Após um ciclo de três actos eleitorais, cada um deles com objectivos distintos e a que corresponderam resultados bem diferentes, o que fica para os cidadãos é sempre um mar de incertezas. Se a aproximação das eleições é tempo de esperança, de expectativas de mudança de rumo ou pelo menos de mudança de líderes, o dia seguinte é sempre esta espécie de ressaca em que os cidadãos parecem acordar dum Carnaval bem carregado de emoções para um acto de contrição de quarta–feira de cinzas. Será que mudou alguma coisa?
As eleições ocorreram em plena crise do capitalismo, num momento em que os seus principais símbolos – as instituições financeiras - parecem apostados em recuperar rapidamente as posições de poder apenas abaladas. A economia real, essa, continua na senda das falências inevitáveis ou estratégicas, a produção não descola porque não há mercado e espera-se – desespera-se – um crescimento balbuciado pelas organizações internacionais que não se sabe muito bem donde virá. Terminados os anos de consumo à tripa forra e a crédito fácil nos Estados Unidos, não se vislumbra qual o novo motor que trará de volta essa miragem do capitalismo que é o crescimento. E as questões que se colocam são: crescer como, até quando e para quê?
Entretanto cresce o exército dos desempregados e aumenta a exclusão social. O trabalho é um factor cada vez menos necessário na missão de produzir bens e serviços, e o desemprego tornou-se a preocupação aparente de todos os governos. E prometem-se programas, reconversões, requalificações, mobilidade sustentada, inventam-se novos eufemismos como flexisegurança, apela-se à superqualificação…enquanto a percentagem cada vez menor dos que ainda têm trabalho são submetidos a horários excessivos, ritmos de trabalho desumanos, tempos de deslocação absurdos, objectivos quantificados ao segundo, stress permanente e salários insuficientes. E, se isso não bastar, aí estão as propostas de trabalho forçado, lançando sobre os desempregados a culpa da situação ou a acusação de preguiça.
Os governos são eleitos para quatro anos e pensam e agem a quatro anos, gerem o curto prazo das ambições políticas ou pessoais dos seus membros e do aparelho que os sustenta no poder. Nem uma visão a médio prazo, nem uma análise prospectiva do futuro, nem uma reflexão sobre os absurdos e contradições do dia a dia. Não os emociona a violência crescente dos bairros suburbanos, o desespero daqueles a quem se prometeu um futuro risonho e que passam a vida nos gabinetes das agências de emprego à procura de biscates, a insuficiência de meios par manter um aparelho de justiça eficaz, uma escola que seja esperança de futuro e uma saúde para todos.
Os cidadãos votaram, pois, neste contexto. E, se as eleições provocaram alguma agitação nas águas mornas do conformismo político, com as forças das margens a crescerem significativamente em detrimento do centrão do poder, em breve se cairá de novo nos lugares comuns, na mentira política, nos acordos de bastidores e na prática que dá corpo ao pensamento único.
No plano europeu a situação é idêntica: os irlandeses foram levados a engolir o orgulho com que haviam votado contra o Tratado de Lisboa e, após as assinaturas dadas ou esperadas da Polónia e da República Checa, a nomenklatura de Bruxelas prosseguirá a sua obra de liberalização por cima dos protestos dos produtores de leite ou dos pescadores, indiferente aos milhões de excluídos do sistema como às manifestações de nepotismo indecoroso ou corrupção mal encoberta que, em vários países europeus, põem em causa os fundamentos da democracia ou da república.
Entretanto, no país, tentaram distrair-nos com histórias picarescas de espionagens e jornalistas, numa miserável representação de responsáveis políticos de quem se espera elevação e sentido de Estado.
Espera-se agora a formação dum governo sem maioria parlamentar que lhe garanta a dolce vita e a arrogância do que foi a governação cessante. Será provavelmente o tempo das belas frases, da comunicação fácil e optimista, da bela retórica a abrir telejornais, da continuação da promiscuidade entre a política e os negócios privados, dos entendimentos à margem das instituições, porque os excluídos, esses, só podem queixar-se de si próprios e…vá lá, consolar-se com a explicação que a culpa é da crise! Afinal, votámos para quê?