Teresa A. Ferreira

Teresa A. Ferreira

Tradições de Natal

Terminado o primeiro período escolar, em Bragança, era tempo de rumar a casa. Despedia-me dos colegas de escola (Cina, Raquel, Jorge, Quim, Tó Zé, Manuela, António…) com os olhos postos no aconchego familiar e nas festividades que estavam para vir: a matança do porco, fazer o fumeiro, os serões à lareira, a comida confecionada nos potes, as torradas feitas nas primeiras brasas da lareira regadas com azeite e muito amor, as Festas dos Caretos…. Participava em tudo, ao meu jeito, e de tudo guardo boas lembranças.

Quando chegava o dia de matar o porco, fugia e escondia-me tapando a cabeça com almofadas. Doía-me a alma a gritaria do animal. Queimavam-lhe os pelos com um molho de palhas, enquanto um alguidar retinha as últimas gotas de sangue. Eram várias pessoas à volta dele, cuidando de tudo a preceito. Minha mãe ia lavar as tripas ao ribeiro. Eu só aparecia por perto quando o animal ficava dependurado numa trave, de cabeça para baixo. No dia seguinte, era o tempo da desmancha. Os presuntos iam para a salgadeira, assim como as orelhas e outras partes. Retirava-se carne do lombo para fazer os salpicões, carne da suã para as alheiras, carnes e mais carnes eram divinamente separadas, cada uma cumprindo a sua função. Lembro-me de se fazer umas sopas com sangue cozido do porco, assim como, chouriças doces de sangue que eu tanto apreciava. Como me sabia bem o entrecosto grelhado na lareira, depois de passar uns dias em vinha de alhos. E os chichos assados nas brasas? Petisco de lamber os dedos.

Dali a nada, matava-se as galinhas mais velhas para as alheiras. Dias de grandes funções. Bem me lembro de ver enormes potes a ferver na lareira com carnes lá dentro, um alguidar de lata cheio de pão fatiado - sete pães de trigo cozidos em forno de lenha -, uma malga de alhos picados e outra de salsa, azeite com fartura e pimentão doce. Quando as carnes estavam bem cozidas eram divinamente desfiadas para se juntarem ao pão. Regava-se por cima com o caldo de cozer as carnes, punha-se o alho, a salsa e o azeite quente. Mexia-se tudo com colheres de pau e enchia-se os chouriços azedos que eu tanto adorava. Por fim, juntava-se o pimentão doce, envolvia-se tudo e enchia-se as tripas das alheiras de forma manual.

Era um regalo ver todo o fumeiro dependurado por cima da lareira.

O Natal aproximava-se e as festas também.

Na minha terra o Natal tem um sabor diferente de outras localidades transmontanas. Temos uma festa única “Festa dos Caretos, dos Rapazes e de Santo Estêvão de Torre de Dona Chama”, que é Património Cultural Imaterial Nacional.

Vou contar-vos como se passa nos dias de hoje.

Começa no dia 25 de dezembro, depois do jantar, com o acender da fogueira, no Largo do Pelourinho, e só termina no dia 26 à tardinha com a queima do castelo. É uma festa muito participada, onde ricos e pobres se divertem lado a lado. O público aderente, cresce de ano para ano, não fossem estas festas um grande palco de calor humano e diversão.

A festa simboliza a reconquista cristã do castelo aos mouros. Como os mouros eram muito mais que os cristãos, houve a necessidade de montar uma estratégia para vencê-los.

Depois de os mordomos acenderem a fogueira, um grupo de gente percorre as ruas da vila, deitando os jogos à praça, ou seja, distribuindo uma senha de guerra, de casa em casa. Outras pessoas percorrem as lojas dos animais à procura de burros para roubar, isto é, na falta de melhor montaria, roubam o que há, cujo objetivo era enfraquecer moralmente os mouros. Esses burros serão guardados para o desfile da ciganada no dia seguinte de manhã cedo.

À volta da fogueira, junta-se o povo e todos quantos pretendam assistir às festas, convivendo e degustando as iguarias que ali são servidas. Ninguém passa fome ou sede.

No dia 26 de dezembro, bem cedo, há o desfile da ciganada, assim como das Madamas - gente vestida de forma a não ser reconhecida. As Madamas envergam nabos ou rabas a fingir de falos e atiram cinza às pessoas.

Às 14 horas ocorre a eucaristia em honra de Santo Estêvão, onde se tenta a rendição dos mouros. Não se rendem. Os Caretos aguardam fora da Igreja, pois são uma figura pagã. Terminada a eucaristia trava-se uma dura batalha entre mouros e cristãos, ao longo das ruas da vila, ficando os Caretos do lado dos mouros. Esta batalha culmina com a vitória dos cristãos, que acabam por queimar o castelo mouro no Largo do Prado.

Sintam-se convidados a assistir e participar nesta extraordinária festa natalícia que - por enquanto - ainda não foi tomada pela maçonaria, introduzindo pentagramas, diabos, bodes e filandorras – a tudo chegam fogo -, com o intuito de criar um espetáculo flamejante de tributo a baphomet, desvirtuando a tradição e fazendo crer aos visitantes que sempre foi feito assim. Estes espetáculos degradantes estão a acontecer em várias localidades de Trás-os-Montes, com a bênção de Presidentes de Câmara, Juntas de Freguesia e Associações Culturais.

Meus caros:

Para captar turistas não vale tudo. Ser-se genuíno é a melhor forma de lá chegar.


©Teresa do Amparo Ferreira, 19,12,2023





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