A questão do Aborto deve ser tratada como aquilo que é: uma questão séria, que merece e exige um tratamento sereno e prudente, onde se analisem os valores que realmente estão em jogo, e não ser mais um caso polémico na guerra das audiências ou uma mera bandeira partidária! Esta temática é demasiado importante para ser banal e consecutivamente atirada para a praça pública, consoante os interesses de alguns!
Antes de mais, e porque se trata de alargar o âmbito da actual lei, importa relembrar em que casos é já legalmente permitida a interrupção voluntária da gravidez, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com o consentimento da grávida. São eles (artigo 142º Código Penal):
• Em caso de perigo de morte, de grave ou duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física da mãe;
• Se se provar que o bebé sofrerá, de forma incurável, de doença grave ou malformação congénita (durante as primeiras 24 semanas de gravidez – 6 meses) ou se se tratar de fetos inviável (durante toda a gravidez);
• Se a mulher for violada (durante as primeiras 16 semanas – 4 meses).
Debatamos então o que de facto se encontra sobre a mesa. Aponta-se a questão da pobreza como argumento pró-aborto. Eu pergunto: Será o problema da pobreza dos pais resolvido com o aborto? Não, de modo algum. O problema é a pobreza, não a gravidez! Apostemos então no aparecimento de novos meios de ajuda e no desenvolvimento dos já existentes. É aí que devemos concentrar os nossos esforços, tal como não entendo como se justifica que encerrem maternidades e salas de parto e se dê prioridades à constituição de salas de aborto; se pretira a cultura da vida pela da morte.
Não discutamos filosofias mas os factos que nos rodeiam. Quando dois pais vêem numa ecografia o seu filho (vêem, não o imaginam) não é já um ser humano que está em sua presença? Quando os maços de cigarros dizem “se está grávida, fumar prejudica a saúde do seu filho”, não estamos já a zelar pela saúde de um ser humano, de uma criança? E o que dizer da crescente aptidão científica para a realização de intervenções cirúrgicas intra-fetais? Quando é possível determinar o sexo dos bebés ás 8 semanas, não será com base num ser humano que é feita a análise?
O embrião humano é um indivíduo determinado com definição genética própria, apenas divergindo nas diferentes fases de desenvolvimento humano. O projecto do Partido Socialista prevê que o aborto seja livre até ás 10 semanas. O que distingue um embrião de 10 semanas de um de 11 semanas? Relembro que em alguns estados dos EUA é permitido certas formas de infanticídio, sendo que à criança com má-formação grave pode ser negada a alimentação. Será que o “aborto a pedido” até ás dez semanas não corre o risco de ver o prazo consecutivamente alargado?
Falemos de modo claro: em pleno século XXI as soluções contraceptivas são conhecidas. O que é de difícil explicação é porque, num estado que supostamente promove a natalidade, a pílula normal não seja vendida fora das farmácias, mas a pílula do dia-seguinte o seja, bem como o preço das primeiras ser quatro vezes superior que o das segundas. Mais, como é que o Estado diminuiu recentemente a oferta das pílulas mensais nos centros de saúde, com impacto visível e indiscutível no planeamento familiar de inúmeras jovens e mulheres portuguesas, e ao mesmo tempo vem propor a liberalização do aborto? Será que encara o aborto como um método de contracepção? É grave quando o estado se demite das suas obrigações de financiar o planeamento familiar e a saúde, aí sim, sexual das mulheres. O aborto não pode ser previsto como um método contraceptivo, até porque se relembre as consequências que, mesmo sendo feito com todas as condições médico-científicas, acarreta para a mulher.
Argumenta-se que a actual lei vexa e pretende dotar a mulher para a prisão. Nada mais errado. O facto de existir a previsão do crime, não quer dizer que a ré venha a ser necessariamente condenada. Mais. Mesmo que a mulher o seja, nada indica a necessária pena de prisão, uma vez que cabe ao juiz avaliar a situação concreta e poder optar por uma pena não privativa da liberdade. Esclareça-se, no entanto, que a proposta que baseia o actual referendo continua a prever a prisão para o aborto feito para além das 10 semanas.
À parte do debate têm sido colocadas duas figuras primordiais nesta questão. O Pai, que todos sabemos necessário para a existência de uma gravidez, é muitas vezes colocado numa situação acessória. Será que se coloca em questão o papel do Pai na sociedade e na família? E sobretudo, relembremos quem (e não o quê) é a base da questão. Um embrião, que se deixarmos continuar o seu natural desenvolvimento, culminará no nascimento de uma criança. Para qualquer pessoa poder exigir o direito à educação, à saúde, à liberdade de expressão, à liberdade religiosa ou partidária ou qualquer outro, é necessário darmos primazia ao mais fundamental dos Direitos Fundamentais, o Direito à própria vida, pelo que o Estado deve dar um sinal claro de defesa da parte mais vulnerável: a criança.
Não considero que no actual estado de Portugal, a questão do aborto seja primordial para a população, como parece ser para parte da classe política. Acredito que o não vencerá, e para tal contribuirei com o meu voto. Ainda assim tenho duas questões que gostaria de ver respondidas: se o sim tivesse ganho num referendo não vinculativo como o não ganhou, de que seriam apelidados os partidos de direita que pedissem novo referendo? Se o não vencer novamente, será que certos sectores políticos continuarão a exigir novos referendos consecutivos até que o resultado seja o que anseiam? Espero sinceramente que não, não só pela necessária credibilidade das instâncias e estruturas políticas, mas sobretudo porque o valor da Vida Humana merece ser tratado com maior seriedade e consciência.
Desmistifiquemos: a questão colocada no referendo é a mulher poder abortar até ás dez semanas, sem necessidade de qualquer justificação. Ninguém pretende diminuir o papel da mulher na sociedade, pelo contrário. Proteger a vida, dignificar a mulher e respeitá-la e ao bebé como ser humano é uma questão civilizacional. Pela vida, pela sua dignidade e pelo seu carácter primordial, porque não quero sacudir água do meu capote, voto não à liberalização do aborto.