Teresa A. Ferreira

Teresa A. Ferreira

Casino: 8º - encontro inesperado

- Vê lá bem nas tuas memórias – e fez uma pausa. – Sou o Francisco Miguel de Bragança. Lembras-te de a tua mãe dar lá aulas e tu teres ido com ela? Era vosso vizinho. Muito brincámos na rua!

- Ah, sim! Já me lembro. Estivemos lá três anos, depois a minha mãe mudou de escola. Foi há tanto tempo e estás… – respirou de alívio ao saber que não era ninguém do seu tenebroso passado.

- Estamos muito mais crescidos, não é verdade?

- Desculpa, não te ter reconhecido.

- Não faz mal, Gabi. O que fazes?

- Concluí o curso de Línguas e Relações Internacionais. Estou a ver se arranjo emprego. E tu?

- Fiz Engenharia Informática e Computadores, no Instituto Superior Técnico de Lisboa e trabalho numa multinacional na área da programação de “drones”. Trabalho a partir de casa. Às vezes vou à empresa, mas a maioria do tempo trabalho em casa. Dá-me liberdade para viajar e trabalhar em qualquer sítio.

- Esse trabalho deve ser interessante.

- Gosto muito, Gabi. E os teus pais, como vão?

- Os meus pais estão efetivos em Chaves e têm um centro de explicações.

- E vocês ainda têm casa em Vilarandelo?

- Ainda te lembras do nome da minha terra?! Temos sim, e outra em Chaves.

- Sim, lembro. A tua mãe costumava oferecer-nos o folar na Páscoa, bolo podre, bolos económicos, alheiras, azeite… tudo de Valpaços.

- É verdade, Francisco. A tua mãe tomava conta de mim, quando a minha dava aulas, para eu não ficar sozinha. Sempre tão querida, a dona Maria do Céu. E nós aproveitávamos para brincar e fazer partidas à tua mãe.

O Francisco tinha arrancado um sorriso luminoso ao rosto da Gabi. À medida que a conversa fluía, mais se iluminava e maior era a alegria dela. Ficaram mais de duas horas à conversa e trocaram contactos prometendo verem-se de novo.

Quando chegou a casa, nem parecia a mesma Gabriela - era o seu verdadeiro nome -, ia tão feliz por reencontrar o Francisco Miguel…. Contou aos pais o sucedido e eles ficaram verdadeiramente contentes.

Nessa mesma noite, por volta da hora do jantar, a Gabi escutou o telemóvel a tocar. Era o Francisco. Queria convidá-la para tomar café depois do jantar. Ela fez uma pausa e disse que já lhe ligava. Pediu autorização aos pais. Eles disseram para ligar de volta ao Francisco, lhe desse a morada e pedisse para a ir buscar a casa. E assim fez.

Quando a campainha tocou, já a Gabi estava pronta.

A Júlia foi abrir a porta e pediu ao Francisco para entrar que todos queriam vê-lo.

- Francisco, estás enorme, tão homem, crescido, bonito…. Sabes? Se te visse na rua não te reconhecia. Diz-me cá: como vai a minha amiga Maria do Céu?

- Vai bem, dona Laurinda.

- Ainda te lembras do meu nome?

- Como poderia esquecer um nome tão singular?! Marias há muitas!

- Tens razão, Francisco. E Bragança, como está a cidade?

- Desde que nós éramos crianças, até agora, fartou-se de crescer. Saí de lá durante uns anos para estudar em Lisboa e agora vou lá quando posso.

- A Gabi disse-me que fizeste Engenharia Informática no Técnico em Lisboa -estou a par de tudo. E o que te trouxe a Valpaços? Não foi em Valpaços que se encontraram?

- Foi, sim. Resolvi mudar um pouco de ares. Algo me impelia a vir dar uma volta por cá. E veja o resultado: acabei por reencontrar pessoas amigas e estar agora em Vilarandelo nesta belíssima casa.

- Vais ficar a dormir em Valpaços, ou vais dormir a Bragança?

- Pensava ir dormir a Bragança.

- Se quiseres podes dormir cá, tenho quartos livres. Telefona a avisar a tua mãe e eu aproveito para a cumprimentar.

- Está combinado. Vamos tomar um café a Valpaços e depois voltamos.

A Gabi pediu um chá de cidreira, sabia que o café à noite lhe perturbava o sono, e o Francisco pediu um descafeinado. Muito riram e conversaram, mas a Gabi não tocou no passado tenebroso que tivera.

Com o passar do tempo, a velha amizade foi-se estreitando cada vez mais até que a Gabi ganhou coragem para lhe contar por alto o seu passado. Foi surpreendida com a reação do Francisco:

- Não me importa o teu passado, porque estou a gostar muito da minha amiga Gabi e não quero perdê-la outra vez. Farei tudo para estar ao teu lado, ajudando e apoiando-te em tudo o que precisares. Podes contar comigo.

Esta amizade tornou-se cada vez mais sólida até que começaram a namorar.

