O contencioso político em torno das finanças regionais é bem a imagem de um país terceiro-mundista no plano cultural e ético..
Numa altura em que o país está debaixo dos holofotes dos analistas internacionais, o que Governo e Oposições estão a fazer é um braço de ferro sem sentido, e já nem discuto se, num regime de separação de poderes, a Oposição pode impor despesa ao Governo.
Por isso, o Presidente da República deve intervir e colocar ordem na «barraca», mesmo se à custa da inconstitucionalidade da proposta de Lei. Tanto mais que Pedro Passos Coelho já indicou o caminho.
Transcrevo de seguida algumas frases de um artigo publicado em Público, por Manuel Carvalho, bem elucidativas da gravidade do que está em causa.
«Os reféns da Quinta da Vigia», por Manuel Carvalho. Em Público online, 05/02/2010, 12h26:
http://www.publico.pt/Economia/comentario-os-refens-da-quinta-da-vigia_1...
«É difícil discutir assuntos sérios tipo propostas de alterações legislativas vindas da Madeira sem que a figura de Alberto João Jardim apareça a semear confusão.
Por instantes, porém, esqueçam-se frases feitas sobre o senhor do arquipélago e avaliem-se as duas teses que levaram ontem os deputados a gastar mais tempo com as receitas da Madeira do que com o afundamento da Bolsa: a primeira afirma que as propostas devem ser chumbadas, porque Jardim merece uma lição; a segunda adianta que as alterações devem ser feitas, porque a Madeira é vítima de injustiça e da perseguição do Governo.
O que se deve medir em primeiro lugar é se a lei cumpre ou não os princípios da justiça e da coesão territorial. Em 2007, esses princípios entraram na lei para se calcular as transferências financeiras para as autonomias e, no final, os Açores ganharam e a Madeira perdeu. Por perseguição? Não, apenas porque a Madeira tinha um rendimento per capita de 128 por cento da média nacional, enquanto os açorianos viviam com 88 por cento. Mais: enquanto o rendimento nacional rondava os 76 por cento da média europeia, os madeirenses beneficiavam de um nível de 97 por cento - no país mais desigual da Europa, só Lisboa está acima.
Depois, enquanto os Açores têm uma dívida irrelevante, o buraco da Madeira faz lembrar o grego, equivalendo a 127 por cento do PIB regional. E nem perdões de dívidas nem a complacência dos governos travaram a espiral de despesismo. O monstro precisa de mais recursos, mas os do continente, porque Jardim não está para poupar nem para aumentar o IVA regional para os valores pagos em Viana ou na Sertã. Num país justo, seria uma injustiça que a parte pobre financiasse a parte rica. Era como se na União Europeia Portugal pagasse o desenvolvimento sueco.
Apesar das evidências, Jardim põe o país em sobressalto, porque quando a Quinta Vigia grita, o PSD treme. Ou porque, depois da derrota no Orçamento, os demais partidos persistem em lembrar o Governo que têm o poder de condicionar as suas opções.
Num momento em que o país se torna o epicentro das atenções dos mercados financeiros, a estabilidade que se ganhou no último mês está em vias de se esgotar à custa de uma birra que ninguém percebe. Nesta deriva, espera-se que o Presidente, que promulgou a lei de 2007, os faça regressar à razão. O que está em causa não é a aversão a Jardim. No actual estado do país, mudar a lei é abdicar de princípios básicos de rigor fiscal e de equidade territorial. Mais importante do que as finanças da Madeira é a agonia do interior. Mas aí não há um Jardim para causar alvoroço.»