Hoje está-me a dar para escrever sobre telenovelas. Telenovelas que são tão bem feitas, tão bem feitas, umas, que mais parecem da vida real, e outras tal mal feitas, tão mal feitas, que mais não fazem do que atestar a falta real de competência e de horizontes dos que lhes dão forma.
Nas primeiras, não é necessário estar-se muito atento, para nelas incluir todas ou quase todas as que são dadas à estampa do lado de lá do Atlântico, no Brasil, onde poderão não fazer muito mais coisas de jeito, mas lá que neste assunto pedem meças seja a quem for, lá isso pedem.
Nas segundas, também não é necessário perder-se grande tempo, para logo de nelas se incluírem todas ou quase todas as que são feitas cá pelos nossos lados, país europeu de razoável tradição na arte de representar, mas que teima em cultivar a mediocridade, como se ela fosse de bom tom, numa atitude que contudo enche barriga a muito boa gente.
Para o bem e para o mal, umas e outras são sem dúvida alguma a grande passatempo nacional, e convenhamos, raro será o lar, em que pela noite as pessoas se não entretenham a seguir as peripécias amorosas e rufionas deste ou daquele personagem, que por força do convívio arrastado de meses, quase vira pessoa lá de casa.
Por causa disso, nem se imagina sequer, a influência social e comportamental que este tipo de séries a passar na televisão, têm nesta nossa sociedade cada vez mais pobre, de uma classe média cada vez menos remediada, e sem recursos para manter ou cultivar outro tipo de hábitos culturais. Repara-se no preço dos bilhetes do cinema, dos livros, ou do litro de gasolina, e logo se concluirá que romper sofá é a sina de largos milhões de portugueses, por mais apetites que haja de se ir em busca seja do que for de portas para fora.
Ir para o centro comercial passear a sogra e mais a prole no automóvel com o cãozinho de cabeça a abanar, para além do seguir sem desviar olho a telenovela, é o que resta cada vez mais por gosto mas também por obrigação àqueles que em tempos livres queiram espairecer o juízo, como convém a quem muito use a mioleira na azafama diária na procura de um sustento cada vez mais difícil.
Quando se fala por isso, de telenovelas como é aqui o caso, toda a gente sabe do que se fala, e toda a gente reconhece que as brasileiras são mesmo bem feitas. As telenovelas claro. E toda a gente reconhece que as portuguesas, são mesmo mal feitas. As telenovelas obviamente também, que o resto não é para aqui chamado.
Podem dizer que isso sucede porque os brasileiros têm mais prática porque as realizam há mais tempo, o que é verdade. Mas não é por aí, que o guisado se estorrica, não senhor. É que lá, têm a preocupação de retratar a vida quase como ela é. Uma pessoa segue aquilo, e dá-lhe mesmo a impressão que conhece alguém ou alguma situação igual à que está a ver na telenovela, enquanto que por cá, têm é a preocupação de se armarem em finos de Cascais, que nem conhecem um engaço, e julgam que os iogurtes nascem nas árvores já com embalagem e tudo.
Os argumentos são de uma pobreza de meter só, e as representações são de arrepiar os cabelos de um cristão se os tiver. Serão digo eu, não sei, o reflexo de um país que faz da cultura um luxo, da escolaridade uma mera realidade estatística, e da televisão o único alimento da alma com as sua telenovelas de vidas que já nem se sabem se são ou não reais.
E agora desculpem, mas está a começar a telenovela que ando a seguir, que é aquela em que o vizinho da cunhada da tia, ama muito a namorada do amigo, mas não lhe pode dizer, porque o amigo é filho de um primo da avó. Para mim, ele vai descobrir que é irmão da mulher que ama, que por sua vez tem uma amiga em quem ele não reparou, mas que é muito bela, e o ama mesmo até à loucura. Falta saber é se a megera da madrasta, não irá fazer mal à coitada da inocente que sofre por amor…