Uma campanha publicitária com a intensidade e duração que tem tido esta duma empresa de telecomunicações faz seguramente mossa na cabeça dos consumidores, numa sociedade mais dada ao imediatismo e ao consumismo do que à reflexão e à ponderação.
Mas quando a frase publicitária passa para o discurso dum político num momento que pretendia ser de especial gravidade, então os cidadãos deixam de saber onde está a tal linha que necessariamente deve separar a acção política séria da propaganda. António José Seguro não soube resistir ao efeito fácil de uma frase choque. Para muita gente que pensa para além do momento televisivo, o resto da declaração perdeu impacto, porque o líder da oposição desceu aos processos dum vendedor de sabonetes. E não é por acaso.
Hoje, de norte a sul do país, o povo clamou nas ruas pela devolução da dignidade, gritou em defesa das suas vidas. Não sabemos o que se passará nos próximos dias no xadrez político e na acção governativa. O desastroso anúncio de novas medidas de austeridade que se abatem sempre sobre os mesmos suscitou a indignação de todos os quadrantes, mesmo dos que são o apoio natural do governo, e a fracassada entrevista que o Primeiro Ministro deu na televisão acabou por agravar as coisas. Acossado pelas perguntas dos jornalistas, que, afinal, traduziam as criticas generalizadas do país e de certas personalidades em particular, Passos Coelho meteu os pés pelas mãos e não foi capaz de sustentar com um mínimo de coerência as escolhas do governo. A fascinação pela obediência cega ao modelo liberal, muito mais até do que o medo de violar o pacto assinado, fê-lo esquecer que a política é a arte do possível e que os políticos devem tornar possível o que é necessário. E o que é necessário, aqui e agora, é dar uma justificação para medidas que, longe de resolverem os problemas do país, estão a agravá-los, pelo que a única razão a sustentá-las parece ser uma fé inabalável numa teoria do empobrecimento do povo em beneficio da competitividade de uma pequena percentagem das empresas, as que exportam. Ora tal justificação falhou, pelo que o povo se sentiu ludibriado após os sacrifícios dos últimos dois anos e a perspectiva de nova e mais gravosa carga.
A impressão que fica é que um pequeno grupo de tecnocratas teóricos, fascinado pelos modelos económicos e sem preparação política e sociológica séria, quer provar que tem razão, contra todas as evidências do caso concreto português, e que a receita da austeridade é infalível.
O problema é que a comunicação ou propaganda, por mais chavões que utilize, por mais terminologia criativa a que recorra, não pode escamotear o que política e socialmente aparece como uma enorme iniquidade. Conceitos como a desvalorização fiscal, a flexibilização do trabalho, a racionalização do Estado Social e outros, forjados por teóricos do modelo liberal, apenas escondem a realidade nua e crua que os portugueses hoje constatam na rua, de que estão a roubar aos pobres para dar aos ricos. Se um sentimento patriótico pode levar um povo a aceitar o sacrifício em nome do bem comum, desde que nesse sacrifício haja uma preocupação de equidade, é evidente que não pode aceitar um sacrifício que agrava o fosso entre os que ganham e os que perdem, sobretudo quando parece haver nichos protegidos em que não se toca.
No meio do ruído do momento, é consolador ouvir algumas vozes mais autorizadas explicar que a política não é apenas o discurso, que as finanças não são apenas o orçamento e que a justiça social deve ser o pano de fundo de qualquer governação.
Ao fim de pouco mais de um ano em funções, o Primeiro Ministro está gasto, como balão que se esvaziou, a braços com dificuldades internas na coligação, com arbitragens certamente difíceis entre ministros, com a falta de credibilidade e até de ética de certos membros do executivo. A equipa governativa aparece agora como um grupo de estudantes mal preparados a quererem encontrar desesperadamente uma solução para os erros de cálculo em que, por imaturidade política, se deixaram cair, mas se recusam a admitir.
Mas também do lado da oposição designada do arco do poder não parece haver alternativas credíveis. Muita gente ainda não esqueceu a demagogia e a propaganda do anterior Primeiro Ministro, para quem governar era comunicar, e o atual líder da oposição não conseguiu ainda convencer de que é diferente, a começar pelo discurso. De facto, há uma linha que separa um homem de Estado de um habilidoso de tribuna.