“Cambedo da Raia. Solidariedade galego-portuguesa silenciada” é um livro, editado pela primeira vez em Portugal, que reúne textos sobre a aldeia de Chaves atacada por forças policiais e militares que procuravam espanhóis que fugiram da ditadura franquista.

Em 2021 assinalaram-se os 75 anos da “guerra de Cambedo”, como ficou conhecido o cerco e ataque à aldeia fronteiriça do concelho de Chaves, distrito de Vila Real, por parte da GNR e do Exército, concertados com a Guardia Civil, numa ação concertada das duas ditaduras ibéricas, que procuravam guerrilheiros espanhóis ali refugiados.

“Cambedo da Raia. Solidariedade galego-portuguesa silenciada” é uma obra coletiva que foi inicialmente publicada em 2004 pela Asociación Amigos da República, de Ourense (Galiza), e foi editada pela primeira vez em Portugal em dezembro, pela editora Tigre de Papel.

Fernando Ramalho, da editora, disse hoje à agência Lusa que a publicação quer dar visibilidade aos acontecimentos de Cambedo que ficaram “um pouco esquecidos nas brumas da história”. Ou, como se lê na contracapa desta edição, num esforço "para visualizar o que ficou obscurecido e foi deturpado pelos fascismos ibéricos".

“É um pouco bizarra a situação de, do lado da Galiza, este tema ser relativamente conhecido - não caiu propriamente no esquecimento -, ao passo que, do lado português, é um assunto relativamente obscuro, só as pessoas da aldeia é que o conhecem, não tem nenhum impacto nem em termos das políticas institucionais, nem nas políticas de memória”, referiu Fernando Ramalho.

O responsável explicou que a obra de 388 páginas integra textos de características diversas, desde ensaios a poemas, e é um trabalho conjunto de autores de diferentes áreas, como antropólogos, arqueólogos, jornalistas e investigadores.

O livro foi coordenado pelos antropólogos Paula Godinho e José Alves Pereira e junta textos de Ana Luísa Rodrigues, António Loja Neves, David Cortón, Dionisio Pereira González,

Domingos da Costa Gomes, José Dias Baptista, Luís Martínez-Risco Daviña, Rui Gomes Coelho, Xosé Carlos Caneiro, Xosé Luís Méndez Ferrín e Xurxo Ayán Vila. Esta edição foi acrescentada com dois novos textos. 

Os arqueólogos Rui Gomes Coelho e Xurxo Ayán Vila desenvolveram o projeto “Cambedo 1946” na aldeia do concelho de Chaves, distrito de Vila Real, que teve como objetivo estudar a resistência às ditaduras ibéricas (1926-1975) e a solidariedade na fronteira entre Trás-os-Montes e a Galiza. 

No verão de 2018, os trabalhos de investigação tiveram como ponto de partida a casa da dona Albertina, destruída em dezembro de 1946, após o ataque da GNR e do Exército, concertado com a Guardia Civil. 

A casa de granito foi “duramente bombardeada” e nunca foi reconstruída, transformando-se numa “espécie de “cápsula do tempo, uma autêntica janela para o modo de vida dos habitantes de Cambedo em 1946”.

No dia 21 de dezembro desse ano, terão sido disparados cerca de “70 projéteis de morteiro” numa área concentrada da aldeia e, desse ataque, resultaram vários mortos e feridos e muitos habitantes da aldeia foram presos e interrogados.

Era uma aldeia de contrabandistas e, segundo a investigação, as atividades da guerrilha antifranquista sustentavam-se muito na organização dessas rotas. 

Após o fim da Guerra Civil de Espanha (1936-1939), grupos de republicamos refugiaram-se na área de montanha para continuarem a luta armada. 

Em 1946, já após a II Guerra Mundial (1939-1945), os dois governos ibéricos, liderados pelos ditadores Francisco Franco e António de Oliveira Salazar, esforçaram-se por acabar com grupos de guerrilheiros que se refugiavam na raia.

A “guerra de Cambedo” ficou esquecida nas sombras da ditadura portuguesa, num "ignominioso silêncio", como se lê nesta edição, e só anos depois os habitantes da aldeia de Chaves conseguiram falar abertamente sobre o dia em que foram atacados.

Foi já na década de 1980 que a antropóloga Paula Godinho, da Universidade Nova de Lisboa, no âmbito de um trabalho de etnografia da zona de fronteira descobriu a história e a revelou no espaço público nacional.

"Uma parte dos habitantes seria presa pela PIDE", escreve Paula Godinho na apresentação. "Houve várias mortes, vidas destroçadas, pequenas economias agrícolas devastadas, num lastro de sofrimento que permanece até hoje. Além de tudo, a aldeia sofreu o opróbrio que os fascismos ibéricos fizeram cair sobre quem soube acolher os que fugiam do horror da guerra e os que combatiam o franquismo".

Em 2016, o Museu do Aljube – Resistência e Liberdade, em Lisboa, acolheu a estreia do filme “ O Silêncio”, de António Loja Neves e José Alves Pereira, sobre o povo do Cambedo e o ataque de que foi alvo.

Os direitos da venda desta edição de "Cambedo da Raia. Solidariedade galego-portuguesa silenciada” serão atribuídos ao movimento cívico Não Apaguem a Memória, como se lê na introdução.



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