Luis Guerra

Luis Guerra

No limiar do espaço

A recente viagem do empresário Mário Ferreira e outros ao espaço veio relançar o interesse sobre o que se esconde na imensidão do universo e sobre a possibilidade do ser humano vir a colonizar outros planetas no futuro.

De facto, passando ao lado das questões mais mundanas em torno dessa viagem, há desde logo que enaltecer o enorme avanço da tecnologia espacial, representado pela operacionalização de um vaivém que permite aos seus passageiros descolar e aterrar no mesmo veículo que os leva ao espaço.

Note-se que não está somente em causa a criação de um turismo espacial, reservado a milionários, como se tem vindo a esboçar, mas também a possibilidade de tornar mais frequentes e acessíveis as viagens ao espaço para outras finalidades, nomeadamente científicas, económicas e demográficas.

Na verdade, a possibilidade de sobrevivência futura da espécie humana pode vir a estar condicionada pela hipótese de encontrar outro assentamento num ou mais planetas longínquos, na medida em que os recursos terrestres se esgotem, seja por ação humana seja pelo efeito de um fator externo, como poderia ser a ocorrência de um acidente astronómico destrutivo.

Porém, a possibilidade de colonização do espaço coloca ao ser humano um conjunto de questões que terá de saber resolver primeiramente.

Com efeito, em primeiro lugar, não é aceitável que a humanidade se lance na aventura espacial, canalizando enormes recursos financeiros para esse fim, sem atender, prioritariamente, às necessidades básicas de tantas pessoas em todo o mundo, a nível da alimentação, da habitação, da saúde e da educação, conformando uma ordem mundial respeitadora dos direitos humanos mais elementares.

Por outro lado, a conquista espacial não deve ser feita em detrimento da preservação ambiental do nosso planeta ou em resultado da sua destruição ecológica, pelo que é imprescindível que seja simultaneamente garantida a sustentabilidade da vida na Terra e que esta possa continuar a ser o lar de muitas gerações de seres humanos e outros seres vivos.

Finalmente, o ser humano terá de aprender a superar as suas contradições internas, evitando exportar para o universo os seus comportamentos violentos, que, prospectivamente, poderão vir a redundar em guerras interplanetárias ou intergalácticas ou, pelo menos, na repetição das piores tragédias humanas.

A este propósito, é pertinente realçar que as próprias viagens espaciais têm proporcionado experiências incomuns, com estados alterados de consciência, que se aproximam do transe místico, como alguns cosmonautas se têm atrevido a relatar, potenciando mudanças positivas nas suas vidas.

Na realidade, é provável que a experiência de ausência de gravidade e a contemplação da infinitude silenciosa do universo, entre outros fatores, desposicione o “eu” psicológico, abrindo espaço para que outros impulsos, provenientes da profundidade da mente, assomem à consciência, dando lugar ao êxtase, ao arrebatamento ou ao reconhecimento, como experiências significativas ou de mudança.

Nesse sentido, pode acontecer que, na sua senda para alargar as suas fronteiras externas, o ser humano acabe por superar os seus limites internos, encontrando o sentido profundo que dirige os seus passos.

Ao fim e ao cabo, todos podemos reconhecer, de alguma forma, o apelo da vastidão intemporal do universo, como se a mesma esperasse por nós no interior de cada um.

Por isso, neste contexto, voltam a ganhar sentido aquelas palavras poéticas de Silo, no final do seu livro “O Olhar Interno”: «Assim, hoje voa em direção às estrelas o herói desta idade. Voa através de regiões antes ignoradas. Voa para fora do seu mundo e, sem o saber, vai impelido para o interno e luminoso centro».

 

Luís Filipe Guerra, juiz e membro do Centro Mundial de Estudos Humanistas.


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