A arte sacra transmontana está prestes a ganhar os primeiros frescos contemporâneos com uma obra baseada nesta técnica de pintura que não é utilizada em novas criações há 500 anos na Diocese de Bragança-Miranda.

No pequeno santuário da Sra. da Veiga, em Alfaião, Bragança, duas técnicas especializadas começaram hoje a criar três novos painéis murais ao ar livre trabalhados com terra, cal e pigmentos naturais, que caracterizam a pintura a fresco.

As igrejas e capelas são ricas neste tipo de arte visível em paredes e tetos, mas que são legados de há séculos, sendo os frescos da Sra. da Veiga os primeiros a surgir na região desde que esta técnica, usada em obras reconhecidas mundialmente, como a Capela Sistina, começou a cair em desuso depois da Idade Média.

A explicação foi dada à Lusa por António Estevínho, o pároco do santuário onde começou hoje a execução dos trabalhos, num novo altar construído ao ar livre, no recinto daquele local de culto.

Tânia Oliveira Pires é a autora do projeto e convidou para a ajudar Kim Barcenas, outra especialista que veio para este propósito do México, um país que é escola na técnica da pintura mural.

Até agora, o trabalho que tem sido feito na região, como explicou Tânia, é nos frescos que existem, ao nível de restauro e descoberta ou destapamento de outros que tinham sido escondidos atrás de paredes modernas.

Os frescos da Sra. da Veiga são os primeiros a ser criados de novo em séculos com a técnica que descreve como “muito complicada”, pois o problema do fresco é que “tem uma margem de manobra muito curta”.

“Há X horas para fazer a pintura, é muita pressão”, disse à Lusa.

E esta pintura exige toneladas de material, como esclarece o exemplo apontado pela especialista: “só num painel vão ser usadas meia tonelada de areia e um quarto de tonelada de cal”.

“Vamos fazer muitas camadas”, salientou, explicando que à técnica do fresco juntam o esgrafitado, para a pintura ficar com relevo.

Ambas estão contentes com o desafio e por terem a oportunidade de aplicarem uma técnica de que tanto gostam numa terra pequena, onde, segundo Tânia, “vai fazer-se um trabalho como se faz em grandes igrejas e grandes espaços”.

“É bonito ver que as pessoas têm vontade de ter arte na sua terra e estar a trabalhar neste lugar de natureza ímpar”, destacou.

E foi uma senhora da aldeia que lançou o desafio e se tornou mecenas de um dos três painéis, que têm um custo global de 15 mil euros, segundo contou à Lusa o pároco António Estevínho.

A mecenas quer que a obra tenha um painel alusivo à lenda da Sra. da Veiga, que terá acudido ao pedido de um agricultor para lhe salvar os animais da queda num precipício ou, noutra versão, levou perante a Inquisição outro habitante que dizia ter visões da santa.

Esse será o painel central, ladeado por outros dois com motivos religiosos que serão de melhor perceção a quem os visitar através de um guia que o pároco está a preparar.

A preparação do projeto levou um ano e tem de estar pronto a 06 de agosto, véspera da romaria anual.

Este trabalho resulta de um pedido dos mordomos para requalificar o largo e o pároco decidiu avançar com um projeto integrado.

António Estevínho contou que foram feitas prospeções arqueológicas do local, que demonstraram estar-se perante “uma zona da romanização”, com as termas de Alfaião ao lado e a descoberta de moedas do século primeiro, assim como “verónicas” (pequenas medalhas), que poderão ser do século terceiro ou quarto.

A Sra. da Veiga terá passado a local de culto religioso na época medieval e o pároco acredita que tem também potencial turístico pelo enquadramento paisagístico, reforçado com a nova obra dos painéis murais a fresco.

Mesmo com a pandemia Covid-19, a festa religiosa continua a ocorrer a 15 de agosto, este ano com a novidade do altar ao ar livre.



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