Factos:
 
Entrevistada: Margarida Ferreira
Idade: 43 anos
Naturalidade: Bragança
Profissão: Cabo da GNR
Paixão: Ajudar os “nossos” amigos de quatro patas
 
 
Prólogo: Quando o “melhor amigo do homem” passa a ter uma melhor amiga
 
Quando o ditado se inverte, lá vem Margarida. Ela não é só a melhor amiga do “melhor amigo do homem”, ela é um exemplo de vida. Faz três anos em setembro que, sozinha, decidiu carregar nos ombros o peso da responsabilidade de lutar pelos animais em risco, doentes, sozinhos, abandonados na rua à sua sorte ou prestes a enfrentarem a pena de morte sem nunca terem feito qualquer mal, num canil perto de si, leitor.
Esta autêntica mulher do Norte, respeitada por uns e temida por mais ainda, não suporta injustiças ou que cometam uma qualquer atrocidade contra os animais de quatro patas. Não admira, portanto, que os “pequenotes” como ela carinhosamente lhes chama, a adorem.
Margarida não tem papas na língua, diz o que pensa e é genuína.
 
 
Grande Entrevista:
 
Diário de Trás-os-Montes (DTM): Como é que surgiu esta paixão pelos animais, mais especificamente, pelos cães? Quando e como é que tudo começou?
 
Margarida Ferreira (MF): Isto começou vai fazer exatamente três anos em setembro. Um ano antes, eu tinha retirado o primeiro cão da rua, que foi o Tobias e estive um ano com ele sozinha. Mas foi talvez devido ao que tenho visto em relação ao abandono de animais e aos abates de cães nos canis intermunicipais. Então, pensei que seria útil, mais que não fosse, útil aos animais eu fazer isto.
 
 
DTM: Antes desse período, em que te começou a defender e a proteger os cães em risco, já gostavas de animais, certo?
 
MF: Sim, mas só tinha tido gatos. Quando morava com os meus pais era só gatos. Mas quando já crescida, depois do último que me desapareceu e do qual não sei nada até hoje. Nas aldeias, uma pessoa deixa andar os animais livremente e isso é um erro. Os gatos morriam uns atrás dos outros, desapareciam e apanhei um desgosto com um dos gatos, o último, e nunca mais tive animais.
Os cães surgiram devido ao Tobias.
 
 
DTM: Conte-nos essa situação do Tobias, um cão que ainda hoje mantém.
 
MF: O Tobias resultou de uma história complicada de abandono. Um dia eu e a minha mãe vínhamos da horta ali em S. Sebastião e vimos o Tobias no chão num estado lastimável, cheio de carraças, de pulgas, de novelos de porcaria, ele é um arraçado de caniche de porte pequeno e pelo comprido e estava no chão e qualquer coisa me disse para parar o carro e a minha mãe disse-me olha que o cão está morto. Voltei atrás e estava deitado junto de um lancil da estrada, numa passadeira e mal eu cheguei ao pé dele ele abraçou-me e não ficou lá, veio comigo. Estive um mês à espera para o registar em meu nome a ver se apareciam os donos, mas o Tobias já tinha uma história de abandono em Vale d` Álvaro, depois veio a aparecer ali e ficou até hoje. Fez quatro anos este mês que está comigo.
 
 
DTM: Foi o princípio de tudo?
 
MF: Sim! Um ano depois, comecei a ter mais sensibilidade relativamente aos animais abandonados e a fazer o que faço hoje. Vai fazer três anos em setembro.
 
 
DTM: Faz ideia do número de animais que já retirou da rua? Que já salvou?
 
MF: Neste momento, eu julgo que já passa dos 600 animais. Diria mesmo quase 700 que eu tenho tudo anotado. Para além de ter um dossier dos animais que eu retiro do canil, adotados por mim e depois readotados, eu tenho também uma ficha de adoção responsável para aqueles que não têm chip, que vêm da rua ou que vêm dos donos que os querem entregar no canil e antes de chegarem lá eu fico com eles. E outros que não chegam sequer ao canil.
 
 
DTM: Qual foi a história nestes últimos três anos que mais a impressionou?
 
MF: Tantas! Eu acho que cada uma é impressionante e complicada à sua maneira, mas vou contar a história do Leão. Um dia ia a casa de uma amiga minha e vejo o Leão na estrada, só pele e osso e coberto de moscas varejeiras. Parei, perguntei a uma pessoa se era o dono, ele respondeu que sim e disse-me que o cão estava doente. Disse-lhe que ia regressar, entretanto, fui a casa, refiz-me do choque, voltei e fiz-lhe um ultimato: ou me dava o cão a bem ou a mal. O Leão, que é um cão de gado transmontano, já tinha quase um ano e quando veio comigo pesava 20 quilos. Passados 15 dias, já pesava 40. Foi adotado e agora encontra-se a viver feliz e contente numa quinta na zona de Barcelos com o triplo da altura e da largura do que estava quando eu o apanhei. E, hoje, sei que está bem.
 
