As fogueiras do Natal no Planalto Mirandês assumem-se, desde há muitos anos, como um dos elementos mais importantes da cultura popular neste território e em Miranda do Douro o costume não se perde - está bem vivo e enraizado.

Apesar de praticamente em todas localidades do Nordeste Transmontano haver o costume de se acender a Fogueira do Galo, na noite da Consoada, em Miranda do Douro, no distrito de Bragança, esta tradição carrega consigo aquele que é considerado pelos investigadores como "um ato de iniciação e emancipação dos rapazes em idade da puberdade, em que as raparigas "estão proibidas de participar".

"Entre as tradições mais bem conservadas está a Fogueira do Galo, também conhecida por Fogueira dos Rapazes, que são rituais de provocação e iniciação, rituais de leme, protagonizados pelos rapazes que se mostram no solstício de inverno", disse à Lusa o investigador da cultura mirandesa António Rodrigues Mourinho.

Os trabalhos para a realização da Fogueira do Galo começam bem cedo, com o lançar de foguete de alvora, logo ao amanhecer. A partir desse momento os rapazes seguem para o monte, onde passam todo o dia a cortar lenha e a carregar os carros de bois, que depois serão puxados pelos jovens até à praça da Sé e descarregados até ao acender do lume.

"Os trabalhos para a preparação da fogueira são vedados às raparigas, por uma questão de recato e decoro, já que durante o dia passado no monte são muitos os momentos em que os rapazes são postos à prova na sua ‘masculinidade’, com a realização das barrelas, um ato que não passa de uma brincadeira, em que os rapazes mais jovens são despidos da cintura para baixo e os mais velhos lhes colocam terra e musgos nos órgão genitais, mas tudo sempre vigiado pelo grupo", explicou o investigador.

Segundo António Rodrigues Mourinho, estes rituais e praxes de fecundidade e puberdade são pagãos e vêm de tempos ancestrais, com o objetivo de provar se os rapazes eram capazes de procriar.

Passados os trabalhos e as praxes, os rapazes juntam-se de para comer e beber. A hora de merenda é outros dos pontos altos e não faltam a famosa "punheta de bacalhau, enchidos queijos, pão, entre outros produtos regionais que são regados com bom vinho”.

Já com o estômago reconfortado, os rapazes preparam-se para levar a lenha para a cidade, numa viagem acompanhada por cantos tradicionais de Natal adaptados à realidade do dia da fogueira.

"Um dos pontos alto desta atividade é o transporte da lenha para o local da fogueira, numa viagem em que os cânticos dos rapazes e toda a caravanas de carros de madeira, com o seu chiar característicos, atraem os residentes ao centro da cidade e os turistas, admirados com esta função natalícia", explicou o historiador.

Na opinião dos mais velhos, a missão é agora facilitada. Abílio Barril, de 76 anos, um homem que desde tenra idade participou na preparação da fogueira, disse à Lusa que no passado era bem mais difícil cumprir a tradição, já que tudo era feito a força de braços.

"Antigamente carregávamos os carros de bois com grandes troncos de madeira até chegar à fogueira e durante a viagem havia muita peripécia, devido à orografia do terreno. Até os carros de bois chegavam a partir com o peso da lenha, entre outras avarias. Isto atrasava a festa, mas havia sempre uma ajuda extra", recordou.

Para o antigo participante, esta é uma herança do passado.

De 10 em 10 anos, os homens casados relembram este dia e fazem a Fogueira do Galo dos Casados, com a mesma fórmula da dos solteiros.

A Bruno Torrado, de 25 anos, cabe a missão de integrar a equipa que este ano vai acender a fogueira em Miranda do Douro. Na sua opinião, a tradição está bem viva e continua a ser um momento alto para a juventude.

"Embora a tradição da Fogueira do Galo esteja viva, acaba por sofrer aclarações e adaptações. As barrelas já praticamente não se fazem, mantendo-se um espírito de camaradagem muito bom", vincou.

Outra novidade é que há rapazes de 07 e 08 anos que, acompanhados pelos mais velhos, “se entranham nesta tradição", indicou o mordomo da fogueira.

É praticamente unânime que, se não houvesse Fogueira do Galo em muitas das localidades do Nordeste Transmontano, não seria Natal.

Foto: Filipa Batista



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