Teresa A. Ferreira

Teresa A. Ferreira

O Forasteiro

Crónica 10: O Forasteiro

Ti Mário, homem guicho como um alho, vinha de casa e ao passar no Largo do Pelourinho, dirigiu-se-lhe um forasteiro de ar fino e bem composto. Parou esperando a reação do homem. Levantando, levemente, o chapéu fez uma pequena vénia e disse:

- Bôs dias nos dê Deus!

- Deus nos dê bôs dias - retorquiu o indivíduo. E começou a olhar em redor como que à procura de algo.

Ora, Ti Mário, vendo este comportamento, perguntou-lhe:

- O que bossemecê precura?

- Olhe amigo, isto é assim: sou home e tenho certas necessidades… Não sei se o amigo me está a entender?

Ti Mário, deu um pequeno passo em frente como que… para prestar mais atenção ao caso. E o forasteiro continuou:

- Resolbi bir, até aqui, à precura duma mulher que… bossemecê sabe.

Vestindo um ar pensativo, Ti Mário, demonstrava grande interesse no caso; e o forasteiro retomou a conversa em modo mais íntimo:

- Deu-me nas ideias de bir, até aqui, a ber se encontro alguma mulher pra satisfazer as necessidades dos homes.

Levantando o sobrolho esquerdo, Ti Mário, inclinou ligeiramente a cabeça para o lado direito; fitou o forasteiro com um olhar que imprimia verdadeira intenção em ajudá-lo a resolver tal provimento, não deixando perpassar uma vontade lancinante de fulminar tal individuo. E o pensamento levava-o a desenvolver conjeturas:

- Homessa, onde é que já se biu aparcer na Torre à precura de… Já te faço a cama, seu peinadinho – ia dizendo com os seus botões.

Pegando no braço do homem deu-lhe as indicações:

- Ponha-se bossemecê, aqui, junto à berroa; alguma o há de contentar.

Despediu-se e deu corda às botas, tinha afazeres à espera na olga.

O forasteiro ficou encostado à estátua, olhando em redor e fazendo um ligeiro aceno com a cabeça a quem por ali passava.

Esta estátua, que representa um berrão, vem da Idade da Pedra ou Romanização, não há certezas absolutas, estando comprovado o sexo do animal em três trabalhos científicos. Acontece que, por obra e arte de alguém, caparam o berrão. Desde essa tropelia, o povo passou a tratar o animal por berroa.

Dali por umas horas, regressando do campo, Ti Mário dá de caras com o forasteiro no mesmo lugar.

- Atão! Inda aí está, home?

- Estou aqui desde que bossemecê abalou, e nada! Nem uma única mulher se chigou ao pé de mim.

O nosso anfitrião, vestindo aquele leve sorriso de vitória por estar a dar uma valente lição ao pomposo forasteiro, rematou a façanha colocando a cereja no topo do bolo:

- Ó, home! Atão bossemecê tem uma fêmea tão boa, aí ao pé de si, e não se abiou?

O forasteiro, percebendo de imediato que tinha sido bem gozado, cerrou a carra, envergonhado, balbuciou umas palavras impercetíveis e abalou num instante.

O vivaz Ti Mário, seguiu rindo e assobiando até casa, vibrando de contentamento com a lição que dera ao ricaço e dizia de si para consigo:

- Olha-me este?! Bem aqui, armadinho em finório, achando que as mulheres da Torre são umas galdérias! Bá mas é precurar na terra dele, decerto por lá não lhe faltam badias.

E tratou de contar esta passagem, à família e amigos, que muito orgulho gerou em todos na Terra.

Tendo a cena ocorrido junto ao Pelourinho e ao Berrão, serve de mote para vos apresentar tão importantes símbolos de Torre de Dona Chama.

 

Por ordem cronológica:

1 - BERRÃO

"Existe em Torre de Dona Chama, no largo do Pelourinho, uma estátua granítica, zoomórfica, representando um porco ou berrão, cronologicamente situada na Idade do Ferro ou Romanização. Lavrada numa peça única de granito, de grau grosso, com 1,68 m. de comprido, a escultura apresenta no focinho a marcação dos olhos, em covinhas cónicas, com a testa curta, acentuada e inclinada, seguindo-se um focinho grosso e curto, sem marcação de boca; tem simuladas as orelhas pelo saliente correspondente à nuca, estendendo-se para os lados. Na sua retaguarda são representados o ânus e os órgãos sexuais. Não há conclusões seguras quanto ao local de proveniência."

