Em crónica já antiga, mas transcrita depois no seu livro Um Momento de Ternura e Nada Mais (Editorial Notícias, 1995), o nosso prezado conterrâneo e prestigiado jornalista Afonso Praça recordava, em linguagem bem saborosa, que, afinal, os lisboetas têm saudades das berças.
Lembrei-me disto ao começar a minha colaboração com o Diário de Trás-os-Montes, a quem agradeço ter-me aberto prontamente este espaço. E porquê? Ora, porque, na realidade, são as saudades que me levam a olhar para trás "... para trás, para trás, para os tempos remotos, tão cheios de ilusões, tão cheios de embriaguês " (se bem recordo o poeta). E olhar para trás significa voltar aos anos verdes duma Bragança antiga, aos tempos do velho Liceu Nacional na Praça da Sé, ao cruzeiro isolado no meio dum círculo a que chamávamos a ilha dos tesos, aos velhos professores que ainda temos o prazer de ver vivos e dignos e aos antigos colegas duma famosa e irrequieta turma do 5.E E, que só não apanhou um chumbo colectivo porque, face à nossa infinita solidariedade, o Reitor Domingos Rijo não teve outro remédio que não fosse revogar a decisão de suspensão geral com que nos havia punido por uma brincadeira de mau cheiro. Sim, de mau cheiro, porque se tratava duma pestilenta bomba de carnaval largada numa aula de História, perante o espanto do quase apopléctico professor, Dr. Guerreiro de Alcântara.
Vêm-me à memória alguns nomes, um Alves Velho, um Guedes de Almeida, um Hermínio Gama, um Luis Carvalho, um José Figueiredo, um Rebelo, um Fernando Martins... desculpem-me outros, que os neurónios não dão para mais. Recordo-os a todos, imagino algumas carreiras de sucesso e outras nem tanto e, passadas algumas décadas, ganhas algumas rugas, sobretudo na alma, aprendidas algumas lições bem dolorosas, aqui estou de regresso às berças, a revisitar aquela que sempre foi a minha terra, a reencontrar caminhos e palavras velhas, empoeiradas na gaveta das memórias, a saborear a franqueza e a limpidez da nossa gente, daquela que ainda reconheço.
E faço-o sem saír do meu gabinete, a mais de dois mil quilómetros de distância, porque tanto me é consentido pela maravilha da técnica que transformou as relações entre os homens e deu novo alento às saudades de que falava. Era por aqui que devia começar a crónica, não fosse o ter cedido à pieguice. Vamos então a isto.
Nos últimos anos quebraram-se, dum momento para o outro, as contingências do isolamento das comunidades portuguesas no exterior. Quase sem se dar por isso, a maior parte dos portugueses passaram a ter as notícias da terra a entrar-lhe pela casa dentro através da RTPi, e descobriram ao mesmo tempo a facilidade com que a rede global nos une uns aos outros, permitindo-nos este quase diálogo quotidiano que anteriormente se realizava apenas nas quatro semanas de férias de Verão. Das aldeias mais recônditas chegam imagens, rostos conhecidos, podem-se mandar cumprimentos e recados em directo.
Tudo isto tem consequências no comportamento das pessoas e nas suas reacções políticas e sociais. De repente percebeu-se que, por exemplo, os poucos emigrantes que votam passaram a votar no mesmo sentido que os residentes no País, invertendo os resultados tradicionais do voto. E as pessoas passaram a ter maior consciência dos seus direitos cívicos, pelo que se tornou mais fácil reivindicá-los. Ora, esta situação levanta um enorme desafio às autoridades do país. A partir de agora não têm de ceder apenas às pressões da rua em Lisboa, em Souselas ou em Canas de Senhorim. Têm de contar também com as dos emigrantes, que também estes sabem agora que podem ocupar a primeira página ou o telejornal. E se estes têm razões de queixa!
Atente-se apenas nesta discriminação: os emigrantes, pelo mero facto de residirem no estrangeiro, não deixaram de ter os seus interesses em Portugal, devendo recorrer, pelo menos com a mesma frequência dos residentes, a certos serviços da administração pública. Ora, o único serviço que lhes é directamente acessível, ou antes, fisicamente acessível, são os consulados, a distâncias mais ou menos significativas. Os consulados desempenham as funções de notário e de registo civil, além de servirem de relais a quase todos os outros serviços da administração pública. Sabemos que em Portugal, para executar estas tarefas, um concelho de terceira ordem com, digamos, dez mil habitantes, terá, pelo menos, um notário com dois ou três funcionários, e um conservador do registo civil com semelhante dotação de meios. Agora imagine-se o que é responder a estas tarefas numa população emigrada de cinquenta ou cem mil pessoas com o mesmo pessoal, e ter ainda que responder a operações de recenseamento eleitoral, de recenseamento e dispensas militares, de emissão de passaportes e de bilhetes de identidade, e várias outras funções.
Evidentemente, não há consulado que resista, e não se trata duma questão de mais funcionário menos funcionário, ou da pertinência da fixação de horários diferenciados. Nem sequer se discute aqui a precária formação profissional dos funcionários e um certo comportamento autocrático de alguns. Esta realidade exige respostas adequadas que a tal nova realidade tecnológica veio facilitar.
A melhor resposta é por essa via, é permitir aos cidadãos o acesso directo à maior parte dos serviços por via electrónica, deixando aos consulados funções mais simbólicas, como os casamentos, ou que exigem mais segurança, como a emissão de passaportes. Lembro que no Luxemburgo, por exemplo, o consulado está completamente entupido nos meses de Janeiro e Fevereiro com os pedidos de adiamento da apresentação dos mancebos, com as dificuldades que daí resultam para a emissão de passaportes ou a realização de outros actos consulares. Por que razão não admitem as autoridades militares o pedido postal ou mesmo por via electrónica, mesmo que se enviasse o original dos documentos de residência pelo correio?
O sr. Primeiro Ministro veio dizer-nos há dias que já podemos ter o Diário da República on line, e que também as certidões já podem ser obtidas pela Internet. Parabéns! Eu pedi logo uma para ver se o serviço funcionava e aguardava ansiosamente o resultado. Vejam só: enquanto elaborava esta crónica , e menos de três semanas após o meu pedido, recebi pelo correio a certidão pedida. E, imaginem, até nem era assim tão simples: tratava-se da certidão de baptismo do meu avô, nascido em 1871, encontrando-se o registo já no Arquivo Distrital de Bragança ! Afinal, com um pouco de entusiasmo, as coisas até podiam ser fáceis.
Finalmente, e especialmente para as Câmaras Municipais do nosso distrito, que, na sua maioria, têm mais utentes cá fora do que lá dentro: Para que querem as páginas da net? Não há dinheiro para um operador que mantenha a informação actualizada, com os boletins municipais, as decisões mais importantes, os concursos públicos, as oportunidades de negócios? É que o progresso não cai do céu e nem sempre vem de Lisboa. Ponham os cidadãos a mexer! Dêem-lhes corda que eles funcionam!