Junta de Freixiel está a negociar com a pintora para que a sua arte decore espaço multifunções do Vieiro

O Vieiro é o berço da pintora Graça Morais. É ali que a artista continua a beber inspiração para o seu trabalho, seja directamente do que ainda observa ou remexendo nas memórias remanescentes que lhe ficaram da terra que a viu menina.

Até aos 7 anos este foi o seu microcosmo, foi apenas com essa idade que atravessou os limites da aldeia pela primeira vez.
O Vieiro é uma pequena localidade anexa da freguesia de Freixiel, no concelho de Vila Flor, recatadamente aninhada entre fraguedos e olivais. Onde as marcas da intensa e penetrante religiosidade estão patentes na Via-Sacra sinalizada em sete estações dispersas pelas ruas, que mantém traços de ruralidade que outrora era a norma.

Foi desta periferia dentro da própria interioridade que partiu a mais célebre artista transmontana, das pintoras mais conhecidas e nomeadas do país, conhecida e reconhecida no estrangeiro. Através dela o nome do Vieiro tem percorrido o mundo. Mas na localidade poucos vestígios existem de tão ilustre filha, a não ser uma placa numa artéria junto à casa da sua família, que ostenta precisamente a designação «Largo Graça Morais – pintora».

São ainda poucos os turísticas que ali se deslocam em busca dos símbolos e marcas que ajudem a decifrar ou descobrir a obra da artista. “Se vierem visitar a aldeia pouco encontram. Não há um museu, uma sala onde esteja patente alguma obra da Graça Morais, mas nós temos muito orgulho nela. Tem levado o nome da aldeia e do concelho de Vila Flor a toda a parte”, afirmou Manuel Carva, residente no Vieiro.

A junta de freguesia de Freixiel tem vontade de alterar esta situação e convidou a pintora para fazer alguns trabalhos que decorem o Centro Multifunções, um espaço lúdico e de convívio que está a nascer na velha escola primária, que foi recuperada e adaptada para o efeito. A obra está em fase de conclusão, ainda sem data para ser inaugurada. O acordo com Graça Morais “não está completamente firmado”, referiu José Hortelão, tesoureiro da junta de freguesia de Freixiel. O investimento realizado no equipamento cultural, que se situa entre os 80 e os 100 mil euros, é da responsabilidade da Câmara de Vila Flor.

A autarquia de Freixiel faz gosto em ter, pelo menos, um trabalho da pintora no novo edifício público. “Era bom se pudéssemos contar com alguma obra de Graça Morais a decorar aquelas paredes. Teria outro valor e ela e de cá. Se alguém quiser ver os seus quadros tem de deslocar-se a Bragança”, acrescentou José Hortelão, cauteloso nas declarações. “Ainda não há nada certo, pelo que o melhor é não falar antes de tempo”, justificou.

Já pouco resta das «Escolhidas»

As mulheres ocupam lugar de destaque na obra de Graça Morais. A essas mães, avós, amigas, esposas, parteiras, agricultoras, que são também as detentoras dos segredos dos ritos do nascimento e da religiosidade que tantas pinceladas têm motivado, foi dado o nome de «Escolhidas», uma série de quadros. Elas aparecem com os seus rostos de fadiga do quotidiano rural estampados em olhares mansamente dolorosos, são elas quem faz crescer as árvores e os filhos. Quem colhe os frutos e alimenta os animais. Deparamo-nos nas telas com as suas figuras que nos olham: rostos sulcados, feridos por uma avassaladora tristeza ou cheios de mistério, concentrados no trabalho ou no sangue das danças de amor e de fé.

Nesta poética condição do Vieiro, Graça Morais retrata a mulher transmontana de uma época, de submissão ao homem, em que até para cortar o cabelo careciam de autorização do marido. Foram esses penteados tão característicos que deram origem a vários quadros onde retrata essa forma original de usar o cabelo que se está a perder em toda a região, mesmo no Vieiro. Onde apenas as mais velhas, poucas, teimam em usar, mais por estarem acostumadas do que por pensarem que esse gesto tão simples está a desaparecer, correndo mesmo o risco de apenas restar imortalizado num quadro de Graça Morais. “Agora é tudo mais moderno, as senhoras querem ser mais sofisticadas para serem parecidas com as da televisão”, resumiu Julieta Lopes.

Durante anos associou-se essa forma de pentear o cabelo às aldeãs, mas até no pentear estão as marcas culturais e tradições de um povo.



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