O historiador Luís Filipe Thomaz afirma, no seu mais recente livro, que Fernão Magalhães "jamais pensou em dar a volta ao mundo" e questiona, "porque não um museu dos Descobrimentos?", a construir em Lisboa.

O investigador, que coordenou o Instituto de Estudos Orientais da Universidade Católica Portuguesa, de 2002 a 2011, publicou um livro que se divide em dois ensaios: “O Drama de Magalhães e a Volta ao Mundo Sem Querer” e “Um Museu dos Descobrimentos Porque Não?”, publicado pela Gradiva.

Sobre o Museu dos Descobrimentos, que vai estar em debate na sessão extraordinária da Assembleia Municipal de Lisboa, na terça-feira, afirma o historiador: “Um museu vale pelo que contém e pelo modo como o tem exposto” e prossegue: “Organizar um museu não siginifica aprovar moralmente o que nele se expõe”.

Neste sentido, argumenta Thomaz, que existem museus sobre a Inquisição, em Cartagena das Índias, na Colômbia, sobre o “terror dos khmers vermelhos” no Camboja, e refere a musealização do campo de concentração, edificado pelo regime nazi, em Auschwitz, no sul da Polónia.

O investigador escreve ainda que a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses funcionou durante mais de dez anos e “ninguém protestou”, justificando em seguida: “Talvez porque a Comissão distribuía em profusão apoios a projetos, bolsas de estudos e outros subsídios, e não era conveniente arreliar a galinha que tais ovos de ouro punha…”.

Thomaz discorda do termo “Museu das Descobertas”, por “Descobertas” ser um galicismo, e porque “conota a passividade de cousa achada, ao passo que descobrimentos é um ‘nomen actionis’, ativo e, se se quiser interativo”. Por isso, defende antes um Museu dos Descobrimentos.

Sobre esta questão argumenta que, “se os portugueses puderam no curto espaço de aproximadamente um século explorar o [oceano] Atlântico, da Gronelândia à ilha de Tristão da Cunha, e ainda o Índico e os mares que lhe são adjacentes, foi porque possuíam uma tecnologia e uma arte de navegar adequadas, fruto da assimilação do legado de civilizações mais antigas”, dos gregos aos árabes, judeus, normandos e “até chineses”.

Os portugueses, escreve, "não inauguraram o Paraíso na Terra; mas deram origem ao mundo moderno tal como o temos, com defeitos e virtudes inerentes a toda a construção humana".

Para o autor, que apresentou, em 1965, uma tese de licenciatura sobre “Os Portugueses em Malaca no século XVI”, “como todas as grandes transformações históricas, os Descobrimentos acarretaram, de facto sofrimentos para muita gente, através de efeitos laterais que vão da intensificação da escravatura à difusão da sífilis americana no Velho Mundo, passando pela da varíola no Novo”.

O investigador defende que um Museu dos Descobrimentos, em Lisboa, “seja feito com conhecimento de causa e sem exageros nacionalistas”, e que “servirá para mostrar aos que nos vistam que, antes de reduzirmos ou de nos reduzirem a mero subúrbio da Europa, éramos mais que uma nação de pasteleiros (…), e que, por conseguinte, o nosso papel na História Universal se não reduz a fabricar pastéis de nata, para regalar nativos e turistas…”.

Quanto à viagem de circum-navegação encetada por Fernão Magalhães, há 500 anos, segundo o historiador, “apenas teve lugar porque ele pereceu no decurso da viagem que planeara” e ao regressar pela rota do cabo da Boa Esperança, controlada pelos portugueses, a nau “Victoria”, a única sobrevivente das cinco que tinham partido do sul de Espanha, efetivou a viagem à volta do mundo que não foi mérito seu, nem o de provar a esferecidade do globo terrestre, "em seu tempo conhecida havia já bem 2.000 anos, pois fora afirmada por Pitágoras".

O mérito do navegador português, ao serviço da coroa espanhola, foi "ter atravessado à primeira tentativa a imensidão do [oceano] Pacífico, até aí inexplorado".

A viagem, defende Luís Filipe Thomaz, foi “destinada a provar que as ilhas de Maluco não recaíam no hemisfério reservado a Portugal pelo tratado de Tordesilhas” celebrado por Espanha e Lisboa, em 1494, que “dividiu” o mundo em dois hemisférios de domínio dos mares e terras alcançadas, entre os dois reinos.

Escreve o investigador que o rei de Espanha, Carlos I, nas “capitulações” que celebrou com Magalhães o proibia “expressamente [de] intrometer-se por qualquer forma que fosse no hemisfério” sob domínio português, o que só foi possível porque, no regresso, Fernão Magalhães tinha já morrido e oficialmente não se quebrava o que tinha selado com o rei espanhol, pois nenhum dos monarcas “tinha interesse em quebrar essa harmonia” ibérica, confirmada “uma vez mais em 1518 pelo casamento do rei D. Manuel [I, de Portugal], com uma irmã de Carlos”, eleito em 1519 imperador do Sacro Império Romano-Germânico.

Para o historiador, Magalhães destaca-se por ter navegado além do rio da Prata, na América do Sul, e depois aportar ao atual arquipélago das Filipinas, que designou como de S. Lázaro.

“A bem dizer, objetivamente falando, [Magalhães] apenas descobriu a costa entre o rio do Infante (…) e o cabo das Correntes, perto de Inhambane [atual Moçambique], no Oceano Índico”, afirma.



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