Os governos centralistas de Lisboa prometeram medidas e anunciaram novas políticas para travar e inverter a desertificação no interior do país, onde se inclui Trás-os-Montes e Alto Douro. Mas nada fizeram. Continuaram a investir e a apostar apenas no litoral. Os resultados ficaram à vista nas primeiras conclusões dos Censos 2001: Trás-os-Montes e Alto Douro, nos últimos dez anos, voltou a perder população – 28.814 pessoas a menos.

Os números revelados pelos resultados preliminares dos Censos 2001 não enganam – os Governos de Lisboa – tanto do PSD como do PS – continuam de costas viradas para Trás-os-Montes e Alto Douro.

Dos 34 concelhos todos perderam população nos últimos dez anos, à excepção de Bragança, Chaves, Mirandela e Vila Real.

Mas, mesmo nestes concelhos, apenas os núcleos urbanos cresceram um pouco. As suas freguesias rurais continuaram a perder gente.

Entre os 15 concelhos de todo o norte que perderam mais população, 13 são de Trás-os-Montes e Alto Douro. Só o concelho de Boticas perdeu, nestes últimos dez anos, uma quinta parte da sua população – de 7.936 residentes passou para 6.411.

Também Carrazeda de Ansiães, Montalegre, Vinhais e Vimioso perderam mais de 15 por cento da suas populações.

Freixo de Espada à Cinta, Tabuaço, Valpaços, Armamar, Régua, Ribeira de Pena, Vila Pouca de Aguiar e Alijó perderam todos mais de 12 por cento dos seus residentes.

O concelho de Valpaços, por exemplo, cuja sede recentemente foi elevada a cidade, perdeu mais de 3.000 cidadãos desde 1991. A Régua diminuiu 2.800 pessoas e Montalegre perdeu mais de 2.600.

No Douro Sul, Lamego perdeu duas mil pessoas. No distrito de Bragança as maiores quedas verificaram-se em Vinhais, também com menos 2.000 pessoas, e Carrazeda, que perdeu 1.600.

Em todo o caso, em termos estatísticos, porque a região de Trás-os-Montes não existe, os dados divulgados referem-se a uma designada "Região Norte". E a população desta, no seu conjunto, cresceu em 208 mil indivíduos.

Em termos políticos – a usar internamente ou no estrangeiro – os Governos de Lisboa poderão, assim, dizer que também aquela a que chamam "Região Norte" cresceu demograficamente. O facto de o país não estar dividido em verdadeiras regiões administrativas permite que se esconda, assim, a realidade, designadamente, a de Trás-os-Montes e Alto Douro.

Aliás, logo que os resultados preliminares dos censos foram conhecidos, alguns políticos – de Lisboa ou dos que, na região, estão ao seu serviço – logo se apressaram a declarar a alguns órgãos de comunicação social que alguns concelhos cresceram em termos populacionais (referindo-se a Bragança, Chaves, Mirandela e Vila Real). Isto quando é sabido que os quatro concelhos que cresceram ligeiramente o fizeram à custa da galopante desertificação dos seus vizinhos. E mesmo os concelhos que em Trás-os-Montes e Alto Douro cresceram, viram, nos últimos dez anos, as suas aldeias a ficarem ainda mais desertificadas.

O crescimento que se observou na dita "Região Norte" apenas acontece nos concelhos do litoral. Aliás, nas zonas do Grande Porto, no Ave (Fafe, Guimarães, Famalicão, etc.) no Cávado (Braga, Barcelos, etc.). Entre Douro e Vouga (Feira, Oliveira de Azemeis, S. João da Madeira) e Tâmega (Amarante, Felgueiras, Paços de Ferreira, etc.), reside mais de 80 por cento da população da designada "Região Norte".

Para se ter uma ideia da diferença de realidades comparem-se, por exemplo, os seguintes dados: só o concelho de Vila Nova de Gaia tem mais 3.175 habitantes que todo o distrito de Vila Real juntamente com os dois maiores concelhos do distrito de Bragança (Bragança e Mirandela); para ter uma população semelhante a Vila Nova de Guaia, o concelho de Freixo de Espada à Cinta teria de ser multiplicado por 70; enquanto a densidade populacional da freguesia e S. Nicolau, no Porto, é de 17.720 habitantes por quilómetro quadrado, a de Rio de Onor, no concelho de Bragança, é de três habitantes por quilómetro quadrado.

