Teresa A. Ferreira

Teresa A. Ferreira

Madame Josephine: casamento em Alvites (IV - Cap.)

 

Filipe, caído no chão, perdera o controlo dos esfíncteres e espumava pela boca. Mas sangue?! Nem vê-lo!

- Esta arma não tem balas. A sério? Hoje morres, safardanas. Estou farta de sustentar um mendicante como tu. Desaparece-me da vista e nunca mais ponhas os pés nas minhas propriedades. Rua!

Rua? Qual rua, qual nada! Filipe contorcia-se no chão. Por fim, estremeceu e - com os lábios roxos - finou-se.

Imaginando que pudesse acontecer uma tragédia: Josephine dera indicações para que as munições fossem recolhidas - de todo e qualquer armamento - dos dois solares.

Quando se ouviu gritos, os mais próximos acorreram ao solar. Encontraram: Filipe em total descompostura, estendido no chão; e Dione fora de si, nervosa, a disparatar…sem dizer coisa com coisa.

Dali a nada entrou no quarto o Comissário Medeiros. Vendo Dione com uma arma na mão, pensou o pior e retirou-lha. Olhou para Filipe. Foi indagar.... Não havia sinais de balas. Mandou toda a gente sair do quarto, exceto Josephine e Dione.

- O que se passou aqui?

- Dei-lhe três tiros… - disse Dione.

- Com uma arma descarregada. – acrescentou a irmã.

- Bom! Não há vestígios de sangue, mas tem um líquido estranho e com cheiro…tipo uma convulsão. Ele sofria de alguma doença?

- Uma convulsão? Sofria de excesso de álcool. Era um bêbado. – afirmou Dione.

- Não, não, não... Isto não é coisa simples. Tem de ser autopsiado para descobrirmos a causa da morte. Se for morte indireta, a Senhora Dione terá de prestar contas à Justiça.

- O que quer isso dizer, Comissário?

- Ora Senhora Dione: o seu marido não morreu com as balas – a arma estava descarregada -, mas pode ter sido de causa indireta, isto é, o susto conduziu-o à morte. Assim sendo, terá de prestar contas na Justiça. É melhor amanhã chamar o seu Advogado. Ele explica-lhe tudo. Mas a espuma com cheiro a…. Cala-te boca!

- E a minha irmã, Comissário Medeiros?

- Por enquanto não sai de casa até termos mais informações. Vou deixar um guarda de vigia. Entretanto, chegava um médico para atestar o óbito e permitir o levantamento do corpo. Seguiu para a medicina legal.

Josephine abraçou e beijou a irmã e os sobrinhos, num consolo ternurento que muito bem lhes sabia. Ficou até de madrugada a contar histórias de quando era criança, tantas e tantas traquinices que fez. Eram histórias mirabolantes, que acabavam sempre bem. Adormeceu abraçada à irmã.

Mal o galo cantou, Josephine acordou e, com todos os desvelos, libertou-se dos braços de Dione. Foi num instante preparar-se para a reunião das 8 horas, com os amigos na sala secreta.

- Que o dia nos corra bem, meus amigos! A noite passada teve cá um desfecho. – cumprimentava os presentes. Faltava o Comissário que ficara enredado com a morte de Filipe.

Com jeitos de investigadora, Augusta ia fazendo perguntas sobre o que Josephine vira no quarto da irmã.

Se o que se passara no jantar dava para muita conversa, a morte misteriosa de Filipe deixava-os inquietos – podia ser qualquer um dos comensais, ou dos criados. José Carlos atiçara ódios que estavam adormecidos; a pintura fora uma valente bomba; os escândalos amorosos…

- Meus amigos: o que descobriram de anormal no jantar?...se é que havia algo de normal naquele jantar!

- Eu vi o seu cunhado com a mão em cima do joelho da Senhora Judite e ela estava a gostar…até pôs a mão em cima da dele. – afirmava Augusta.

- Temos amantes. Desconfiava…, mas não tinha certezas. Seria para ficarem mais próximos que faziam questão de casar os filhos? Que desalmados, egoístas…só pensaram neles. Não quiseram saber da felicidade dos filhos. Com mil diabos. Perdoe-me, Pe. Rodrigues, quando vejo injustiças fico furiosa. – afirmava Josephine.

- O casamento foi-se, a bem dizer, mas pode realizar-se o verdadeiro, daqui por uns tempos, quando passar o luto. – dizia a tia Celestinha, toda contente.

“O verdadeiro?!” – questionavam.

