se que a prioridade de colocação dada, no passado concurso, pela primeira vez, aos professores com destacamento por condições específicas, ultrapassando a afectação de professores do quadro de zona pedagógica, gerou protestos em todo o país. Em Bragança, dos 819 lugares existentes no Quadro de Zona Pedagógica, 441 (53,8 por cento) solicitaram destacamento por condições específicas.

Depois das denúncias que lhe chegaram às mãos, a IGE abriu processos de averiguação, que decorrem em dez áreas educativas: Viana do Castelo, Lezíria e Médio Tejo, Alto Alentejo, Bragança, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Vila Real, Viseu e Oeste.

Excluída pela primeira vez em vinte anos
Maria João Vasconcelos, de sessenta anos de idade e trinta de carreira docente, professora de Educação Física efectiva em Amarante, sofre de problemas cardíacos desde 1980. Há vinte anos que é sistematicamente destacada por condições específicas para o Porto, onde reside e onde se encontra o seu cardiologista.

Esta foi a primeira vez que Maria João não viu aceite o pedido de destacamento, quando tem, inclusivamente, marcada uma cirurgia ao coração para Março. O sentimento é de revolta. \"Sinto-me injustiçada. Foi a primeira vez que não fui destacada e gostava de saber porquê. Estou zangada com o Ministério da Educação. Fui ultrapassada por gente que tem menos tempo de serviço, nota mais baixa e os meus atestados médicos são verdadeiros, os outros não sei\", desabafou.

E ontem aquela docente foi submetida também a junta médica, porque, em face da situação, desde Setembro que falta às aulas, por recomendação do cardiologista, apresentando atestados médicos.
Maria João está mesmo disposta a colocar o Ministério da Educação em Tribunal, já que, segundo a legislação, a sua doença justifica as faltas, mas ela não quer ser impedida de leccionar.

Junta médica mesmo sem destacamento
Sandra Gomes, de 27 anos, cumpre o quinto ano como professora de Matemática e Ciências ao serviço do Ministério da Educação. Ficou este ano vinculada no Porto e pediu o destacamento por condições específicas para Bragança, onde residia.

No ano anterior fora colocada na Madeira e pedira o destacamento, que foi concedido, com base no facto de ser diabética insulino-dependente.

Este ano o destacamento foi-lhe recusado, com a alegação, que parece justa e que Sandra nem sequer discute, de que os melhores especialistas em diabetes estão precisamente no Porto.
Curioso é que a tenham convocado para se sujeitar ontem a uma junta médica.



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