Um grupo de dez amigos propõe-se percorrer a pé os 134 quilómetros da antiga Linha do Tua, num protesto contra a desativação, sem intenções de reverter o processo, mas para resgatar a memória.

O grupo escolheu o momento simbólico em que foram desclassificados da rede ferroviária nacional os últimos 50 quilómetros e, como já não há comboio, vai fazer todo o percurso, entre a foz do rio Tua e Bragança, a pé por etapas durante três dias, entre sexta-feira e domingo.

A maioria dos caminheiros são de Coimbra, alguns com ligações familiares a Bragança e à memória do antigo comboio em que viajaram e que nos últimos 30 anos tem vindo a deixar de apitar, num processo iniciado numa madrugada de dezembro de 1991, que ficou conhecida como "a noite do roubo".

Os avós paternos de Pedro Monteiro, um dos promotores da iniciativa, são de Bragança, e o próprio chegou a viajar no comboio do Tua e recorda a noite em que as locomotivas foram levadas da estação de Bragança num camião, por estrada.

Foi o início do fim da linha, tendo resistido apenas os últimos 50 quilómetros, entre Mirandela e o Tua, por iniciativa da Câmara de Mirandela que assegurou o transporte público ferroviário com a extensão do Metropolitano de Superfície.

Em fevereiro de 2017, a notícia de um descarrilamento despertou para a linha com três mortes, a que se somou mais uma vítima mortal, numa sucessão de acidentes, até agosto de 2008.

Nessa data, foi suspensa a circulação em quase todo o percurso. Em 2011, começou a construção da barragem de Foz Tua, e o Governo acaba de desclassificar o que restava da rede nacional de transporte ferroviário para avançar um projeto turístico.

"Tua'16 -- Comboio a Pé" é uma ação de protesto "pela desativação total de uma das mais belas e espetaculares linhas ferroviárias da Europa".

"Como não podemos percorrer os 134 quilómetros de comboio, vamos fazê-lo da única forma que nos é permitido: a pé", explicam os promotores que, ao contrário da maioria dos caminhantes e apaixonados pelo Vale do Tua, não se limitarão a percorrer o último dos troços, mas toda a antiga linha.

O percurso inclui próximo de Bragança, na estação de Rossas, o "cume ferroviário" do país, situado a 850 metros de altitude.

"Enquanto houver alguém que caminhe sobre a linha, ela não estará completamente morta", afirmou à Lusa Pedro Monteiro, realçando que este protesto "não é para inverter a situação, mas quase uma homenagem, um resgatar da memória".

Com a iniciativa querem lembrar que Bragança e Viseu são as únicas capitais de distrito de Portugal sem comboio e que a questão da linha do Tua não diz apenas respeito aos últimos 50 quilómetros, mas já vem desde 1991.

"Foi feito sempre contra a vontade das populações", vincou, lembrando que há troços da linha onde o comboio era o único meio de mobilidade das populações.

Pedro Monteiro lembra "a noite em que cortaram as comunicações e levaram as composições de Bragança, de forma mesmo clandestina, por autoridades públicas que agiram quase como contrabandistas".

O grupo de amigos decidiu fazer esta caminha agora "porque é a altura em que está previsto o início do funcionamento da barragem da Foz Tua e, consequentemente, o alagamento pela EDP do Vale do Tua, que deixará submersos os 16 quilómetros iniciais da linha".

De forma simbólica, afiançam que irão percorrer os 134 quilómetros da linha em apenas três dias, porque só assim sentirão "as dificuldades que as gentes da região têm sentido, após o encerramento da única linha ferroviária que as servia e sem a qual ficaram mais pobres e abandonadas".

" Vai-nos custar chegar ao nosso destino, da mesma forma que às populações da zona lhes custa chegar aos seus destinos", comparam.
Lusa



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