 

"As pessoas com estatuto querem é raças,..., para parecer bonito,... muita gente que ainda aí com roupas de marca, depois nem leva os animais ao veterinário."
 
 
DTM: Faz sempre esse acompanhamento aos animais que salva e retira da rua? Até, pelo menos, ter a certeza de que tudo corre como previsto?
 
MF: Durante algum tempo sim. Agora, não pode ser toda a vida, sempre a chatear as pessoas. Acho que depois do animal estar habituado à pessoa e a pessoa ao animal, isso já é um fator de afeição que me faz acreditar que esse animal não vai ser abandonado. Agora, eu costumo dizer que ninguém conhece bem ninguém, mas também não temos o direito de olhar para a pessoa de lado e dizer-lhe que é mau adotante e que não tem condições para ter animais. Porque eu já os dei a pessoas que eu pensava que eram as corretas e os animais voltaram. E outros foram parar ao canil, que os voltei de lá a tirar. E eram pessoas, entre aspas, de bem. Tenho outras situações, em que o aspeto e as condições deixavam-me em dúvida, mas, depois, os animais eram bem tratados. Ou seja, isto para dizer que não podemos julgar ninguém pelo aspeto. A maior parte dos pobres são quem melhor os trata. E as pessoas com estatuto, primeiro perguntam se o cão é de raça e aí fico possessa, até porque não sei como se atesta a pureza de um animal. Aliás, a pureza tem é de ser dos donos que os adotam.
As pessoas com estatuto querem é raças, se é um pastor alemão puro, se é caniche puro, para parecer bonito, porque pensam que os animais é como as calças de marca que usam. Eu continuo a dizer que muita gente que ainda aí com roupas de marca, depois nem leva os animais ao veterinário. E as pessoas mais modestas, que me ficam com os animais, acredito que a maior parte deles está bem.
 
 
DTM: Quantos animais tem, neste momento, aqui em sua casa?
 
MF: Tirando os meus três, tenho mais nove para adoção. Por acaso, agora está um bocadinho parado porque, também, são férias e eu, confesso, que, também, sou um bocadinho esquisita no que toca às adoções, às pessoas que adotam.
 
 
DTM: Exigente?
 
MF: Um bocado. Não posso exigir tudo, mas considero-me bastante rigorosa no que toca às adoções.    
 
 
DTM: Quais são os critérios que a norteiam na entrega de um animal a um potencial adotante?
 
MF: Primeiro, o meio em que o animal vai ficar, se é um apartamento ou uma vivenda. Isto para tentar saber se o sítio se adapta a um cão de porte pequeno, médio ou grande. Depois, verifico se não o vão pôr à corrente. E por último, mas não menos importante, se as pessoas têm possibilidades para levar o animal sempre que precise ao veterinário, nomeadamente, vacinas e em caso de doença.
Eu quando os retiro do canil de Vimioso pago 18 euros ou quando os vou buscar ao canil intermunicipal de Mirandela pago quase 24 euros. Ou seja, tenho despesa com eles e, depois, ainda tenho de os desparasitar interna e externamente e a única coisa que eu exijo às pessoas quando me levam os animais é precisamente essa importância para eu poder ir por outros animais.  
Ainda no outro dia, tirei do canil cinco e foram 100 euros que ficaram lá. Mais o desparasitante, 50 euros.
 
 

"Tudo, aceito tudo relacionado com cães, desde que seja de boa vontade."
 
 
DTM: Como é que, a nível financeiro, consegue suportar todas estas despesas, que não são poucas, inerentes aos animais que salvas, quer seja das ruas, quer seja do canil? E tem essa contabilização feita?
 
