Quase desde que me conheço, que crise é palavra pronunciada neste Douro de Deus, onde os homens e as mulheres com muito custo labutam em redor
das cepas. Mas também desde que me conheço, que indiferença e tendência para a lamentação, é coisa que medra por aí a toda a força, como se fizesse parte da essênciade todos aqueles que vêem a luz do dia pela primeira vez em terras de para cá do Marão.
No entanto se virmos bem, existem elementos que até no podem levar a dizer que até agora e comparativamente a outras regiões agrícolas, se calhar a crise por aqui até nem foi mesmo muito séria ao longo dos tempos, contrariamente ao que se pode afirmar agora, que pode ser bem maior do que aquilo que eventualmente possa parecer.
Durante séculos habituada a um regime de serventia a tocar a escravidão, muita boa gente começou a falar em crisequando o trabalho deixou de ser desde a alva até ao sol posto,e quando uma sardinha deixou de dar para três bocas. As relações sociais foram mudando, as condições foram melhorando para quem nunca haviam melhorado, e piorado para quem nunca haviam piorado. O mundo foi-se alargando, o comprar e o vender deixou de ser o que era, e o futuro deixou de ser aquilo que sempre foi.
Contudo, graças ao cultivo mais ou menos cuidado de um produto seguro e vendido a peso de ouro, os rendimentos dequem tinha uns hectares de bem ao luar proporcionavam gastos à tripa forra, sem que frequentemente se sentisse o urgir da modernização, ao mesmo tempo que tudo ia andando bem, porque tudo acabava bem.
As folias começaram a seraqui e ali encurtadas, mas a vida lá ia rolando ao jeito das contas do “ benefício” que mais coisa menos coisa, sempre foi dando para a granjeio e algo mais como a necessária bucha de muitos, e o redondo e avolumado bucho de uns poucos.
Mas os tempos foram-se alterando ora para melhor, ora para pior, e
eis –nos chegados a um ponto, em que a porca começa a torcer o rabo como diziam os antigos. Os custos da actividade em que se fazem as fragas escorrer sumo doce, são cada vez mais elevados, ao mesmo tempo que os proventos são cada vez mais baixos.
O que até aqui era mais que certo, está a passar a ser muito incerto, e toldam-se os dias que hão-de vir, porque os rendimentos são cada vez mais minguados e menos seguros, e os trabalhos são cada vez mais alargados e de resultados altamente inseguros.
Mas à nossa velha maneira, os apertos de cinto têm vindo a ser escondidos e tidos como algo que só afecta os outros, e cada qual olha para o próprio umbigo, como se o seu fosse o centro do mundo, e como se no armazém respectivo estivesse guardado o melhor vinho do mundo.
Enquanto isto, questões como as da Casa do Douro, da alteração do Quadro Institucional, e outras que tais, foram tidas como assuntos a que não valia a pena dar atenção, e aos quais alguém havia de dar um jeito. Quanto a coisas como qualidade das uvas e a comercialização dos vinhos, com elas não valia a pena perder sono, pois o de cada um em particular e o do Douro em geral, era e é o melhor do mundo, e toda a gente o queria e quer beber.
Mesmo que estejam em causa profundas alterações que podem levar para o melhor e para o pior ao desaparecimento do Douro como hoje o conhecemos, pouco ou nada se reage, ou caso se reaja, reage-se à maneira troglodita sem que se saiba bem como, quando, e porquê.
Em torno de tudo isto, fala-se muito e disse pouco. Por um lado uns defendem um certo imobilismo que levou ao estado a que isto chegou, e outros defendem uma dinâmica copiada de outras bandas, mas que por aqui se não ajusta, pois o Douro tem um produto único no mundo, e uma situação económica e social exclusiva.
Isto o percebeu já há quase trezentos anos o senhor Marquês, quando ao conhecimento dele chegaram por certo ecos da crise no Douro, esta região que nos coube em sorte, e cujo futuro nos compete garantir com os tonéis a abarrotar de néctares que até aos deuses invejam.
Uuma crise quase eterna

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