Os pais da Gabi e a Júlia andavam encantados com a nova vida da sua menina – sabiam que podiam confiar no Francisco.

O certo é que o tempo foi passando e a moça atinara, nem parecia a mesma. Ia sozinha às consultas, era rigorosa com a medicação e andava feliz com o seu primeiro emprego num hotel em Valpaços.

O namoro ia de vento em poupa e resultou em casamento para grande felicidade das duas famílias. Ficaram a viver em Valpaços.

O passado ficara lá trás, mas de quando em vez as memórias visitavam-na. Tinha muito medo de voltar a cair em desgraça, de lhe aparecer alguém do seu passado, de ter de enfrentar e resolver alguma situação antiga. A equipa da psiquiatria de Chaves ajudava-a em todas estas dúvidas.

O tempo foi passando e o casal resolveu que era hora de pensar em ter um filho. Não era nada fácil para a Gabi. Tinha de informar o psiquiatra por causa da medicação, avaliar os riscos e as consequências da suspensão de alguns medicamentos.

De facto, deu com uma excelente equipa, que a acompanhava desde a saída do estabelecimento prisional. Conheciam-na muito bem e sabiam até onde podiam ir.

Depois de analisarem todos os prós e contras e ajustarem a medicação, chegou a hora de lhe deram indicações de que podia avançar para a gravidez.

De início sentiu muito a falta dos medicamentos e isso refletiu-se no humor e comportamento, algo de que estavam todos avisados. Não foram tempos nada fáceis, não. Conseguiu engravidar ao fim de seis meses. Contou com o apoio de todos para que a gravidez corresse bem.

Às vinte e duas semanas de gestação, houve uma complicação e teve de ser internada – estava com contrações uterinas de intensidade anormal, provocadas pelo stress e ansiedade. Foi-lhe diagnosticada gravidez de alto risco.

Chegou o momento do parto. Apesar de as ecografias e todos os exames indicarem que o bebé era saudável, mantinha-se expectante. Precisava de ver para crer. O parto foi complicado, teve de ser feita uma cesariana e ficou vários dias nos cuidados intensivos por pré-eclâmpsia. O bebé era saudável e muito bonito.

Quando acordou do torpor da anestesia, viu-se num ambiente estranho. Tinha o peito cheio de elétrodos, numa mão recebia medicação pela veia, na outra tinha um oxímetro num dedo, um tornozelo tinha o medidor de tensão arterial, uma máquina apitava e na outra saía um papel com o registo da medição da tensão. A sala de cuidados intensivos tinha grandes vidros e nela circulava uma enfermeira muito zelosa. Ainda não sabia onde estava, o que lhe tinha acontecido em concreto.

Pediu, com veemência, à enfermeira que a vigiava nos cuidados intensivos, para ver o seu menino. Queria vê-lo, saber como era, se estava bem, se era saudável, se…. Todas as dúvidas e curiosidades de uma mãe. A enfermeira, a muito custo anuiu ao pedido, mas pediu-lhe para não se enervar nem fazer barulho – estava lá outra doente em muito mau estado de saúde.

Quando finalmente lhe puseram o filho nos braços, a sua primeira vez, o rosto inundou-se-lhe de lágrimas de alegria. As dores do parto foram suplantadas por tamanha bênção. Esteve apenas uns minutos com o menino e logo o levaram para o berçário.

Dias depois, passou para os cuidados intermédios e a seguir para uma enfermaria, onde podia receber a visita do marido e da família.

A enfermeira que cuidava dessa enfermaria, perguntou-lhe se se sentia capaz de cuidar do bebé. Ainda que bastante fragilizada, os olhos brilharam-lhe de alegria. Disse de imediato que sim. Trouxeram-lhe o menino. Ergueu-se da cama com o auxílio de outra enfermeira e segurou no seu menino de doce e delicada boquinha. Ficou a admirá-lo por longo tempo. Nesses minutos concluiu que o esforço e o sofrimento tinham valido a pena.

A família, durante o tempo das visitas, cuidava do bebé para ela descansar. Foram sempre amorosos com a Gabi e com o Henrique - foi o nome que deram ao menino.

A vida decorreu normalmente para esta família – salvo alguns sobressaltos, o normal em todas as famílias e dada a condição de saúde da Gabriela -, que soube manter-se unida e firme.

Não podia ter escolhido melhor marido e pai para o seu Henrique – O Francisco Miguel foi exemplar no seu papel.

Quanto aos pais e à sogra? Nada a apontar, bem pelo contrário, foram sempre extremosos.

FIM

© Teresa do Amparo Ferreira, 15-04-2024
    𝙉𝙖𝙩𝙪𝙧𝙖𝙡 𝙙𝙚 𝙏𝙤𝙧𝙧𝙚 𝙙𝙚 𝘿𝙤𝙣𝙖 𝘾𝙝𝙖𝙢𝙖,
    Mirandela, Bragança, Portugal.



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