- Diga, tia Celestinha, diga o que sabe. – pedia Josephine.

- A minha sobrinha Cecília gosta do jardineiro Gabriel e ele dela. Não há nada como o amor. E eu fui tão feliz com o meu Nuno! Por mim todas as pessoas deviam ser felizes no amor e na profissão. Eu cá fui. Ó, Licas!

- Vai ter de esperar o momento certo. Temos muitas batalhas para travar, antes desse final. – Josephine antevendo o final da sua viagem.

- Ainda não percebi a razão do quadro vir a lume com a Cecília nua, ou a Josephine, já não sei qual delas? – Isabel, apreciadora de arte, estava confusa.

- Tenho as minhas razões e estão a funcionar na perfeição.

“Conte-nos, Josephine?” – todos em uníssono.

- No jantar de apresentação das duas famílias, o primeiro, reparei que o noivo Arnaldo não tinha nada de tolo – só precisava de um bom rastilho para soltar a pólvora. Ele não estava feliz com o noivado e casamento. Quando vi o quadro do nu da minha sobrinha dei indicações para ser adaptado a mim e resolvi usá-lo para o provocar. Não tinha a certeza da sua coragem, mas com o quadro tomaria outro fôlego.

- E resultou, sim, Senhora. Você é uma danada. – Augusta vibrava com a partida do quadro.

- Agora temos outros problemas para analisar, nomeadamente a morte de Filipe.

- O que descobriu?

- Não foi a minha irmã que o matou, quase tenho a certeza. A arma estava descarregada. Mas ele estava caído no chão a espumar da boca e havia cheiro a um químico…

- O Comissário Medeiros não adiantou nada?

- Não. Disse que tínhamos de esperar pelo resultado da autópsia.

- O que lhe parece?

- Ali há gato. E não é nenhum dos meus.

- Será que… - Helena que quase não abrira a boca, questionava agora o meio que conduzira a tão trágico fim. Era uma figura culta, arguta, ponderada, diplomática…

- Sim, tem ar de ter sido envenenado. A ser verdade, quem…?!

- Temos de analisar todos os detalhes que vimos. É imperioso descobrir o criminoso. De bala já sabemos que não foi; do coração…mulherengo como era…dava bem conta do recado; doenças, que se saiba, só ronha – não fazia a ponta de um…. Ai desculpe Sr. Pe. não faça caso. Já sabe que às vezes escapa-se-me a língua! Não é por mal. – Augusta queria pôr tudo em pratos limpos, embora se destravasse de quando em vez, para riso geral. É que nela as coisas mais mundanas até tinham graça.

- Era tanta gente. Só convidados…mais de vinte, fora os da casa. E ainda temos os criados…. Algum sinal há de aparecer. – Josephine pensava na quantidade de pessoas que podiam ser suspeitas, caso se confirmasse a teoria do envenenamento. Que trabalheira investigar tanta gente. O Comissário Medeiros teria de pedir reforços ao Comando Distrital.

Dali a nada, tocava o telefone da sala secreta – era a secretária a informar Josephine que o Comissário Medeiros estava lá.

- Meus amigos: por hoje, temos de terminar a reunião. O Comissário quer falar comigo.

- Já? A autopsia foi rápida! – Augusta afoita que nem uma seta.

- Não creio que haja resultados, mas algo de importante há de querer para cá vir.

Repetiu-se o cerimonial de saída, com a ligeireza possível.

- Até breve, meus amigos, até breve! Algo que vos ocorra, façam o favor de me contar.

- Adeus, adeusinho!

Continua...


Igreja Paroquial de Avantos / Igreja de Santo André    
https://www.e-cultura.pt/patrimonio_item/6796
http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=2690


© 𝑻𝒆𝒓𝒆𝒔𝒂 𝒅𝒐 𝑨𝒎𝒑𝒂𝒓𝒐 𝑭𝒆𝒓𝒓𝒆𝒊𝒓𝒂, 11-07-2023

      𝑵𝒂𝒕𝒖𝒓𝒂𝒍 𝒅𝒆 𝑻𝒐𝒓𝒓𝒆 𝒅𝒆 𝑫𝒐𝒏𝒂 𝑪𝒉𝒂𝒎𝒂,
      𝑴𝒊𝒓𝒂𝒏𝒅𝒆𝒍𝒂, 𝑩𝒓𝒂𝒈𝒂𝒏ç𝒂, 𝑷𝒐𝒓𝒕𝒖𝒈𝒂𝒍.

Este texto é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. 


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