MF: Se os animais vêm com problemas eu, obviamente, não me vou desfazer deles. Só no primeiro ano, em que ainda não era conhecido este meu trabalho com os animais e ninguém me ajudava, e não contabilizando água, luz, nem desparasitações, gastei para cima de cinco mil euros só com a alimentação. No fim do segundo ano, eu tinha 10 mil euros e já vamos a caminho do terceiro. Só em gasóleo, antes um depósito dava-me para dois meses e, agora, dá-me para 15 dias. Por isso é que eu também acedi falar à comunicação social, para as pessoas conhecerem o meu trabalho e, se possível, ajudarem-me nem que seja só com um saco de ração e por isso é que, também, optei por dar conhecimento através do Facebook das despesas que ia tendo e comecei a ter pessoas a perguntarem-me se aceitava um saco de ração, pessoas a perguntarem-me qual era o tipo de desparasitante que eu usava, a dizerem-me para fazer rifas que elas próprias ajudavam-me a vendê-las e foi assim que tudo começou. Pelo menos, alguma ração vou trazendo. Mas é como eu digo, é sempre aquela meia dúzia de pessoas a ajudar. Ninguém é obrigado a ajudar e claro que é pouco, mas é bom porque é de coração. 
 
 
DTM: Por já ter tantos animais e não poder recolher mais nenhum, já teve que dizer não a alguém, por, simplesmente, não ter condições para o fazer?
 
MF: Sim, já. Ainda na semana passada recebi quatro ou cinco mensagens, mas com muita pena minha e peço desculpa, não pude aceitar. Depois, algumas não compreendem, ligam e são más.

 

 

"...quem me ajuda nunca me chateou para nada e quem me chateia nunca me ajudou,..."
 
 
DTM: Por acharem que tem a obrigação de aceitar todo e qualquer animal?
 
MF: É isso! No outro dia ligaram-me, ia eu a caminho de Lisboa, e disseram-me: “Margarida, anda aqui uma cadela parida no Bairro da Coxa com a sua ninhada”. Eu respondi à senhora que tinha a casa cheia de animais e que não podia, de momento, aceitar mais nenhum, quanto mais uma cadela com uma ninhada. Ela parece que ficou revoltada e eu disse-lhe que não tinha obrigação, ao que ela respondeu: “Então quem tem a obrigação? Eu?”. Até desliguei para nem me chatear. Quer dizer, eu faço isto de coração, ando sempre a pedir não para mim, mas para os animais que pretendo salvar e afirmo aqui que quem me ajuda nunca me chateou para nada e quem me chateia nunca me ajudou, nem com um grão de ração. A mim se me ajudarem, eu vou até às últimas consequências, agora, como podem as pessoas exigir sem nunca terem feito nada pelos animais que eu tanto tento proteger?
Eu se puder, obviamente que recolho. Agora, não podendo, não o vou fazer. Agora, a maior parte das pessoas nunca me ligaram para nada e depois quando ligam exigem de mim como se eu tivesse a obrigação de as ajudar quando elas próprias nunca fizeram nada por animal algum. 
 
 
DTM: Se as pessoas que lerem esta entrevista estiverem interessadas em a ajudar, como é que o podem fazer?
 
MF: Podem enviar mensagem privada através do facebook que eu dou o meu NIB. Depois de comprar o que preciso e me faz falta, tiro uma cópia ou uma fotografia do recibo e envio à pessoa em causa para ela ter a certeza de que o seu dinheiro foi bem gasto. Também podem dar-me ração, desparasitante ou, inclusive, pagar uma esterilização de um animal. Qualquer coisa serve para ajudar quem tem tanta despesa como eu. Eu só faço isto pelos animais, por isso qualquer ajuda é bem-vinda. No outro dia, trouxeram-me uma casota e claro que eu aceitei. Também ando sempre a pedir mantas e lençóis velhos, que não os atirem para o lixo, mas que mos deem antes a mim. Coleiras, trelas, caçarolas para eles comerem, também me têm dado. Tudo, aceito tudo relacionado com cães, desde que seja de boa vontade.
 
 
DTM: Para terminar e estando há quase três anos envolvida na luta, defesa e bem-estar do “melhor amigo do homem”, como é que analisa a criminalização dos maus-tratos a animais? Era algo que já estava à espera ou essa medida surpreendeu-a?
 
MF: Foi um passo em frente, mas não funciona. A maior parte reverte tudo em multas, que depois recorrem, recorrem e nada acontece. Apesar de ser um crime público, a única forma de inverter a situação atual de maus-tratos a animais seriam mesmo penas pesadas para os infratores. É isso que eu defendo! Estamos a falar de inocentes… Por exemplo, é proibido abandonar um animal, o problema é que se o abandono não for presenciado, é para esquecer. Se for presenciado, para provar que foi de facto um abandono não é fácil. Agora eu quero acreditar que esta medida seja o princípio de algo maior. Agora, quem é mau continuará a ser, seja para os animais, seja para as pessoas.
 
 

Margarida Ferreira em casa com os seus animais e o Antes e o Depois de alguns cães que passaram por si...
 
 



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