Luis Guerra

Luis Guerra

A inclusão da diversidade

No início deste mês, tive ocasião de participar como moderador num workshop sobre os direitos das pessoas com deficiência, promovido pelo Observatório dos Direitos Humanos (www.observatoriodireitoshumanos.net).

Foi uma boa ocasião para revisitar, em termos gerais, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que Portugal ratificou em 2009, especialmente os seus princípios e aplicações, contrastando os mesmos com os dados da realidade portuguesa.

Esses princípios são enunciados da seguinte forma:

a) O respeito pela dignidade inerente, autonomia individual, incluindo a liberdade de fazerem as suas próprias escolhas, e independência das pessoas;

b) Não discriminação;

c) Participação e inclusão plena e efetiva na sociedade;

d) O respeito pela diferença e aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e humanidade;

e) Igualdade de oportunidade;

f) Acessibilidade;

g) Igualdade entre homens e mulheres;

h) Respeito pelas capacidades de desenvolvimento das crianças com deficiência e respeito pelo direito das crianças com deficiência a preservarem as suas identidades.

Estes princípios, que parecem óbvios, implicam, contudo, uma alteração de paradigma na forma como se encara a deficiência humana.

De facto, por um lado, comportam o reconhecimento da especificidade deste grupo social, deixando de se satisfazer com a mera igualdade formal perante a lei e pedindo novos instrumentos jurídicos para promover a sua inclusão.

E, por outro lado, interpelam a comunidade em geral para romper com o paternalismo que tem rodeado as pessoas com deficiência, fechando-as numa concha protetora e tornando-as socialmente invisíveis, de modo a passar a olhar para as mesmas como parte da diversidade humana, permitindo-lhes desenvolver o seu potencial mediante os apoios necessários.

Nessa medida, a deficiência deixa de ser um problema individual, nomeadamente do âmbito exclusivo da saúde, para passar a ser uma questão social, que demanda a adequação dos sistemas sociais para eliminar os obstáculos físicos, jurídicos, educativos e outros, ao desenvolvimento, participação e plena inclusão das pessoas com deficiência.

Desta forma, os princípios acima enunciados assumem uma natureza transversal, informando todos os direitos fundamentais das pessoas com deficiência, designadamente no que respeita à sua acessibilidade.

Trata-se, portanto, não apenas de consagrar direitos específicos deste grupo social, mas também de operacionalizar os instrumentos que os permitam ser exercidos na prática.

A filosofia humanista que inspira a Convenção coloca, por isso, desafios importantes para os Estados subscritores da mesma, do ponto de vista das políticas públicas a adotar, mas tem vindo a dar um contributo significativo, mormente no caso português, para uma evolução positiva neste domínio, sobretudo nos domínios da segurança social, da educação e do emprego, mediante alterações legislativas relevantes, pese embora tudo o que falta fazer ainda para a cumprir integralmente.

Para tanto, não será alheio o facto da Convenção prever um mecanismo de monitorização periódica da sua implementação pelos Estados-partes, que contempla a realização de relatórios quadrienais com ênfase nos progressos registados e nas omissões persistentes, cuja publicidade afeta, pelo menos, a imagem internacional de cada país, expondo-o a críticas públicas e eventuais sanções formais ou informais.

Por outro lado, a filosofia da Convenção estabelece parâmetros muito válidos para trabalhar a inclusão de todo e qualquer grupo social discriminado, considerando a necessidade de medidas específicas para apoiar a sua inclusão, sem detrimento das suas diferenças.

Nesse sentido, as pessoas com deficiência estão, talvez sem o saberem, a dar um contributo muito importante para a extensão de um olhar humanista em relação às diversas minorias sociais vulneráveis ou discriminadas e para a ampliação das políticas públicas inclusivas que sejam temporariamente necessárias, em atenção às suas condições específicas.

E, além disso, é possível esperar que o sentimento de compaixão que as pessoas com deficiência suscitam naqueles que com eles convivem, se estenda a outros grupos sociais discriminados, compreendendo-se que a necessidade de inclusão é transversal a todos os seres humanos, independentemente da sua ascendência, género, raça ou etnia, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

 

Luís Filipe Guerra, juiz e membro do Centro Mundial de Estudos Humanistas


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