As únicas estátuas, representativas de porcos, em que está confirmado o sexo, encontram-se em: Faílde, no concelho de Bragança; e Torre de Dona Chama, no concelho de Mirandela.

Fontes: VASCONCELOS (1913, 20-21); SANTOS JÚNIOR (1975, 94-100); SANDE LEMOS (1993, 271); DGPC 

 

2 - PELOURINHO

Símbolo da independência administrativa, e não só, que esta terra alcançou durante 562 anos, ergue-se imponente Pelourinho fazendo jus aos três forais recebidos:

Em 1287, a 25 de abril, recebe o 1º foral de D. Dinis;

Em 1293, a 31 de julho, perde o concelho para Mirandela, por não ter pago a renda anual ao rei;

Em 1299, a 25 de março, recebe o 2º foral de D. Dinis;

Em 1303, a 5 de julho, recebe confirmação do foral vigente;

Em 1512, a 4 de maio, recebe o 3º foral de D. Manuel I;

Em 1855, a 24 de outubro, perde o concelho para Mirandela, e assim permanece até à atualidade.

 

“…

IPA.00000826

Portugal, Bragança, Mirandela, Torre de Dona Chama

Arquitetura político-administrativa e judicial, quinhentista. Pelourinho de bloco prismático, composto por soco quadrangular e fuste octogonal com chanfro e remate composto por elemento com quatro braços dispostos em cruz e bloco paralelepipédico com elemento heráldico, coroado por cornija e pináculo galbado. O fuste conserva a meio da face principal orifício de suporte das antigas argolas de sujeição. O remate, com elemento contendo braços em cruz terminados em cabeças de serpente, com boca entreaberta deixando ver os dentes, à semelhança dos Pelourinhos de Bragança (v. PT010402420005) e de Vinhais (v. PT010412350004), possui na face frontal a representação das armas de Portugal, ainda que com erro heráldico. O berrão, que desde as Memórias Paroquiais de 1758 é referido junto ao pelourinho, é considerado pelos estudiosos como estátua votiva, admitindo-se assim a existência de um culto zoolátrico, onde determinados animais eram sagrados.

Pelourinho, classificado como IIP - Imóvel de Interesse Público, Decreto n.º 23 122, DG, I Série, n.º 231, de 11-10-1933

Conserva o vetusto Pelourinho, levantado num largo da freguesia, num espaço ajardinado que compartilha com um antiquíssimo berrão (ou porco em pedra, de origem pré-histórica).

O Pelourinho ergue-se sobre plataforma constituída por três degraus quadrangulares de aresta, de pedra aparelhada, estando o térreo enterrado no solo. A coluna possui base quadrangular, afeiçoada no topo, de forma a aproximar-se da secção do fuste. Este é liso e oitavado, ligeiramente galbado. Encima-o um colarinho e ábaco saliente, ao modo de tabuleiro, no qual assentam quatro braços em cruz, ao modo de cachorros, com cabeças de animais salientes nos ângulos. Estas representações zoomórficas são por vezes identificadas como berrões. A peça de remate é composta por um grande bloco prismático, com o escudo das quinas numa das faces, e um largo tabuleiro saliente no topo. A coroar o monumento, uma pequena peanha quadrada sustenta um pináculo bojudo de bom tamanho, com remate esférico.

A datação deste Pelourinho tem sido motivo de várias especulações. Tem sido atribuído ao reinado de D. Dinis, no século XIII, quando o concelho recebeu primeiro foral, certamente devido à presença dos cachorros de feição arcaica; e isto mesmo quando o monumento tem inscrita a data de 1582. Parece mais provável que o conjunto final resulte de várias intervenções, cronologicamente desfasadas. Os animais do remate serão certamente mais antigos que o bloco superior e o pináculo do remate, que parecem corresponder à data gravada. As restantes peças, incluindo a plataforma (aparentemente mais moderna) e o conjunto da base e coluna, são de feição muito singela, e não permitem datação precisa.

…”

Fonte: DGPC - Direção Geral do Património Cultural

 

Texto, fotografias e recolhas:

©Teresa A. Ferreira, 10-05-2021

 

Foto 1: Berrão de Torre de Dona Chama, Mirandela, Bragança, Portugal     

Foto 2: Pelourinho de Torre de Dona Chama, Mirandela, Bragança, Portugal 

Foto 3: Pelourinho e Berrão de Torre de Dona Chama, Mirandela, Bragança, Portugal 

 


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