Teresa A. Ferreira

Teresa A. Ferreira

Dessa água não bebo eu

Hoje o café da aldeia estava uma vez mais às moscas, e o tio Zé a ficar muito preocupado…

- Nem um cliente, ó, Ana Maria! Por este andar mais bale fechar a porta. Num ganho prá eletricidade. - disse ele para a esposa que andava atarefada a regar as plantas que embelezavam a sala do café.

Ela encolheu os ombros e foi para casa com ar de desânimo, sem lhe dar resposta.

Entretanto chegou o Manel, puxou uma cadeira e pediu um café.

- Um café num te sirbo. Já biste como está a água, toda barrenta e até cheira mal?! Num se pode bober. A minha Ana Maria anda tão em baixo, porque nem a comida pode cozinhar. É tudo com água dos garrafões. Passa o dia a acarretar água.

- Já bi, sim. Se labarmos a cara com ela ficamos com forretes. O café era só para ber o que tu dizias, home. Abia-me aí um Porto se faz fabor, que esse não debe ter mixórdia. E bota cá a caixa do dominó que já bem ali o Tonho. Armamos aqui uma jogatana.

O Tonho vinha com cara de poucos amigos…

- Atão pá, o que é que tens? - perguntou-lhe o Manel.

- O que tenho? Eu se apanho a Presidenta da Câmara digo-lhe poucas e boas, digo! Atão bocês já biram o estado em que está a água? Diz o povo que até é perigoso tomar banho com ela, que dá conta da pele!

- Isto habiam era de ir presos os que andam a dizer que a água está boa! Ainda há dias, oubi um da Câmara a dizer que a água se pode bober, mas depois disse que se fosse ele que não bobia a água barrenta. A culpa disto tudo é da Presidenta da Câmara que não sabe o que anda a fazer. - respondeu o tio Zé. - E as outras coisas que ela tem feito? Eu cada bez que bou à cidade ouço cada uma! A mulher não bale mesmo nada. Andou a enganar os que botaram nela e agora pagamos todos.

- Pois eu oubi dizer que ela agora quer boltar a ser Deputada lá para Lisboa para fugir da Câmara. Sente o rabo a arder com a data de processos que tem às costas.

- Ó Manel deixa-a ir! Onte já ia tarde! Faz-nos cá tanta falta c’mós cães na missa! Por este andar rebenta com a cidade, com as aldeias e com a Vila. Por isso mais bale que se ponha a andar. - afirmou o Tonho.

- C’o meu boto num bai não! Não queria ela mais nada. Depois de tudo o que tem desfeito ainda tinha um prémio! Mas atão ó tio Zé, quais são as tais coisas que a Presidenta tem feito mal? – questionou o Manel.

- São tantas que até lhe perco a conta. Esperai que bem ali o Presidente da Junta e ele explica-vos tudo melhor do que eu.

- Boa tarde, rapazes! Atão que caras são essas?

- Não podemos ter outra cara, Sr. Presidente. Já biu como está a água? – questionaram todos quase em simultâneo.

- Sim, já vi e já levei uns garrafões dela à senhora Presidente da Câmara e convidei-a a beber. Isto está muito pior do que pensam, porque o laboratório que faz as análises à água aldrabou os resultados.

- O quê? Mas quem são esses criminosos? Já estão presos? - enfureceu-se o Tonho.

- A polícia judiciária tem andado a investigar e a coisa parece que não vai ficar muito bem lá para as bandas da Câmara.

- Ó, Sr. Presidente, é verdade que a Presidenta da Câmara quer voltar a candidatar-se para Deputada da Assembleia da República? - questionou o Tonho.

- Já ouvi uns zum-zuns, mas não sei se é verdade… e se for parece-me muito mal. Espero que o partido dela lhe troque as voltas, porque todas as trapalhadas que ela tem feito no município têm mesmo de ser apuradas. - afirmou o presidente. - E se for para Deputada fica com imunidade parlamentar e depois só responde aos processos se a Assembleia da República lha levantar. Isso deve ser o que ela quer, mas espero que o povo não vá na cantiga.

- O Sr. que anda por lá nas reuniões da Assembleia Municipal é que deve saber das coisas mal feitas. Conte-nos lá…

- Bem!... O que se comenta, por exemplo, é que a obra da rotunda do Hospital foi um descalabro, custou mais do dobro do que estava orçamentado; também se comenta que a piscina Municipal fechou por causa de problemas na água, por não estar própria para os banhos…

- Eu não percebo como é que botaram nessa mulher para ser Presidenta da Câmara! - interrompeu o Manel.

- Mas há mais. - continuou o Presidente da Junta enumerando as situações. - Depois há um problema com o contrato de um assessor que parece que não está muito claro e que ela tem de devolver dinheiro ao Estado; também há um problema com um contrato de um que foi presidente de uma Câmara socialista e que foi contratado por ela para chefiar o Complexo Agroindustrial e o individuo mal lá põe os pés; há a confusão com os concursos e as queixas que já entraram em Tribunal por causa disso, porque uns podem fazer as provas finais e outros não - os amiguinhos, que tiveram 20 na entrevista, são os que vão ficar com os tachos…

- Isso é que vai práli um arrozal de aldrabices! – afirmou indignado o tio Zé.

- Calma que ainda não acabei. Dizem que ela anda a mandar dinheiro para uma Fundação no Porto e que ainda ninguém percebeu a razão, porque o concelho não tira contrapartidas disso; depois a Câmara está cheia de dívidas e atrasa-se mais de meio ano a pagar aos fornecedores; também se atrasa muito a meter candidaturas para pedir financiamentos e, depois, quando os pede já não lhos dão; há também a questão das carruagens do metro que estão todas vandalizadas; e a questão da Urgência de Cirurgia Geral do Hospital, que está sem médicos desde setembro e talvez não volte a abrir. Isto tudo, meus amigos, mais os escândalos e as trafulhices, uns atrás dos outros que até lhe perdemos a conta, é muitíssimo grave. Mas o caso da água é o mais perigoso, porque é um atentado à saúde das pessoas!

- Mas atão bocês na reunião da Assembleia Municipal não podem fazer nada para parar com esta pouca-vergonha? - perguntou o tio Zé.

- O presidente da Assembleia Municipal já fez. Convocou-a para uma reunião extraordinária da Comissão Permanente, para ela apresentar esclarecimentos sobre os assuntos que estão envoltos em polémica. Isso politicamente não é bom para ela. Mas nós bem a conhecemos… Tem cá uma lábia para enrolar a malta. Vamos ver se o Presidente da Assembleia se deixa endrominar.

- Bem feito! – afirmou o Tonho. – Deviam ser todos demitidos e presos, a Presidenta mais a comandita dela!


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