À diminuição de 28.814 pessoas na região de Trás-os-Montes e Alto Douro, um pouco mais que o número de habitantes que havia em Mirandela há dez anos, correspondeu um aumento de 26.567 habitantes só no concelho portuense da Maia, que viu a sua população aumentar, em igual período, de 143.178 pessoas para 166.462.

Poucos e pobres...

Mas contentes

O facto de a região de Trás-os-Montes e Alto Douro estar diluída numa "inventada" "Região Norte" em que se mistura Vimioso com S. João da Madeira ou Carrzeda de Ansiães com a Maia, impossibilita que os concelhos transmontanos tenham força – ou sequer estatuto – para poderem reivindicar ou exigir uma inversão da continuada e nefasta política de Lisboa.

A falta de uma efectiva região de Trás-os-Montes e Alto Douro, com voz e poder administrativo – e também alguma autonomia política – para que se possa impedir o total definhamento social da região, tem vindo a ser aproveitada pelos políticos de Lisboa que, ansiosos por votos, apenas se têm preocupado em investir na capital e no litoral. Sem vozes fortes e com legitimidade a protestar contra a política suicida que está a dizimar o interior, os centralistas, sem que ninguém os tivesse incomodado, já vivem com um nível de vida superior à média europeia. E, em parte, à custa de avultadas verbas europeias destinadas às regiões mais pobres e que, impunemente, desviaram para si.

Actualmente, na ausência das regiões, os autarcas transmontanos são, pura e simplesmente ignorados. Porque os investimentos e as grandes obras apenas se fazem onde há grandes concentrações de população (e votos), tem mais força reivindicativa o simples presidente da Junta de Freguesias de Ramalde (com 36.300 habitantes em 1991) que Jorge Nunes, presidente do município de Bragança (com 34.689 residentes em 2001); mais facilmente atenderá o poder central aos anseios da Junta de Freguesia de Novigilde (5.756 residentes) que aos presidentes das Câmaras de Vimioso ou Freixo de Espada à Cinta, cujos concelhos têm menos população (e votos).

Mas se, internamente, a alegada "Região Norte" permite este estado de coisas, a nível Europeu, Trás-os-Montes e Alto Douro é também maltratada. A União Europeia apenas envia fundos para as regiões que estejam abaixo da fasquia dos 75 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) da média europeia.

Ora, Trás-os-Montes e Alto Douro situa-se nos 40 por cento. Em 2006 não tingirá, obviamente, os 75%. E, por esse facto, poderia, nessa altura, continuar a beneficiar dos fundos estruturais, ao abrigo do IV Quadro Comunitário de Apoio. Mas isso, provavelmente, não vai acontecer. E porquê? Porque a região de Trás-os-Montes e Alto Douro, embora sendo uma

realidade geográfica e social, não existe formalmente – está diluída na tal "Região Norte", misturada com a zona industrial do Ave e de Entre Douro e Vouga, com o Porto, Braga, Guimarães, Felgueiras, Maia, Vila Nova de Gaia, Matosinhos, etc.

"Região Norte" que, graças à contribuição dos valores do PIB já atingidos no litoral, fazem com que a média de todo o norte se aproximem já dos 75%. Isto é, enquanto a "nossa" "Região Norte" estiver em condições de receber fundos comunitários, estes aplicam-se sobretudo onde há grandes concentrações de população. Quando a média de toda a "Região Norte" atingir os 75% (o que quer dizer que em algumas zonas do litoral já andará próxima dos 100%), a região de Trás-os-Montes e Alto Douro, ali incluída, com valores muito inferiores aos 75%, passará a ser excluída dos fundos estruturais.

Mesmo assim, chamados a votar pela criação da sua região, a maioria dos transmontanos nem sequer se dignou ir às urnas. E os que foram votaram maioritariamente pela continuidade do centralismo de Lisboa.

Em todo o caso, e apesar de todas estas evidências, a maioria dos transmontanos – dos que ainda não se foram embora – não têm manifestado qualquer relevante desagrado pelo desprezo com que têm vindo a ser tratados. Aliás, a esmagadora maioria dos que ainda votam nas eleições dá o seu voto aos partidos que são responsáveis pela pobreza e desertificação da nossa região.

Nota: Os números e os dados referidos neste texto são rigorosos. Contudo, a sua interpretação reflecte apenas a opinião que o autor do artigo tem sobre o assunto. Opinião – necessariamente subjectiva – que poderá não coincidir com outras, igualmente legítimas, sobre o mesmo tema.



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