Teresa A. Ferreira

Teresa A. Ferreira

Parte II - Festa dos Caretos em Torre de Dona Chama

 

Dia 26 de dezembro

A Festa dos Caretos em Torre de Dona Chama desenrola-se em dois dias: 25 e 26 de dezembro. Na crónica anterior tratámos do evento, e seus pormenores, relativo ao dia 25; hoje, concentremo-nos no dia 26 de dezembro.

Durante toda a noite de 25 para 26 de dezembro, ninguém vai à cama. Junta-se o povo à volta da fogueira, no Largo do Pelourinho e do Berrão, festejando, convivendo e aconchegando o estômago, não há falta de comida e bebida, todos quantos apareçam, sejam da terra ou forasteiros, comem e bebem com os demais. Os burros, continuam a ser roubados toda a noite.

Neste dia, 26 de dezembro, as tradições festivas subdividem-se em várias manifestações que elenco por ordem cronológica de execução:

Desfile da Ciganada

Desfile das Madamas

Missa de Santo Estêvão e Bênção do Pão.

Correr a Mourisca

Reconquista do Castelo

Ovelha Ferida

Arruada de Bombos

De manhã cedo sai o Desfile da Ciganada, onde são exibidos os burros roubados, cujo objetivo é mostrar aos mouros que não têm montarias e, assim, feri-los no ego. Os Cristãos que vão desfilar com os burros passam pela fogueira onde, com carvão, enforretam[1] a cara para não serem identificados.

Assim que termina a Ciganada, segue-se o Desfile das Madamas. Gente travestida, satirizando através do exagero o género oposto, participa no desfile. Vêm de cara tapada, com panos de renda; trazem no braço um saco de farinha ou farelos e água para atirar ao povo; empunham nabos e rabas[2] que usam como falos para provocar risada por onde passam; trazem, num tabuleiro, rodelas de nabo para meterem na boca das pessoas, que assistem ao cortejo. Este desfile, é uma espécie de Carnaval antecipado, e encaixa na encenação teatral como uma representação do profano.

A Missa de Santo Estêvão tem por objetivo a conversão do rei mouro. Nela participam os reis de ambos os lados, cristão e mouro, e a forma de os distinguirmos é pela vara que empunham, sendo que o mouro tem uma laranja espetada no cimo da vara e o Cristão, uma maçã. No final da missa faz-se a Bênção do Pão que cada participante leva à cerimónia religiosa e uma pequena procissão em volta da Igreja. O povo, quando chega a casa, reparte o pão por toda a família, pelos animais domésticos e do campo, como sinal de proteção para todo o ano.  

Terminadas as cerimónias religiosas dá-se início ao Correr a Mourisca apoiada pelos Caretos que se colocam do lado dos mouros. Esta encenação da dura batalha entre mouros e Cristãos começa no adro da Igreja Matriz e termina no Largo do Prado, culminando com a vitória dos Cristãos sobre os mouros.

A Reconquista do Castelo é assinalada com a sua queima. Previamente foi construído um castelo, em cenário, que será queimado. Todo o povo se junta em volta para festejar a vitória.

Em tempos idos, Ti Cacherra vestindo uma pele de ovelha com marcas de sangue, representando a Ovelha Ferida, aparecia com um saco de cinza que espargia em cima do povo, afugentando-o.

Estas representações ligadas aos animais ovinos — o Pastor e o seu Rebanho, dia 25 à noite; a Ovelha Ferida, dia 26 após a queima do castelo — caíram em desuso, mas urge revitalizá-las.  

Para assinalar a vitória dos cristãos, assegurando que não restam mouros, sai uma Arruada de Bombos, rufando bem alto e percorrendo toda a localidade.

Papel do Careto nas festividades.

O Careto de Torre de Dona Chama apenas sai à rua no Natal e tem um papel interessante neste ritual, pois simboliza o rapaz solteiro, transgressor, fazendo cabriolagens por todos os lados e tomando o partido dos mouros. O fato é confecionado em tecido nobre, ornamentado com franjas de seda, composto por duas peças: calças e um casaco com capuz do qual pende uma borla. Esconde o rosto atrás de uma máscara de lata, cabedal, cartão ou ferro, sendo sempre pintada.

Assim, terminam as Festas natalícias, cheias de alegria e vontade de, no próximo ano, voltar.

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[1] Enforretam — pintam

[2] Rabas — tubérculo que está entre o nabo e a beterraba e só se cultiva em Trás-os-Montes. Faz parte da consoada.

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Texto, foto e vídeo:

©Teresa do Amparo Ferreira, 25-12-2020

Vídeo: Reconquista do Castelo https://youtu.be/jmW5R6ObsC8

Fonte: O inverno esconde o Careto, Telmo Carvalho, 2001. 

 


 

 

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