As propostas de alteração do Código do Trabalho Civil ou, vulgarmente, «Código do Trabalho» ou «leis laborais» não são um acto isolado. Elas inserem-se num movimento económico, social e político que, desde a primeira grande crise petrolífera, em 1973, se começou a desenhar no sentido da insurreição: 1) da economia de mercado contra o Estado; 2) do Estado de livre concorrência contra o Estado Providência; 3) do Estado Descentralizado contra o Estado Centralizado; 4) do Estado Liberal contra o Estado Democrático; 5) do Estado desinteressado pela segurança e bem-estar dos cidadãos contra o Estado Paternalista; 6) da flexibilização das leis do trabalho contra a garantia dos direitos dos trabalhadores perante os patrões.
Em Portugal, estes movimentos são mais tardios porque eles são próprios de: 1) países avançados no processo de democratização e de desenvolvimento económico e tecnológico; e 2) países onde o processo de democratização assentou ou deu origem à economia de mercado. Assim, só a partir de 1989, ano da segunda revisão da Constituição de 1976, já depois da entrada de Portugal na então CEE (actual União Europeia) é que o nosso país extirpou por completo a ideologia da economia baseada no Estado e da sociedade em transição para o socialismo e para a sociedade sem classes, substituindo-as por outra ideologia, baseada na iniciativa privada, na regulação económica e social da livre concorrência e na estratificação das relações sociais com base no mérito da competitividade.
Esta última ideologia é já característica de uma sociedade neoliberal. Ao tempo, já Ronald Reagan, nos EUA, Helmut Kohl, na Alemanha, Giscard d‘Estaing, em França, e Margareth Thatcher, em Inglaterra, haviam imprimido a dinâmica neo-liberal aos seus povos.
De acordo com a ideologia neoliberal, o Estado deve ser limitado nos seus poderes e nas suas funções. Relativamente aos seus poderes, o Estado deve ser fraco, facilmente controlável pelos grupos de pressão, e ocupar-se apenas com a garantia da liberdade dos cidadãos, da segurança destes, e de relações internacionais cada vez mais extensas e profundas do ponto de vista económico. Do ponto de vista das suas funções, o Estado deve ser mínimo, ter uma Administração Pública reduzida, e substituir-se o menos possível à acção dos particulares: a educação, a saúde, a assistência social, a economia devem derivar da acção das pessoas singulares ou das pessoas colectivas privadas.
Correlatamente, neste Estado Neoliberal, deve-se legislar o menos possível sobre as relações entre os particulares (pessoas singulares ou pessoas colectivas privadas), deixando-lhes a possibilidade de construírem os seus próprios acordos, as suas próprias relações de trabalho, as suas próprias hierarquias e dependências. Nada obstaria, portanto, a que um patrão pudesse contratualizar (exigir) com um empregado doze horas de trabalho diário, despedir um empregado que, de repente, por razões de saúde, deixasse de render, despedir uma mulher que decidiu casar-se, despedir uma mulher que decidiu engravidar.
Do mesmo modo, neste Estado Neoliberal não deve haver nem ordenados nem pensões mínimas, decididos administrativamente e determinados pelo Estado. É o mercado quem decide que ordenado pagar, são os sistemas privados de segurança social quem determina o montante das pensões e reformas.
Em última análise, a ideologia neoliberal pretende a ausência de Estado ao nível da educação, da saúde, da assistência social, das relações económicas, do mercado. Pretende também que se paguem os impostos mais baixos possível mas que se receba o mais possível do Estado.
E para que tudo isto pareça ser defensável, de uma forma racional, esta ideologia inventou outra – a da globalização – para justificar a necessidade de agilizar e flexibilizar tudo porque é necessário sobreviver num mercado competitivo. A metáfora que me ocorre é a da vida real: as mulheres servem para modelos e para «misses» enquanto o seu corpo é consumível, porque apetecível do ponto de vista libidinal e comercial. Neste contexto, até o conceito de beleza foi manipulado, para poder ser consumido.
Apesar de tudo, muitos dos elementos do Estado Providência têm resistido a estas tentativas de regresso à primeira metade do século XIX, depois de a Revolução Industrial ter produzido o proletariado, contra cujas condições de trabalho o socialismo utópico, o marxismo, o socialismo e a doutrina social da Igreja se insurgiram, conduzindo ao desenho do Estado Providência, a partir das revoluções sociais francesa e alemã de 1842.
Porém, a história dos últimos 150 anos desfez (1850-1973) e refez (1973-2002) o liberalismo, sugerindo, aparentemente, que, quer a ideologia socialista quer a doutrina social da Igreja seriam utopias impossíveis e que, na realidade, o que move os homens é a luta pela sua liberdade, pelo seu bem-estar e pelo poder de domínio, resultando daí que as relações sociais e económicas não podem ser determinadas administrativamente, mas construídas pela interacção entre os agentes do poder económico, político e cultural, resultando daí vencedores e vencidos, ricos e pobres.
Neste contexto, hoje, tal como ao longo do século XIX, estamos confrontados com o mesmo paradigma que opôs patrões e operários, «sanguessugas» e lutadores por um mundo de dignidade mínima para todos.
Por isso, o que está em causa na discussão das alterações ao Código do Trabalho Civil é a luta pela salvaguarda de patamares de dignidade física, social e cultural mínima. Se não, regressaremos à semana de sessenta horas de trabalho, às doze horas de trabalho num só dia, aos despedimentos sem justa causa.
A ordem social deve ser construída em equilíbrios, não em domínio de uma parte sobre as outras. E o que se quer impor com este Código é o domínio dos patrões sobre os trabalhadores. Será mais fácil despedir, mais fácil pagar menos, mais fácil explorar mais. O Estado comprará violência, desintegração social, delinquência e marginalização social.
As batalhas do código

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