O Mundo dá efectivamente, muitas voltas e certamente muitas outras terá para dar. No entanto nós continuaremos a criticar isto e aquilo, este e aquele, sem nos preocuparmos muito com o dia de amanhã ou mesmo com as consequências que essa crítica possa vir a ter.
Na verdade interessa-nos muito mais o imediatismo e a crítica mordaz sobre determinada atitude, do que o futuro consequente.
O único crime de que Américo Tomás foi acusado, foi o de inaugurar muitas obras, chegando mesmo a ser apelidado de corta-fitas. Eu próprio cheguei a apelidá-lo dessa forma. Era inevitável!
Quer no tempo de Salazar, quer de Marcelo Caetano, só uma pessoa presidia às inaugurações e essa pessoa era obviamente o Presidente da República, de modo que não admira que ele estivesse sempre na berlinda. Eram outros tempos e outras mentalidades! Não vamos discutir se eram melhores ou piores. O que interessa aqui é o modo e a causa das acusações. Será crime fazer inaugurações? Tanto quanto me recorda, Américo Tomás não cometeu outro crime, a não ser o de pactuar com o regime em vigor, além de cortar fitas. Crime?!!!
Bom, mas agora já pode ressuscitar que não há problema. Está completamente perdoado. Pois é verdade. Se esse crime existiu no homem que foi Presidente da República, ele agora existe em maior grau, não num homem, mas em vários e de vários governos.
Se no tempo do governo de Cavaco Silva, acusavam este de fazer muitas inaugurações e estar em todas as obras juntamente com Secretários de Estado, agora com o governo socialista passa-se o mesmo ou pior chegando mesmo a serem inauguradas duas vezes a mesma obra e algumas já depois de estarem a funcionar há algum tempo. Quanto crime! Quantos criminosos!
A consciência dos homens muda por vezes como o vento e nunca se sabe ao certo para que lado está a razoabilizar hipóteses. Seria bom, de qualquer modo, que ao pensar, ao criticar, ao formular juízos de valor, o homem se apercebesse da veracidade dos mesmos para que num futuro próximo não caia em contradição.
Quando se criticou Américo Tomás, no seu próprio tempo, essa crítica não era acérrima nem verrinosa, mas tão só uma constatação da realidade de que o próprio não tinha culpa. O sistema funcionava daquela maneira, como agora funciona de outra. O curioso é que as diferenças são, neste aspecto, muito poucas. Então e estes não são criminosos?
Após as críticas à ponte projectada e efectivada sobre o Tejo e a que se chama Vasco da Gama, inaugurada com tamanha pompa e circunstância, outra foi inaugurada este fim-de-semana a que foi posto o nome de um capitão de Abril, Salgueiro Maia. Mais uma cerimónia de inauguração, mais fitas cortadas com direito a transmissão directa na televisão. Um crime? Pois possivelmente será e se não for, porque o serão os cometidos por Américo Tomás?
Enfim! Parece haver uma apetência enorme por inaugurações por parte dos governos, sejam eles quem forem. É um modo de agradecer a confiança do voto e aproveitar para pedir mais. Para isso é preciso aparecer. É necessário show-off.
O que é criticável no meio disto tudo, são os abusos que se cometem, os excessos de show-off que acabam por minimizar os actos e tornar patéticas tais actuações e os seus mentores. Na realidade, quando se inaugura duas ou três vezes uma mesma obra, não podemos deixar de criticar tal atitude e chamar uns quantos nomes feios a tais eventos e a quem os leva a cabo, pactuando com a asneira, com a incompetência e com o aventureirismo bacoco. Francamente!
É necessária uma determinada obra. Faz-se a inauguração da primeira pedra. Temos Ministro ou Secretário de Estado. Quando estiver a meio, inaugura-se a obra, estrutura importante para tal lugar, porque vai render mais uns votos na eleição que se aproxima. No final tem honras de inauguração final da obra, agora pela mão do Primeiro Ministro ou pelo Presidente da República. E quando se lhes pergunta porque é que se inaugura três vezes a mesma obra, aparece a incredulidade, dizendo afirmativamente que desconheciam tal caso. Crime ainda maior!
Ai Américo! Podes ressuscitar à vontade que ninguém mais terá a coragem de te acusar de criminoso por cortar fitar. É que agora cortam-se muitas mais, com mais despesa e menos consciência. E quem paga somos sempre nós!