A anunciada descida em 3,75% da TSU (Taxa Social Única) para as empresas, a concretizar-se, será uma daquelas medidas que produzem um tiro no pé e destroem ainda mais o já fraco conceito de justiça social, até agora imanente à democracia portuguesa. É certo que as em,presas necessitam de estímulo e redução de impostos. Mas, no actual cenário, de restrição económica e financeira, se algum imposto deve ser retirado às empresas é o estúpido IRC (imposto sobre rendimentos colectivos).
Expliquemos porquê em alguns pontos.
Primeiro: a TSU é um dos sustentáculos da Segurança Social. Ao diminuir a TSU está-se a provocar um rombo de oito euros por cado ponto percentual, em média mensal por trabalhador (112 de média anual), o que multiplicado por 4.000.000 de trabalhadores na Segurança Social dá 32.000.000 de euros mensais e 450.000.000 anuais. Isto para um ponto percentual. Se multiplicarmos por quatro, como0 ptretende o Governo, ou por seis, como pretende a Troika, esamos afalar, respectivamente, de 1.800.000.000 e de 2.700.000.0000.
Qualquer uma das opções agravará as dificuldades no pagamento das prestações sociais e das aposentações.
Segundo: é também um rombo no orçamento de Estado pois este terá de canalizar para o orçamento da Segurança Social aquele dinheiro ou, então, terá de deixar de pagar muitas aposentações e muitas prestações sociais.
Terceiro: a democracia portuguesa estruturou o imposto IVA na base da protecção de alguns bens de acesso geral, aos quais aplicou taxas mais baixas, de 6 e de 13%. Fala-se agora em que, para compensar a tal perda de 1600 milhões, se vai suprimir a taxa de 13% e aumentar a de 6%. Argumenta-se que é uma acção justa porque toca a todos. E eu contra-argumento: só que desprotege os pobres, que são obrigados a pagar mais e não beneficiam da redução da TSU. Enquanto que os ricos só consomem mais que os pobres porque têm mais dinheiro para consumir e beneficiam da redução da TSU.
Quarto: feitas as contas, será uma medida anti-Robim-dos-Bosques, que consistirá em tirar mais aos pobres para dar mais aos empresários.
Quinto: não é fácil classificar esta medida em função do espectro político. Parece uma medida de Direita mas caracteriza-a mais a indiferença pelo sofrimento do povo, o que é próprio de regimes não democráticos.
Prefiro caracterizá-la como medida de governantes pouco espertos e de pouca atenção ao social. Ou, no outro lado, como medida de governantes desesperados porque com a corda na garganta.
Sexto: que é necessário promover a competitividade das empresas, é. Que esta medida contribua para isso, tenho muitas dúvidas. Era preferível pescar à linha e ajudar as empresas de qualidade e que realmente empregassem e produzissem. A medida, em abstracto, pode ajudar, se ajudar, 10% dos empresários e dos empreendedores, mas só vai acumular o capital dos restantes.
Sétimo: era muito preferível acabar com o IRC, o que atingiria directamente o Orçamento do Estado e não o da Segurança Social. Além disso, o IRC é um imposto estúpido, de mera extorsão aos empresários e aos empreendedores porque os coloca em situação de desigualdade face aos restantes trabalhadores e pensionistras, que só pagam IRS e IVA.
Oitavo: tenha-se em atenção, perante o que escrevo, que os empresários, os empreendedores e os comerciantes já estão beneficiados perante o IVA. É necessário esclarecer que eles não pagam IVA, apenas o emprestam temporariamente, e como investimento ,enquanto não vendem e não recebem o produto da venda da mercadoria. É um pequeno risco, é verdade, mas é apenas isso. Com efeito, quem paga o IVA todo são os consumidores. Deste ponto de vista, empresários, consumidores e empreendedores são grupos privilegiados perante os consumidores gerais. Por isso, se vêem as grandes fortunas dos mais bem sucedidos.
Nono: um Estado que quer coesão social tem de a promover. Se não, promove conflitos, miséria social e injustiças. Mais tarde ou mais cedo, pagará por isso.
Décimo: já agora, gostava de saber qual é o contributo dos empresários, comerciantes e empreendedores para o Orçamento do EStado porque, com excepção dos 600 milhões de euros do IRC mais o IRS que pagam mais as contribuições para a Segurança Social, não vejo que constituam mais do que 25% a 30% das receitas do Estado. Se, inspectores de finanças e empresários cumprissem com as suas obrigações fiscais, não estaríamos tão mal. Mas, compreendo, só paga quem é obrigado a pagar.
Undécimo: a vigarice é sempre mais fácil de passar por osmose do que a virtude. E, se o Estado deu o exemplo ao não abastecer os fundos da Caixa Geral de Aposentações com as contribuições que devia, também será normal que os empresários e os outros reivindiquem não o fazer. É esta a diferença entre Estados Pessoas de Bem e Estados Pessoas de Mal. Estes deixam de ter autoridade moral para exigirem.
Duodécimo e último: em abono de tudo o que digo, veja-se o montante declarado em vencimentos, pelos empresários e por trabalhador, à Segurança Social, sempre pelo ordenado mínimo. Depois invocam que as pensões de aposentação são muito inferiores às do EStado, levando o EStado a copiar o mal, baixando, ano após ano, as pensões de aposentação. É a vitória do Mal sobre o Bem. Não se admirem se, dentro de 20 anos, a pensão máxima for de 800 euros e a mínima de 300 euros. Como a economia será dominada pela igualdade real, sem mérito, terá vingado a igualdade na miséria.
Assim vai a democracia portuguesa.
Bragança, 11 de Agosto de 2011