Apesar de hoje depender quase só da agricultura, a aldeia de Vale da Porca já foi forte noutro tipo de actividade: a exploração de talco e calcário, que existem em abundância no subsolo da localidade.

No entanto, agora, já não é assim. Do primeiro, existe apenas uma mina em actividade. Do segundo, só existe a memória de fornos em ruínas que, em tempos idos, ajudaram a sobreviver famílias numerosas. Um feito que nostalgicamente ainda é recordado por alguma gente que gostava de ver preservados os vestígios culturais que restam dos ditos fornos.

Ao contrário da fábrica de talco de Vale da Porca, que, apesar de já não ter a importância de outros tempos, ainda está activa e tem mercado garantido, a extracção de calcário, que continua a existir com abundância no subsolo desta localidade, acabou há cerca de 40 anos, com a morte do último explorador, o padre António Calvão. Os tempos agora são outros. Na construção civil, a cal foi substituída pelos inúmeros tipos de tintas industriais e a caliça pelo cimento.

Há, porém, outras aplicações possíveis que poderiam revitalizar a sua produção. Misturada com o sulfato de cobre, a cal entra, por exemplo, na composição da calda bordalesa, que ainda é utilizada para combater o míldio da vinha. No entanto, para já, desta actividade sobram apenas ruínas e nostalgia. Os fornos mais antigos já estão em completa ruína e um, de construção mais recente, está em adiantada fase de deterioração. Durante alguns anos foi o seu antigo forneiro, José Carção, que o utilizou como palheiro e alpendre para guardar os apetrechos agrícolas. Mesmo assim, a parte que cobria o espaço entre a saída do forno e o armazém da cal, já caiu.

Na altura em que os fornos de cal ainda laboravam com força, há cerca de 40 anos, a jeira rondavam os 10 cêntimos (20$00), dinheiro com que muitos trabalhadores cria-ram muitos filhos. Naquele tempo, na localidade eram cerca de 37, entre os que faziam e carregavam a lenha, os homens que trabalhavam nos fornos. Nos de construção mais antiga, cada fornada produzia oito toneladas de cal, em cada três ou quatro dias. Para isso, era preciso primeiro ir buscar uma pedra de calcário do tamanho que um homem a pudesse carregar num carro de bois. A lenha utilizada era raízes de urze.

Seguidamente, a pedra era cortada ao tamanho da brita e medida com utensílios de madeira, denominados rasões, e colocada em camadas intercaladas com igual quantidade de lenha, tudo bem calcado, até à boca do forno, que teria de continuar a encher-se à medida que a fornada ia abatendo com o calor do forno. Isto durante os três ou quatro dias que durava a operação. Esta só terminava quando o material deixava de abater. Cada fornada chegava a levar 17 camadas de lenha e pedra. No fim, a cal que ficava em pedra retirava-se por baixo e era carregada em carros de bois que a transportavam para vagões estacionados na estação de caminhos-de-ferro do Azibo (Vale da Porca), situada a pouco mais de 50 metros dos fornos. A caliça, que era a parte que ficava em pó, era aproveitada para fazer a argamassa que, na época, substituía o cimento.

O forno de construção mais recente, além de maior capacidade de produção, tinha a vantagem de permitir, não só a utilização de qualquer tipo de madeira, mas também a aplicação de qualquer tamanho de pedra, o que, evidentemente, poupava bastante mão-de--obra. De resto, o processo era semelhante ao que era utilizado nos fornos mais antigos.

Em Vale da Porca, hoje as pessoas sentem pena de que os fornos acabem por desaparecer e com eles a memória da componente económica que foi a sobrevivência de muitas famílias, durante muitos anos.

O capitão, reformado do exército, José Rodrigues, natural de Vale da Porca, recordou ao Semanário TRANSMONTANO dois episódios elucidativos da importância da indústria da cal, na sua aldeia. Um diz respeito aos alunos da escola primária da época, que andavam sempre munidos de pequenas pedras de calcário que serviam para escrever no quadro quando faltava o giz. Outro foi o que ocorreu no seu exame de quinto ano do liceu (equivalente ao actual 9º ano) por ter tido a sorte de na prova oral de física lhe ter sido feita uma pergunta acerca do calcário e do fabrico da cal.

Por fim, esta questão terá acabado por ser quase a única, devido ao interesse que a descrição/resposta despertou aos examinadores. Daí o pensar que a preservação dos fornos seria também um acto de alcance pedagógico para as escolas do concelho.
Confrontada com esta situação, a vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros, Sílvia Garcia, afirmou que a autarquia tem em mente incluir a preservação dos ditos fornos, bem como os da telha romana de Salselas, no programa de reabilitação do património histórico-cultural do concelho, em curso, e a cargo da equipa liderada pelo arqueólogo, Carlos Mendes.

No entanto, a autarquia tem sido confrontada com problemas levantados pelos herdeiros do forno de cal, mais recente. Existe, no entanto a esperança de que estas dificuldades possam vir a ser ultrapassadas.



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