Pelo que me quer parecer, não falta por esse Douro de Deus afora, gente com as mãos na cabeça, e num modo de dizer, quase outra tanta com as calças na mão, por alturas destes dias de S. Martinho, como se sabe, o santo que o é porque se despojou da capa, mas que é também o que a tradição recomenda que em festejo seu se abra o pipinho de vinho novo.
Diz-nos também a noção que vamos tendo das coisas, que pipos ou cubas de vinho feito este ano, é o que mais há por aí, pois a vindima foi farta pelo menos em termos de quantidade. Quanto à qualidade, ainda será cedo para opiniões, muito mais da minha parte, mero curioso e amante singelo destas e de outras coisas da nossa região.
Certeza contudo, existe desde logo uma, que aquela que nos diz, que os preços a receber pela lavoura, este caso, pela produção, para ser mais específico, estão na proporção inversa da quantidade. Ou seja, andam pelas ruas da amargura, a um ponto de nem para os gastos da colheita chegarem, num tempo em que se pede por especial favor a quem se digna receber as uvas cortadas.
Não me lembro que não sou dessa época, nem ninguém que hoje viva, pelo menos em termos de ter lembrança disso, mas num cenário que não é muito diferente de antes da Era de trinta e dois, a cena em palco repete-se. O lavrador anda aflito cada vez mais, de ano para ano, de chapéu na mão, a rogar adega que lhe receba as uvas do vinho de consumo, como sempre sem preço.
Mas a coisa estava já a ser adivinhada. Sabia-se que era uma questão de tempo. No entanto, como as uvas de vinho generoso, tinham colocação assegurada e preços previamente estabelecidos em cifras razoavelmente equilibradas, a borrasca foi sendo evitada. Havia um pára-raios que afastava para longe as faíscas. O céu foi-se escurecendo, mas os raios de sol, iam dando alento a uma agricultura feita com muito sofrer.
O problema, é que deram-nos cabo da protecção e de mais o edifico onde ela se cimentou durante mais de sete décadas. Por interesses directos de alguns, ou por inépcia de a quem cabe na União Europeia, apresentar e defender os assuntos das regiões e do país, permitiu-se o acabar de um quadro de regulamentação com provas mais que dadas aos longo de dois séculos e meio.
Quiseram meter-nos no barco da celebrada liberalização dos mercados, e nós, lá e cá, aceitamos. Meia dúzia de agentes económicos, compram aquilo que mais de trinta mil produzem sem terem alternativas de colocação do produto genuíno e único, logo sem concorrência, mas isso não bastou para obviar o processo. Se calhar também ninguém se deu ao trabalho de esgrimir estes ou outros argumentos. Digo eu, não sei.
O certo, é que estamos como estávamos antes de 1932, quando foi fundada a Casa do Douro. A Produção, está sem associação de classe, ainda que a dita tenha existência no papel e tenha casa própria. Já lhe decretaram a morte, e já lhe encomendaram a missa pela alma. Interessará a uns poucos que ela se vá, e por este andar nada tarda que assim seja. Mas ninguém age, mesmo que muitos já suspirem por ela e lamentem a sua ausência. Que nem carpideira, a região lamurienta, queixa-se do seu abandono por parte dos governos, mas abandona-se ela própria.
Não questiona o que poderá fazer por mesma, antes de pedir que alguém faça algo por ela. Mas vai sendo tempo. A não ser que se dê de barato que os silvados vão vencer os bardos numa acção que nos fará recuar aos dias dos nossos bisavós. A ver vamos, como nos portámos.