… Bragança poupava milhões na fatura da eletricidade.
É um velho ditado, que há muito escuto em Bragança, vem do tempo em que lá fui estudante, na década de 80.
Curiosa interrogava os mais velhos sobre tal ditado.
- Ora menina, então não sabe? Os casamentos são quase todos de fachada. Vivem na mesma casa mas aquilo não é casamento nenhum. Os homens andam à cata de franga fresca, não perdoam uma; as mulheres, as mais ousadas, se puderem fazem o mesmo. Então não viu o caso da nossa vizinha, vai com setenta anos feitos, viúva há quatro meses e já leva o motorista para casa, para lhe aquecer os pés!? Acha que o caso é d’agora? Há que vidas andaria a enfeitar a cabeça ao marido. E bem vistas as coisas… ele também era um mulherengo. Contas saldadas!
- Oh, Dona Lurdinhas: explique lá essas coisas que, cá por mim, não dou conta de nada – nisto, tanto o Henrique como a Dona Lurdinhas, riam a bom rir com a minha ingenuidade.
Isto eram conversas ao serão, sendo que eu e o Henrique - sobrinho da Dona Lurdinhas -, morávamos lá em casa da Senhora, tinha enviuvado havia pouco tempo. Sempre lhe fazíamos companhia. Era uma senhora educada, de trato fino e muito respeitadora.
- Então eu não o digo! A menina só vê os livros! E faz muito bem.
- Vá lá, Dona Lurdinhas! Agora que começou, mate-nos a curiosidade?
- Conheço por aqui muitos casais... não valem cinco tostões furados. Quem os vê na rua até parece que são um casal que se ama de verdade, muito unidos e cúmplices, de mãos dadas… O pior é dentro de casa. Discussões pegadas e não se entendem. A minha empregada, faz limpezas nalgumas casas, põe-me o relatório em dia. E quando vou ao cabeleireiro, menina, saio de lá com as notícias a ferver.
- Ora essa?! Divorciam-se. Está o caso arrumado. – dizia eu, de pronto.
- Oh, menina, qual quê? Nesta terra o casamento é só para inglês ver. E uma mulher divorciada passa a ser olhada de lado, como se fosse defeituosa ou tivesse peçonha. Estas mentalidades ainda não apanharam com os ares da modernidade. Quando falo com a minha filha, que vive no Porto, ou com o meu filho, lá nos EUA, é que vejo a diferença. Estas mentalidades estão muito atrasadas.
- Dona Lurdinhas: sabia que o meu professor de Francês, de quando andei na Escola Secundária, é casado, mas toda a gente diz que é gay?
- Quem é o sujeito?
- Acho que é dono de uma relojoaria ou ourivesaria.
- Ah, já estou a ver. Sim, sim! Diz-se que gosta de homens e casou para o esconder. Pobre coitado! E a mulher que foi ao engano! Que tristeza. Não têm filhos, lá isso é verdade.
Os serões eram bem animados, então quando resolvíamos contar anedotas, era até não aguentar mais. Quem tinha mais jeito para as anedotas era, de longe, o sobrinho Henrique.
Nos tempos atuais, pelo que tenho percebido, as mentalidades pouco ou nada evoluíram. Continua a haver casamentos de fachada, mantidos pela aparência e comodismo dos homens e, nalguns casos, de ambos. Se os homens têm em casa quem cuide deles como se fossem filhos (tratamento das roupas, refeições, compras, higiene e manutenção da casa, etc.), e bem sabemos que os transmontanos não são dados a colaborar nas tarefas domésticas; têm liberdade para se divertir fora de casa quando lhes aprouver; então por que razão iriam pôr o casamento no prego?
O “Movimento das Mães de Bragança” conseguiu expulsar as raparigas dos bares de alterne, mas a festa continua. Quem procura acaba por encontrar, ainda que, um pouco mais longe.
No município de Bragança em 2020, foram celebrados 43 casamentos, correspondendo a uma taxa bruta de 1,3 por 1.000 habitantes; e foram dissolvidos 50 casamentos, correspondendo a uma taxa bruta de 1,5 por 1.000 habitantes.